O Supercine deste fim de semana, na RBS TV, exibe um pequeno tesouro do cinema independente estadunidense. Em cartaz a partir da 0h20min de domingo (17), Pequena Miss Sunshine (Little Miss Sunshine, 2006) custou US$ 8 milhões e arrecadou US$ 101 milhões nas bilheterias. Concorreu ao Oscar de melhor filme e ganhou as estatuetas de roteiro original, escrito por Micharl Arndt, e ator coadjuvante, para Alan Arkin (ambos também foram laureados no Bafta, da Academia Britânica) — disputou ainda a categoria de atriz coadjuvante, com Abigail Breslin, então com 10 anos. Entre os mais de 70 prêmios conquistados, estão o de melhor elenco no SAG Awards, concedido pelo Sindicato dos Atores dos EUA, e o do público no Festival de San Sebastian, na Espanha.
Pequena Miss Sunshine é uma espécie de resposta a uma sociedade tão obcecada pelo sucesso como a dos Estados Unidos, onde existe uma terrível divisão de classes: se você não é um vencedor, é um perdedor. Pelo menos no cinema, os chamados losers podem brilhar na mesma intensidade. Quem sabe até passar para o outro lado.
Entra na receita cinematográfica o mítico tema da segunda chance, que evoca a própria história da nação, desde a colonização por ingleses que fugiam da perseguição religiosa até seu reerguimento após a quebra da Bolsa de Valores em 1929. Um cenário habitual é o infanto-juvenil, o da escola, onde talvez a segregação seja mais cruel.
O filme que marcou a estreia do casal de diretores Jonathan Dayton e Valerie Faris (realizadores de videoclipes das bandas Red Hot Chili Peppers e Smashing Pumpkins) trabalha com esses elementos e recorre a outro carro-chefe do cinema estadunidense: os filmes de estrada — que remetem a mais um componente na formação do país, o desbravamento do Oeste (e na trama ocorre justamente uma jornada rumo à Califórnia). Os personagens, por sua vez, são típicos da produção independente: a família desajustada, disfuncional, que simboliza a ruína do sonho americano — e aqui o sobrenome aponta para a época da Depressão: é Hoover, como o do presidente dos EUA nos anos 1930.
Dayton e Faris nos convidam a acompanhar um fim de semana na vida dos Hoover, moradores do Novo México que são concisa e precisamente apresentados nas cenas iniciais. O pai (Greg Kinnear) dá palestras sobre como ser bem-sucedido, mas está à beira da falência. A mãe (Toni Collette) leva para casa o irmão suicida (Steve Carell), estudioso de Proust e gay. O filho adolescente (Paul Dano) lê Nietszche, odeia todo mundo e faz voto de silêncio até virar piloto da Força Aérea. O avô (Alan Arkin) é viciado em heroína e pornografia.
As diferenças entre eles afloram quando a amável e gordinha Olive (Abigail Breslin) ganha uma vaga em um concurso infantil de miss, na Califórnia, para onde seguem todos a bordo de uma velha Kombi amarela.
— A cena em que ela se apresenta com a música Super Freak, chocando todos na plateia e depois fazendo com que toda a família suba ao palco, é simplesmente hilária e emocionante ao mesmo tempo — disse o artista visual, designer e fotógrafo Leandro Selister, que entre maio e junho apresentou no Cine Grand Café a exposição de desenhos digitais A Hora da Estrela, celebrando 24 filmes marcantes em sua vida. — Pequena Miss Sunshine dosa drama e comédia na medida certa, estimula a valorização da individualidade de cada um de nós e deixa aquela sensação de que podemos tudo.
Nos tempos da estreia, podíamos situar Pequena Miss Sunshine entre Os Excêntricos Tenenbaums (2001), de Wes Anderson, e Felicidade (1998), de Todd Solondz. Não é tão original e refinado como o primeiro, nem tão chocante e sórdido como o segundo.
Algumas paradas na viagem, e mesmo seu desfecho, são conhecidos de antemão pelo espectador já rodado no gênero. Mas, afora as ótimas interpretações (difícil julgar quem sobressai), afora impagáveis situações de total embaraço — vide a cena do jantar com frango frito e Sprite, no qual as coisas só pioram a cada fala —, este delicado filme põe-se bastante acima da média graças ao humor mais agridoce do que o normal. É como se não estivéssemos convidados a rir dos Hoover, mas rir com eles. Até porque suas supostas excentricidades ficam em xeque no tal concurso Miss Sunshine, um circo de horrores desse mundo (não só o dos EUA) tão focado na aparência e no sucesso — no caso, viramos espectadores de um universo onde meninas de sete anos não devem comer sorvete e são vestidas pelos pais como prostitutas mirins. Diante disso, ser um loser é um triunfo. Ainda que com laivos de melancolia.