Filmes e séries podem ser aliados poderosos para elaborar a tristeza e, quem sabe, transmutar sentimentos negativos.
Neste Dia de Finados (2), trouxe 15 dicas de obras que tratam de perda e de luto, de saudade e solidão. Mas o objetivo não é realçar como a morte de um ente querido é dolorosa — isso todo mundo sabe (ou um dia vai saber).
Tomei o cuidado de procurar títulos capazes de proporcionar alguma espécie de alento, títulos que nos relembram: o corpo é finito, mas o amor é uma herança duradoura, e as memórias são um baú de tesouros.
O Método Kominsky
Começamos justamente com uma série que trafega pelo gênero da comédia, ainda que com fartas doses de drama. Criada em 2018 por Chuck Lorre, o mesmo dos sucessos Two and a Half Men (2003-2015) e The Big Bang Theory (2007-2019), O Método Kominsky é estrelada por Michael Douglas, hoje com 77 anos, e Alan Arkin, 87. Douglas encarna o professor de atuação Sandy Kominsky, que, enquanto administra sua escola de atores, sua vida amorosa e a própria velhice, tenta ajudar seu agente de longa data e melhor amigo, Norman, a se recompor após a morte de sua companheira. Já teve três temporadas, ganhou dois Globos de Ouro em 2019 (melhor série de comédia e melhor ator, para Douglas) e também traz no elenco Nancy Travis. (Netflix)
After Life
O comediante inglês Ricky Gervais é o criador e o protagonista deste seriado ambientado em uma cidadezinha, na pele de um jornalista que fica viúvo. Inicialmente, Tony lida com o luto distribuindo comentários sarcásticos e ataques de raiva, demonstrando franqueza absoluta e aversão ao convívio com as pessoas (inclusive ele próprio). Mas a amargura e o cinismo dividem espaço com a delicadeza e o riso nas duas temporadas de After Life (2019-2020), cada uma com seis episódios. Há uma refrescante imprevisibilidade. Logo após o humor grotesco no consultório de um psiquiatra desbocado e tarado, podemos estar diante de um momento de inesperado afeto por parte do desmemoriado pai de Tony, ou de um dos vídeos com um toque de autoajuda que Lisa, a esposa morta, deixou gravado para o marido, ou de um diálogo edificante entre Tony e Anne (Penelope Wilton), ambos sentados defronte aos túmulos de seus respectivos cônjuges. (Netflix)
Everwood: Uma Segunda Chance
Treat Williams interpreta o médico Andy Brown neste seriado de quatro temporadas (2002-2006). Após ficar viúvo, o protagonista se muda para a pequena cidade de Everwood, no Colorado (EUA), em busca de um sentido para sua vida. É uma típica história de transformação: até a morte da esposa, Andy considerava sua carreira de neurocirurgião a coisa mais importante do mundo. Agora que seus filhos — o adolescente Ephram e a menina Delia — precisam dele mais do que nunca, suas prioridades mudam. (A série foi lançada em DVD no Brasil pela Warner)
As Mortes de Dick Johnson
Este documentário é, basicamente, uma despedida em vida. No estranho e extraordinário As Mortes de Dick Johnson (2020), a filha do personagem título, a cineasta Kirsten Johnson, resolveu homenagear o pai antes que a morte levasse seu corpo ou, no mínimo, sua memória ficasse gravemente comprometida. O viúvo Dick, aos 80 e tantos anos, começa a apresentar os sintomas do Alzheimer, mesma doença que acabou por, na prática, lhe separar eternamente de sua amada esposa. É hora de se aposentar do trabalho como psiquiatra, de parar de dirigir, de se mudar da casa grande em Seattle para o outro lado do Estados Unidos, para morar com a filha e os netos num pequeno apartamento de Nova York. A celebração se estende ao próprio ofício do cinema, capaz de eternizar as coisas e as pessoas, e capaz também de matar sem matar. Você entenderá ao assistir a este filme feito com muito amor e também humor. (Netflix)
Ghost: Do Outro Lado da Vida
Falando em amor e humor, chegamos a este filme que completou 30 anos em 2020. Ghost (1990) é um fenômeno de popularidade, atestada por sua prevalência na Sessão da Tarde, da RBS TV: 25 exibições até agora. Dirigido por Jerry Zucker (das comédias pastelonas como Apertem os Cintos... o Piloto Sumiu! e Corra que a Polícia Vem Aí!), gira em torno de Sam (Patrick Swayze), um banqueiro que leva uma vida bem-sucedida ao lado da artista plástica Molly (Demi Moore). Mas ele acaba assassinado em um assalto e se torna um fantasma. Para entrar em contato com a amada, recorre à médium charlatã Oda Mae Brown, em uma interpretação que valeu a Whoopi Goldberg o Oscar de atriz coadjuvante — o longa também ganhou o prêmio de roteiro original (Bruce Joel Rubin) e concorreu nas categorias de melhor filme, edição e música. A mensagem é cristalina: o amor dura para sempre. (Netflix, Telecine, Google Play e YouTube)
P.s. Eu te Amo
O drama romântico dirigido por Richard Lagravenese vai numa linha semelhante à de Ghost. Em P.s. eu te Amo (2008), disponível no Google Play e no YouTube, Hilar Swank interpreta uma mulher que, após morte do marido (Gerard Butler), encontra cartas que ele deixou para ajudá-la no processo de superação do luto. (Amazon Prime Video, Star+ e Telecine)
Depois da Vida
As Mortes de Dick Johnson também faz lembrar deste belíssimo filme lançado em 1998 pelo diretor japonês Hirokazu Kore-eda. Na trama, funcionários de uma repartição burocrática do além ouvem de cada morto chegado ao lugar o relato de sua lembrança mais querida para depois filmá-la. O objetivo é que o finado possa assisti-la em uma sala de cinema e guardá-la na memória para sempre. (Foi lançado em DVD no Brasil pela Versátil e bem que merecia ser resgatado pelas plataformas de streaming)
Beleza Oculta
O drama dirigido por David Frankel tem uma constelação, com dois atores e quatro atrizes que, juntos, concorreram 19 vezes ao Oscar e ganharam duas estatuetas: Will Smith, Edward Norton, Keira Knightley, Kate Winslet, Helen Mirren e Naomie Harris. Smith encarna um publicitário que não superou a morte da filha de seis anos. O profissional radiante deu lugar a um homem amargurado e desconectado do mundo, que escreve cartas endereçadas à Morte, ao Tempo e ao Amor e, quando aparece no trabalho, é para montar e desmanchar uma enorme estrutura com peças de dominós. Um plano mirabolante e antiético de seus sócios vai colocar o protagonista de Beleza Oculta (2016) em contato com três atores que interpretam a Morte, o Tempo e o Amor. Entrementes, ele começa a frequentar, de modo silencioso, refratário, um grupo de apoio a pais que perderam os filhos. (Globoplay, Netflix e Telecine)
O Quarto do Filho
E não há dor mais inefável do que a perda de um filho. A despeito de viver na passional Itália, o cineasta e ator Nanni Moretti não se deixa levar pelo sentimentalismo em O Quarto do Filho (2001), que recebeu a Palma de Ouro no Festival de Cannes. A trágica partida do caçula do casal protagonista (Moretti e Laura Morante), causada por um acidente em um mergulho, abre espaço para falar sobre culpa e recomeço. (Foi lançado em DVD no Brasil pela Warner e também deveria ser resgatado no streaming)
Três animações da Disney
Os personagens fofos dos filmes infantis não são imunes à perda e à dor. Um dos maiores clássicos da Disney tem a morte inesperada do pai como um evento capital. Acho que a essa altura do campeonato não é spoiler dizer que estamos falando de O Rei Leão (1994, na animação original, vencedora dos Oscar de melhor música e canção, e 2019, na versão que simula animais de verdade). Simba se responsabiliza pelo que aconteceu e acaba indo para longe da família. No exílio, encontrará dois amigos, Pumba e Timão, que vão ajudar no processo de amadurecimento. (Ambos estão disponíveis no Disney+)
Não tão famoso, Operação Big Hero (2014) é outro desenho animado da Disney que envolve a morte de um familiar. Tadashi, o irmão mais velho do protagonista, Hiro Hamada, um cientista mirim a quem deixa como legado o robô inflável Baymax. Influenciado pela cultura pop japonesa, a história se passa em San Fransokio, uma mescla de Tóquio com a americana San Francisco, e tem pegada de aventura sci-fi. (Disney+)
Três desenhos animados da Pixar
A Pixar, sempre delicada e dedicada às relações familiares, contribui com pelo menos três títulos nesta lista. Em Up — Altas Aventuras (2009), a sequência de abertura é uma peça antológica sobre companheirismo e finitude. A partir daí, o quase octogenário Carl precisa elaborar seu luto e aprender um novo jeito de viver, descobrindo que é, sim, possível voltar a amar — não substituir _ e a sonhar. Ganhou os Oscar de longa de animação e música original. (Disney+)
Também vencedor de dois Oscar — melhor filme animado e canção (Remember Me, rebatizada no Brasil como Lembre de Mim), Viva: A Vida É uma Festa (2017) é baseado na tradição mexicana do Dia dos Mortos. A obra faz um apelo e uma ode à memória: "Lembre de mim / Hoje eu tenho que partir / Lembre de mim / Se esforce pra sorrir / Não importa a distância / Nunca vou te esquecer / Cantando a nossa música / O amor só vai crescer", dizem os versos da canção oscarizada. (Disney+)
Dois Irmãos: Uma Jornada Fantástica (2020) se passa em um mundo mágico habitado por elfos, unicórnios, centauros, sereias e fadinhas. Os dois irmãos do título precisam fazer jus ao subtítulo nacional para conseguir um encontro mágico com seu pai, que morreu quando ambos eram pequenos. De novo, o estúdio demonstra seus poderes mágicos: o de estimular as conexões afetivas em meio à aventura trepidante e o de fazer refletir em seus personagens coloridos as sombras do nosso íntimo. (Disney+)