Better Call Saul, Ozark, Peaky Blinders... Perceberam que algumas das mais badaladas temporadas finais de 2022 são de séries estreladas por anti-heróis?
Mocinhos ainda existem, mas a turma que costuma fazer mais sucesso junto ao público, à crítica e às premiações como o Emmy é a dos personagens com moral distorcida, falhos e até covardes. Eles nos lembram do quão frágil é a humanidade. Ou, por outro lado, podem fortalecer nossas virtudes ao trilharem caminhos sombrios.
Na lista abaixo, indico 10 dos melhores seriados do subgênero, todos disponíveis em plataformas de streaming. Tem agentes que pegam pesado no combate ao terror, chefes sem-noção, políticos matreiros, ladrões de casaca, um serial killer “do bem” e super-heróis do mal. Os títulos vão da ação à comédia, passando pelo drama médico e pelo desenho animado. Clique nos links se quiser saber mais.
Família Soprano (1999-2007)
Se a trilogia cinematográfica O Poderoso Chefão glamorizou os mafiosos (a ponto de influenciar os da vida real), em The Sopranos eles são muito mais mundanos e humanos. A sequência de abertura já indica um rumo diferente: deixamos Nova York e pegamos a ponte para New Jersey. Lá, Tony Soprano (James Gandolfini, ganhador de três Emmys) usa uma empresa de coleta de lixo como fachada para seus negócios sujos, geralmente fechados na boate brega Bada Bing, e procura uma psiquiatra quando começa a sofrer com crises de consciência e ataques de pânico.
Naquela cidade dos EUA, o criador David Chase e um time de roteiristas e diretores ambientaram menos uma série do que uma coleção de pequenos filmes. Algumas das histórias fogem do gênero policial e se aproximam do drama existencial. Outras alternam de forma impressionante sequências de sonho com explosões de violência.(6 temporadas, 86 episódios, HBO Max)
24 Horas (2001- 2010)
Jack Bauer foi gestado por Joel Surnow e Robert Cochran meses antes do 11 de Setembro, mas o personagem interpretado por Kiefer Sutherland acabou personificando o sentimento dos EUA após os atentados ao World Trade Center, em Nova York, e ao Pentágono, em Washington. O primeiro capítulo, gravado em março de 2001, foi quase clarividente: um avião comercial é explodido por uma bomba. O seriado oferecia aos estadunidenses a chance de evitar a tragédia. O formato da ação em tempo real, com cada episódio correspondendo a uma hora de um dia de cão, traduzia a urgência na busca por Osama Bin Laden e outras cabeças da Al- Qaeda.
A cada temporada, Bauer precisava descobrir e interceptar uma grande ameaça: bomba nuclear, vírus letal, atentado ao presidente, gás venenoso... 24 Horas bebeu da cultura do medo que marcou os governos de George W. Bush (de janeiro de 2001 a janeiro de 2009), mostrando muçulmanos, russos, chineses, africanos e até mexicanos como inimigos. Graças aos métodos empregados pelo protagonista — que incluía a tortura de seu próprio irmão , foi acusada de validar a guerra ao terror. Por outro lado, Bauer sentia o peso moral do mantra " os fins justificam os meios", tornando- se, paulatinamente, um personagem trágico. Estava sempre em situações-limite: decidir entre a vida de um e a vida de milhares, entre a vida de um colega e a vida de um terrorista, entre sua própria vida e a de outros. (8 temporadas, 192 episódios, Star+)
House (2004- 2012)
O doutor Gregory House é dependente de analgésicos, socialmente intratável e tem um gosto especial para humilhar seus pacientes e seus comandados — faz piadas preconceituosas com o médico negro Eric Foreman (Omar Eppis), acusa Cameron (Jennifer Morrison) de usar sua beleza e diz que Chase (Jesse Spencer) só está na equipe por ter pai rico. Mas House também é o tipo do médico que você gostaria de encontrar em um pronto-socorro se precisasse de um milagre.
Criado por David Shore, o personagem valeu a Hugh Laurie seis indicações ao Emmy, seis ao prêmio do Sindicato dos Atores (duas vitórias) e seis ao Globo de Ouro (outras duas). Segundo Shore, House carrega algo de Sherlock Holmes na rapidez de raciocínio e na compulsão para resolver enigmas — em geral, os episódios tratam da investigação da equipe médica sobre uma doença misteriosa. Como o detetive da Scotland Yard, o médico tem um melhor amigo — ou talvez alguém que o aguente —, o oncologista encarnado por Robert Sean Leonard, Wilson (cujo nome lembra um pouco Watson, não?). E o protagonista é dado a imitar solos de bateria da banda The Who (em inglês, quem). (8 temporadas, 177 episódios, Amazon Prime Video, Globoplay e HBO Max)
The Office (2005- 2013)
Desenvolvida por Greg Daniels com base no homônimo seriado britânico de Ricky Gervais e Stephen Merchant, a versão estadunidense de The Office deixou como legado um dos maiores personagens das comédias: Michael Scott, o chefe sem noção encarnado por Steve Carell (seis vezes indicado ao Emmy). No escritório da fábrica de papel Dunder Mifflin, Michael sintetiza vários problemas do mundo corporativo, mas, ao fazer isso, acaba por lembrar como somos imperfeitos. Não raro, nossa reação a suas atitudes passa da vergonha alheia à mais sincera ternura.
Tanto melhor que ele está rodeado de outros tipos memoráveis, como o excêntrico Dwight (Rainn Wilson), o isentão Jim (John Krasinski), a insegura Pam (Jenna Fischer), a rígida Angela (Angela Kinsey), Stanley (Leslie David Baker), o rei da má vontade, e Toby (Paul Lieberstein), que, à frente do RH, é o alvo preferido do protagonista. (9 temporadas, 201 episódios, Amazon Prime Video, HBO Max e Star+)
Dexter (2006- 2013)
Dexter Morgan (Michael C. Hall, cinco indicações ao Emmy) é um legista da polícia de Miami que tem vida dupla. De dia, atua na investigação de crimes, analisando de borrifos de sangue a cadáveres desfigurados. À noite, faz justiça com as próprias mãos, encarnando um serial killer que mata criminosos impunes, tanto por falta de provas quanto por fugirem das autoridades.
Criado por James Manos Jr. a partir dos romances escritos por Jeff Lindsay, o seriado tem coadjuvantes marcantes, como o assassino Trinity (John Lithgow), o promotor Miguel Prado (Jimmy Smits) e o falecido pai de Dexter, Harry (James Remar), que aparece em flashbacks ou operando como a consciência do filho, a quem distribui pílulas de sabedoria: "Nunca subestime a capacidade das pessoas de o decepcionarem". Falando nisso, para compensar o decepcionante final da série original, em 2021 o Paramount+ lançou Dexter: New Blood, com 10 episódios. (8 temporadas, 96 episódios, Globoplay, HBO Max e Paramount+)
Breaking Bad (2008- 2013)
O título da série criada por Vince Gilligan — gíria equivalente a "chutar o balde" — faz referência à transformação de Walter White (interpretado por Bryan Cranston), um afável, brilhante, mas fracassado professor de química do Novo México ( EUA), no gênio do crime Heisenberg. Já frustrado em dar aulas para adolescentes enquanto lida com um filho sofrendo de paralisia cerebral, uma esposa grávida, dívidas intermináveis e um diagnóstico de câncer no pulmão, White resolve produzir metanfetamina de alta pureza com um ex- aluno, Jesse Pinkman (Aaron Paul).
Cada episódio começa com um uma cena do passado, do futuro ou mesmo do presente, e a história que segue se conecta a essa cena de formas, às vezes, bastante inesperadas. Se você sofrer de abstinência após terminar a série vencedora de 16 Emmys, o melhor é chamar Better Call Saul (Netflix), derivada de Breaking Bad. (5 temporadas, 62 episódios, Netflix)
House of Cards (2013- 2018)
Na série criada por Beau Willimon a partir de livro de Michael Dobbs, Kevin Spacey interpreta Frank Underwood, ambicioso político que, para chegar à Casa Branca, é capaz de mentir, manipular, corromper e até matar. No entanto, House of Cards transforma o espectador em cúmplice de Underwood, que fala diretamente para a câmera em alguns momentos.
Sua esposa, Claire (Robin Wright), também não é flor que se cheire. Na verdade, ninguém é mocinho nessa história, desde o congressista alcóolatra Peter Russo (Corey Stoll) à repórter ambiciosa Zoe Barnes (Kate Mara), passando pelo chefe de gabinete Doug Stamper (Michael Kelly). (6 temporadas, 73 episódios, Netflix)
Bojack Horseman (2014- 2020)
Raphael Bob-Waksberg é o criador deste desenho animado definido como sadcom, uma comédia triste. O protagonista é um cavalo antropomorfo de meia-idade (voz de Will Arnett no original) que fez sucesso na TV estadunidense nos anos 1990, mas hoje vive numa espiral de ressentimento, festas, drogas, depressão e autopiedade em sua mansão, em Los Angeles.
BoJack Horseman foi eleita "a melhor animação do século 21" pela BBC e "a mais importante série de animação desde Os Simpsons" pela Time. (6 temporadas, 77 episódios, Netflix)
The Boys (2019-)
Baseada na HQ homônima de Garth Ennis e Darick Robertson, a série de Eric Kripke lança olhar ácido sobre os super-heróis.
De um lado, estão Os Sete: o Capitão Pátria (Antony Starr)tem poderes como o do Superman; Rainha Maeve é uma versão desencantada da Mulher Maravilha; Trem Bala é veloz como o Flash; The Deep, tipo Aquaman, domina as águas; e Black Noir é um Batman mais violento e completamente calado. Pelos olhos interioranos e inocentes da mais nova integrante, Starlight (Erin Moriarty), vemos como essa Liga da Justiça não é nada edificante — de cara ela sofre abuso sexual. Do outro lado, o grupo formado por Bruto (Karl Urban), Hughie, Leitinho, Francês e Kimiko tenta provar que os superseres são um bando de viciados a serviço de uma empresária gananciosa (Elisabeth Shue), que busca um contrato bilionário com o exército dos EUA. (2 temporadas até agora, 16 episódios, Amazon Prime Video)
Lupin (2021-)
"Arsène Lupin tem muitos talentos. Ele é um mestre do disfarce. Pode mudar de identidade em um instante", informa o primeiro capítulo da série de George Kay e François Uzan que atualiza um célebre ladrão casaca criado pelo escritor francês Maurice Leblanc em 1905. Inspirado nesse personagem, Assane Diop (encarnado pelo carismático ator Omar Sy) planeja um grandioso roubo no museu do Louvre, em Paris.
A empreitada criminosa, no entanto, é só o ponto de partida da história, que logo se desdobra em uma jornada em busca de vingança, à medida que flashbacks revelam as verdadeiras motivações de Assane. Apesar desse passado trágico do protagonista, Lupin é uma série que mistura mais ação e comédia do que drama. Fez tanto sucesso que uma terceira aventura vem aí. (2 temporadas até agora, 10 episódios, Netflix)