No dia 2 de agosto de 2002, o diretor M. Night Shyamalan colocou Passo Fundo no mapa do terror ao lançar, nos cinemas dos Estados Unidos, Sinais (Signs) — atualmente disponível na plataforma de streaming Star+.
Nesse filme, o diretor, roteirista e produtor indiano radicado desde a infância nos EUA encerrou a informal "trilogia do incrível", na qual se propôs a dar respostas a recorrentes fantasias do público: como seria se os mortos caminhassem entre nós e pudéssemos vê-los (O Sexto Sentido, de 1999)? E se os super-heróis dos gibis ganhassem carne e osso (Corpo Fechado, de 2000)? Existe vida inteligente fora da Terra (Sinais)?
Segundo maior sucesso de bilheteria de Shyamalan — arrecadou US$ 408,2 milhões, contra os US$ 672,8 milhões de O Sexto Sentido —, Sinais é assumidamente inspirado por Vampiros de Almas (1956), de Don Siegel, Os Pássaros (1963), de Alfred Hitchcock, e A Noite dos Mortos-Vivos (1968), de George A. Romero. Tem como protagonista Mel Gibson, então no auge da carreira e da popularidade após vencer os Oscar de melhor filme e direção por Coração Valente (1995), e estrelar títulos como O Preço de um Resgate (1996), Máquina Mortífera 4 (1998), O Patriota (2000) e Do que as Mulheres Gostam (2000).
Gibson interpreta Graham Hess, um pastor que, após a morte da mulher, deixa de crer em Deus. Refugiou-se em uma fazenda da Pensilvânia com os filhos Morgan (Rory Culkin, irmão caçula dos também atores Macaulay Culkin e Kieran Culkin) e Bo (Abigail Breslin, que mais tarde concorreria ao Oscar de atriz coadjuvante por Pequena Miss Sunshine). A família se completa com o mano mais novo de Graham, o fracassado jogador de beisebol Merrill — papel de Joaquin Phoenix, que já havia sido indicado à estatueta dourada de coadjuvante por Gladiador (2000) e que, depois de concorrer por Johnny & June (2005) e O Mestre (2012), ganharia o prêmio de melhor ator por Coringa (2019).
O exílio não trouxe a paz desejada, como se percebe após os aterradores créditos de abertura — não, não aparecem extraterrestres. Aliás, só vemos os nomes do elenco e da equipe sobre um círculo de luz: o pavor vem da música de James Newton Howard, com violinos que evocam as trilhas de Bernard Herrmann para obras-primas de Hitchcock — entre elas, Um Corpo que Cai (1958) e Psicose (1960). Aliás, Shyamalan é um discípulo do mestre do suspense, para quem o poder da sugestão era mais forte do que o terror explícito. Inclusive gosta de aparecer nos seus filmes — mas fazendo mais do que pontas para distrair cinéfilos.
Logo a menininha Bo acordará o pai para reclamar que há um monstro na janela. Logo os Hess descobrirão misteriosas e gigantescas marcas na plantação de milho. Logo ficarão abismados com a hipótese de que aquilo não seja troça dos vizinhos. Logo Shyamalan tornará supérfluos discos voadores, raios destruidores e personagens criados por computador em filmes do gênero: o que o cineasta pratica é o cinema do oculto.
O frio na espinha é engendrado sobretudo nas penumbras, onde o som desempenha papel decisivo. Provoca ansiedade e calafrios o farfalhar do milharal dos Hess. Trincamos os dentes e crispamos os dedos quando lanternas caem no porão da casa. O desafogo se dá em momentos dignos das melhores comédias, especialmente aqueles com Joaquin Phoenix. O espectador também sorri quando repara que os sinais do título não se referem apenas aos círculos na lavoura: nada é coincidência no roteiro, e tudo que é visto ou falado servirá a algum propósito.
E onde entra Passo Fundo nessa história?, deve estar se perguntando quem nunca assistiu ao filme. Bem, uma das cenas mais marcantes é ambientada na cidade do norte gaúcho — embora, na verdade, tenha sido rodada em Miami, com atores brasileiros.
À época da estreia de Sinais no Brasil, houve quem achasse que Shyamalan deveria ter escolhido Varginha, em Minas Gerais, famosa por supostas aparições de objetos voadores não identificados (OVNIs) em 1996. Mas Passo Fundo integra o que se chama de "epicentro ufológico", segundo declarou a ZH Hernán Mostajo, que pouco tempo depois fundou o Museu Internacional de Ufologia, História e Ciência de Itaara (RS). Nessa região, estão cidades com grande número de incidências, como Tenente Portela, Sarandi, Ronda Alta, Tapejara e Carazinho, onde houve relatos de avistamento de OVNIs e até de agricultores abduzidos por alienígenas.
Em Sinais, Passo Fundo é o cenário da festa de aniversário de um menino, filho de um tal Romero Valadares, que registrou as cenas veiculadas em telejornais do mundo inteiro não muito depois de os misteriosos círculos surgirem nas plantações de Graham Hess.
A sequência evoca o subgênero batizado de found footage, das imagens amadoras supostamente reais, adotado à exaustão a partir do sucesso de A Bruxa de Blair (1999). O pai do guri está com a câmera na mão, filmando o que parece ser uma festinha normal, até que, por conta de um alarido, começa a correr para acompanhar a movimentação da criançada.
A câmera treme enquanto o cinegrafista amador luta para encontrar o foco, do mesmo jeito que acontece com o espectador do filme. De repente, toma forma um E.T. que, em sua primeira aparição na trama, olha diretamente para nós. Eis um senhor susto. Ou melhor (já que estamos em terras gaúchas): um baita cagaço.