O diretor e roteirista M. Night Shyamalan despontou em Hollywood após entregar um dos maiores clássicos do suspense de todos os tempos: O Sexto Sentido (1999). Além da tensão construída durante todo o filme, o seu plot twist ao final, revelando que o personagem de Bruce Willis estava morto desde o início da trama, foi o grande diferencial que faz a obra ser lembrada até hoje.
Com a aclamação despertada por essa reviravolta, o cineasta indiano naturalizado estadunidense passou a adotar esse recurso com muita frequência em suas produções, tornando-se sua "marca registrada". Assim, desde O Sexto Sentido até agora, apenas dois longas comandados por Shyamalan não tiveram plot twists: O Último Mestre do Ar (2010) e Depois da Terra (2013), ambos "filmes por encomenda", adaptando histórias.
Fazendo um aquecimento para a estreia de Tempo, que chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (29), GZH relembra quais os plot twists idealizados por Shyamalan que funcionaram e quais ficaram abaixo do esperado.
E vale lembrar que todos os textos abaixo contêm vários spoilers!
Os que deram certo:
O Sexto Sentido (1999)
É claro que o primeiro da lista tinha de ser o clássico supremo de M. Night Shyamalan. Terceiro filme do cineasta, mas o primeiro a ganhar aclamação mundial (a imprensa especializada chegou a lhe dar títulos como "o novo Spielberg" e "o novo Hitchcock") e a ter um plot twist, O Sexto Sentido tem uma das mais memoráveis reviravoltas do cinema.
Na trama, o psicólogo infantil Malcolm Crowe (Bruce Willis) se propõe a ajudar Cole Sear (Haley Joel Osment), um menino de oito anos perturbado e com problemas em se relacionar na escola. Logo, ele descobre que o trauma do guri se deve ao fato de ele ver “gente morta” o tempo todo.
Tenso do começo ao fim, o longa entrega momentos de terror, mas também situações cheias de profundidade dos personagens. Tanto é que, ao final, quando descobrimos que o personagem de Willis está morto, um misto de emoções toma conta, indo da perplexidade à tristeza. Obra-prima de Shyamalan, foi realizada quando o cineasta tinha apenas 29 anos.
Corpo Fechado (2000)
Projeto seguinte a O Sexto Sentido, Corpo Fechado dividiu a opinião do público, que esperava novamente uma overdose de suspense. Porém, o cineasta foi por outro caminho e, com uma visão à frente do tempo, mergulhou no universo dos super-heróis e das histórias em quadrinhos, utilizando esses elementos como pano de fundo para uma trama madura, em um excelente trabalho com seus personagens.
Na história, depois de ser o único sobrevivente de um descarrilamento de trem, David Dunn (Bruce Willis) é abordado por Elijah Price (Samuel L. Jackson), que o convence que ele é um super-herói "inquebrável". Porém, após acompanharmos Dunn se descobrindo como um super-humano, vem a reviravolta: Price tem uma doença que torna seus ossos muito frágeis, de "vidro", e estava convencido de que seu arqui-inimigo tinha de existir, bem como nas histórias em quadrinhos. Ele, então, revela ser o responsável pelo descarrilamento do trem e muitos outros acidentes mortais na tentativa de encontrar Dunn e, assim, achar o propósito da sua existência, no melhor estilo supervilão.
Sinais (2002)
Ainda sendo responsável por hits no começo dos anos 2000 e pela curiosidade dos fãs do cinema, M. Night Shyamalan decidiu investir em invasão extraterrestre com Sinais. E o filme é inegavelmente bom, com um elenco excelente. As ameaças alienígenas, ao contrário da grandiloquência de Independence Day (1996), por exemplo, operam em menor escala.
Sinais conta a história de um pastor (Mel Gibson) que perde a fé após a trágica morte de sua esposa. Com o passar do tempo, vamos sendo consumidos pela ansiedade e tensão daquela invasão e vários elementos vão sendo espalhados pelo diretor que, no final, os retoma para mostrar o grande plot twist: todas as tragédias, incidentes e dificuldades enfrentados pelo personagem de Gibson faziam parte de um plano celestial para que ele e sua família sobrevivessem e descobrissem a fraqueza dos alienígenas — a água. Pois é. Os extraterrestres escolheram logo a Terra e sua superfície com mais de 70% de água para invadir, mas ok. Foi um final bem emocionante e que conseguiu surpreender. Além disso, a cidade de Passo Fundo ainda está no filme. Não tem como ficar fora das melhores reviravoltas.
A Visita (2015)
Depois de cerca de uma década lançando filmes bem abaixo de sua capacidade, Shyamalan retornou ao caminho que o consagrou em um projeto menor, financiado de seu próprio bolso, mas com a cara do "rei dos plot twists". Em A Visita, o cineasta consegue construir uma reviravolta muito interessante no terceiro ato da produção, toda gravada no formato found footage (ou seja, "filmagem encontrada", como em A Bruxa de Blair).
Na trama, duas crianças viajam para ficar com os avós, que nunca conheceram. Na casa, a dupla presencia diversos momentos bizarros, até que um dia, conversando por vídeo com sua mãe, os pequenos apontam a câmera para o casal de idosos com quem estão passando as férias. É quando a mãe, aterrorizada, diz que eles não são seus avós. Ao final, depois de muita angústia, descobrimos que os dois velhinhos fugiram do hospital psiquiátrico local e assumiram o lugar dos avós das crianças. Assustador.
Fragmentado (2017)
Depois de "pegar confiança" com A Visita, Shyamalan dá um passo certeiro em sua carreira. A trama de Fragmentado acompanha Kevin (James McAvoy) e suas 23 personalidades. Depois de ele sequestrar um grupo de garotas para oferecer à Besta, sua personalidade que é quase sobre-humana, a trama começa a se desenrolar, aprofundando-se na mente do protagonista e nos dramas que circulam aquela história. Após um filme cheio de suspense e uma atuação impecável de McAvoy, descobrimos que o grande plot twist, na verdade, é o universo no qual o longa se passa: no mesmo de Corpo Fechado, com direito a uma participação de Bruce Willis e a criação do "Shyamalanverse".
Os controversos:
A Vila (2005)
Foi a partir de A Vila que a carreira de M. Night Shyamalan começou a inclinar para baixo. O filme está longe de ser ruim, mas decepcionou muitos dos entusiastas do cineasta. Na trama, uma vila isolada no século 19 lida com monstros assustadores que vivem na floresta e a regra é: se os habitantes se manterem afastados do mato, vivendo as suas vidas sem querer sair do local, nada de ruim vai acontecer.
No entanto, quando um dos moradores é ferido mortalmente, uma aldeã decide se embrenhar entre as árvores, chegar na cidade e conseguir remédio para o seu amigo e interesse romântico. O detalhe é que ela é a única habitante cega do lugar e, mesmo assim, os moradores deixam ela ir enfrentar os monstros sozinha. Porém, lá vem o plot twist: as criaturas da floresta, na verdade, são fantasias usadas pelos anciões da aldeia para enganar os residentes. Eles moram em um grande parque isolado do mundo moderno para manter as tradições de antigamente e superar traumas do passado, longe do século 21. A reviravolta não deixa de ser interessante, mas perde força pelas várias decisões equivocadas tomadas por Shyamalan para chegar nesta conclusão.
Os que não funcionaram:
A Dama na Água (2006)
O zelador de um condomínio de classe média baixa encontra, em uma noite qualquer, uma misteriosa jovem na piscina do prédio. Começa, assim, "o conto de fadas para crianças de Shyamalan", mas que, na verdade, é um passo firme em direção ao declínio do cineasta, que só se recuperou quase uma década depois.
Recheado de personagens excêntricos, o longa também apresenta criaturas fantásticas e mitológicas, como a ninfa da água encontrada na piscina, cuja vida está em perigo. Ela precisa retornar ao seu "mundo azul" e para tal, os moradores do condomínio tem de participar da história que ajudará a enviar a ninfa de volta para sua casa. A reviravolta é que, no final das contas, os habitantes do local estavam com seus papéis invertidos, necessitando de uma nova escalação. Isso liberta o potencial de cada um deles. Poderia ser edificante, se não fosse chato e pretensioso. Para se ter uma ideia, o próprio Shyamalan tem um papel de destaque no filme, escrevendo uma história que salvará o mundo.
Fim dos Tempos (2008)
Uma onda de suicídios em massa toma conta dos Estados Unidos e não existe uma explicação possível. O conceito do filme é interessante, e Shyamalan ainda demonstra a sua criatividade autoral, mas a execução não funcionou. E dois motivos foram cruciais: os protagonistas da produção e como o longa-metragem se encerrou.
Mark Wahlberg como um professor de ciências, que chega a conversar com uma samambaia de plástico, foi um dos pontos mais vergonhosos da projeção. E o plot twist? Bem, os suicídios em massa ocorreram por uma vingança da natureza contra o homem, que a destrói diariamente. Assim, as plantas orquestraram a chacina humana. Sem saber muito bem como resolver o problema, o cineasta simplesmente escreveu no roteiro que, do nada, as árvores já tinham se vingado o suficiente e pararam de mandar o seu recado, bem na hora que o personagem de Wahlberg decide se entregar para a morte. É, difícil.
Vidro (2019)
A continuação direta de Fragmentado e Corpo Fechado mostra David Dunn (Bruce Willis) agindo como um vigilante e derrotando bandidos. Mas a sua missão acaba o levando ao personagem de James McAvoy e ambos vão parar em um manicômio, mesmo local onde está confinado Elijah Price (Samuel L. Jackson). O trio, então, acaba sendo tratado pela doutora Ellie Staple (Sarah Paulson), que pretende fazer com que eles deixem de acreditar que são super-humanos.
Vidro tem duas reviravoltas, mas nenhuma consegue ser impactante. Ou interessante. Ou muito verossímil. O primeiro plot twist mostra que Elijah, o Sr. Vidro, não criou apenas David, mas também deu origem às diversas personalidades de Kevin. O motivo? No mesmo acidente de trem que revelou os poderes do personagem de Willis também estava o pai do menino, que acaba sendo criado apenas por sua mãe abusiva e isso gera os seus problemas psicológicos. Mas Shyamalan foi além: a doutora Ellie é, na verdade, uma das líderes de uma organização dedicada a eliminar todos os super-humanos do planeta. Porém, este elemento não é abordado em momento algum no longa, ao contrário das outras produções do cineasta, que vai deixando uma trilha de pistas. Parece que o plot twist foi inserido de última hora. E não convenceu. Isso sem falar que o personagem de Willis morre afogado em uma pocinha d'água... Para completar, o diretor veio gravar cenas em Porto Alegre e não as utilizou no longa. Imperdoável.