É como assistir a um show de mágica: o ilusionista pode ser acorrentado, trancado em um baú, que depois é atravessado por espadas, incendiado e afundado em um tonel de água. Não tem como ele escapar, certo? Mas eis que o mágico surge intacto, levantando-se de um assento na plateia. Como ele conseguiu? Esta deliciosa sensação de ser tapeado acompanha o espectador ao assistir Lupin, cuja segunda parte estreia nesta sexta-feira (11) na Netflix.
A série francesa chegou ao streaming em 8 de janeiro e, em pouco tempo, tornou-se um dos maiores sucessos da plataforma: segundo dados divulgados pela empresa em abril, Lupin foi o título mais assistido no serviço, entre filmes e séries, no primeiro trimestre de 2021.
A Netflix aponta que 76 milhões de contas do mundo todo assistiram, pelo menos, dois minutos da série nos primeiros três meses deste ano. Assim, Lupin se tornou um dos títulos mais vistos na história da plataforma, apenas atrás de Bridgerton (82 milhões) e empatada com The Witcher (76 milhões) — é seguramente a série de língua não inglesa mais assistida no serviço. Vale ressaltar que esse levantamento dos dois minutos começou a ser realizado a partir de 2019.
Lupin é um tributo ao anti-herói da literatura francesa criado por Maurice Leblanc (1864-1941), em 1905. Entre contos e romances, as histórias de Arsène Lupin foram compiladas em 24 livros publicados entre 1907 e 1941. O personagem é basicamente um Sherlock Holmes do mundo invertido: em vez de resolver os crimes com soluções mirabolantes, Lupin os comete com galhardia. É uma espécie de ladrão do bem, que seduz facilmente o público.
Aliás, Lupin impulsionou a procura pela obra de Leblanc: segundo um levantamento feito pela Decode (empresa de coleta de dados), a busca no Google pelo título do livro O Ladrão de Casaca (1907), mencionado na série, disparou em 4.336%. Assim como a expressão “livro Arsène Lupin”, que subiu 3.800%. A análise abrange o período entre 19 de dezembro de 2020 e 19 de janeiro de 2021.
A série é centrada em Assane Diop (Omar Sy), um leitor ávido de Arsène Lupin desde a infância. Diante dos impasses que sofre em sua vida, como a perda do pai na adolescência, ele se inspira no personagem de Leblanc para seguir o caminho dos furtos.
Assim como o icônico ladrão, Diop está sempre um passo à frente de todos ao redor: é hacker, é treinado em artes marciais, manja de maquiagem e disfarces (quem sabe, skincare), sempre perspicaz e bom de papo. Enfim, o tipo que lhe faria entrar em uma pirâmide financeira sem você perceber. Tal qual Lupin, ele sempre dá um jeito de escapar de situações adversas com muita sagacidade. Grande parte do sucesso da série deve-se ao talento de Omar Sy (projetado ao mundo com Intocáveis, de 2011), que empresta carisma e charme ao personagem.
Na primeira parte da série, que tem cinco episódios, Diop tem como principal motivação investigar uma possível injustiça cometida com seu pai, que foi preso após a acusação de ter roubado um colar do milionário asqueroso Hubert Pellegrini (excelente interpretação de Hervé Pierre). Além de sua jornada de vingança, ele precisa lidar com seu filho, Raoul (Etan Simon), fruto da relação com sua ex-esposa, Claire (Ludivine Sagnier).
A primeira parte termina com várias pontas soltas, com Raoul sendo raptado por Pellegrini. Trazendo uma nova leva de cinco episódios, o segundo ato de Lupin começa com Diop tentando resgatar seu filho, enquanto é o homem mais procurado da França.
Em sua segunda parte, Lupin traz um ritmo ainda mais frenético, mas dosando com os conflitos internos de Diop: ser um bom pai ou realizar sua vingança. Mesmo assim, os novos episódios seguem promovendo ao espectador aquele sentimento de ludíbrio a cada escapada e reviravolta de Diop. Porém, é uma sensação que vem no pacote de entretenimento da série. É o que se espera de um show de mágica.
50 tons de Lupin
Lupin é uma série essencialmente de suspense e ação, mas que navega também pelo drama e pelo romance. Até a crítica social se faz presente, mesmo que nas entrelinhas. Em coletiva de imprensa realizada via Zoom no dia 3 de junho, o showrunner George Kay comentou que a série transita por diferentes tons.
— Tentamos isso na série o tanto quanto possível, mas o objetivo principal é fazer com que Lupin seja o mais divertido possível. Na parte 2, a história de Assane fica mais intensa. No final do primeiro ato, mergulhamos na intensidade de um pai com uma missão. Manter esse tom é desafiador — explica Kay.
Sutilmente, Lupin também reflete a sociedade atual, abordando problemas como racismo, imigração e corrupção. Kay ressalta que a mensagem social não é o objetivo primário da série, mas que é importante trazer esses temas aos espectadores.
— Está a serviço da história, da graça do show. Não queríamos apresentar uma série política de 10 horas. A mensagem flui ao redor, mas essencialmente é uma história de entretenimento — pontua.
Omar Sy complementa:
— A mensagem social é uma ferramenta para contarmos a história.
Sy ainda destacou que parte interessante de fazer uma série como Lupin é que há mais tempo para trabalhar com os personagens em diferentes situações, trazendo assim diferentes nuances para a história.
— George (Kay) me chamou a atenção por trabalharmos com diferentes tons. É como uma montanha-russa. Como artista, acho ótimo. E vamos entrar em uma fase movimentada agora. Sinto-me feliz por integrar esse projeto ambicioso — afirma o ator.
Na coletiva, a atriz Ludivine Sagnier chamou atenção para um dos fatores que podem contribuir para o sucesso de Lupin: uma Paris mais realista.
— É uma Paris que a gente não costuma ver. Vários pontos da cidade real e contemporânea, não de um cartão-postal. Creio que seja um atrativo para a audiência estrangeira — crê a atriz.
Por fim, Sy também comentou sobre o carisma de Diop. É um personagem que comete crimes e desaponta sua família continuamente na série. Como garantir que ele continue adorável?
— Suas intenções são sempre boas. Nós o amamos pelo que ele quer conquistar. Ninguém quer um herói perfeito. Acho que quando ele faz as coisas erradas, é por razões que você entende — finaliza Sy.