Aproveitei uns dias das férias para finalmente assistir a uma badalada minissérie de 2021: Missa da Meia-Noite (Midnight Mass), cujos sete episódios estão disponíveis na Netflix.
Badalada, mas não reconhecida — no Emmy 2022, só concorre na categoria de edição de som. É que Missa da Meia-Noite enquadra-se em um gênero que costuma ser menosprezado: o terror. No Oscar, são raríssimos os títulos já indicados ao troféu de melhor filme, como O Exorcista (1973) e Corra! (2017). Na principal premiação da TV e do streaming nos EUA, uma das honrosas exceções é American Horror Story (2011-), que já faturou 16 estatuetas.
O criador da minissérie, Mike Flanagan, também diretor e editor, é o mesmo de A Maldição da Residência Hill (2018), solenemente ignorada no Emmy. Por mais forte que venha sendo a concorrência na categoria das minisséries — as indicadas ao prêmio de 2022 são Dopesick, The Dropout, Inventando Anna, Pam & Tommy e The White Lotus —, é um pecado ter deixado de fora da disputa, por exemplo, Hamish Linklater, ator que interpreta o personagem principal.
Trata-se de Paul Hill, um padre que chega à Ilha Crockett, comunidade fictícia e minúscula (tem somente 127 habitantes), para substituir o monsenhor Pruitt, afastado temporariamente por causa de um problema de saúde. Sua chegada coincide com o retorno de Riley Flynn (encarnado por Zach Gilford), que viu sua carreira no mundo das startups ruir quando, ao dirigir embriagado, matou uma adolescente. Ele passou quatro anos na prisão e tenta recomeçar sua vida, contando com o apoio da mãe, Annie (Kristin Lehman), mas enfrentando a relutância do pai, o pescador Ed (Henry Thomas), reencontrando sua namorada dos tempos de escola, a professora Erin Greene (Kate Siegel, esposa do diretor), e revendo, todas as noites, o fantasma da garota atropelada.
Esse não é o único evento fantástico na ilhazinha, mas não convém avançar muito na trama. Que é a mais pessoal na carreira de Mike Flanagan, um estadunidense de 44 anos nascido em Salem (Massachusetts), cidade costeira celebrizada pela infame caça às bruxas de 1692. Após adaptar Stephen King (nos filmes Jogo Perigoso e Doutor Sono), Henry James (A Maldição da Mansão Bly), Shirley Jackson (A Maldição da Residência Hill) e Edgar Allan Poe (na vindoura A Queda da Casa Usher), ele finalmente pôde orquestrar Missa da Meia-Noite, que nasceu como o projeto de um romance, depois de um filme, até entrar em um limbo, tornando-se só o título de um livro falso que o diretor colocava no fundo de seus trabalhos, sua maneira de "manter a ideia viva".
Na Ilha Crockett, Flanagan costura sua educação no catolicismo, seu subsequente ateísmo e sua paixão pelo horror. Cada capítulo é intitulado com o nome de um dos livros da Bíblia: Gênesis, Salmos, Provérbios, Lamentações, Evangelhos, Atos dos Apóstolos e Apocalipse. Não faltarão elementos sobrenaturais (nem sustos de gelar a espinha!), mas eles serão usados com certa parcimônia e estarão a serviço de uma história sobre questões bem humanas — e que consegue transcender o âmbito religioso.
Missa da Meia-Noite é sobre como lidamos com nossos erros, nossos arrependimentos, nossos desejos, nossas crenças. Sobre culpa, perdão, sacrifício e cura. Sobre a perigosa perseguição empreendida por alguns de nós (ou muitos de nós) atrás do "verdadeiro milagre", o da segunda chance (tema mítico nos EUA, a propósito) — é tênue a linha que separa a esperança da loucura (assim como o limte entre a fé e o fanatismo). Sobre o sentido da vida e sobre "o que acontece quando morremos" — esse é o tema de um dos vários monólogos presentes na minissérie. Longos, densos e ilustrativos monólogos que podem ser considerados entediantes ou pedantes por uns, mas que são capazes de comover e hipnotizar outros, sobretudo quando proferidos por atores e atrizes tão comprometidos com seus papéis e acompanhados por imagens tão vigorosamente belas — ou terríveis. Eu jamais vou esquecer o grito de pavor que encerra um dos episódios, prolongando-se enquanto a tela escurece e surgem os créditos.