Dona Hermínia, a personagem que eternizou o ator e humorista Paulo Gustavo — morto na noite desta terça-feira (4), aos 42 anos, após quase dois meses de internação hospitalar por causa de covid-19 — era como uma mãe para todos nós. Palavras e números corroboram a hipérbole.
"Muito triste. Sinto como se fosse alguém da família", comentou uma amiga quando postei em uma rede social sobre a irreversibilidade do quadro de saúde do artista nascido em Niterói (RJ) em 30 de outubro de 1978.
"Arrasada. Parece que perdemos alguém tão próximo", escreveu outra.
Pessoas assim encorparam o exército de filhos arregimentado pela trilogia cinematográfica Minha Mãe É uma Peça (2013-2019). É a franquia de maior sucesso na história do cinema brasileiro, com aproximadamente 26 milhões de espectadores. Dirigido por Susana Garcia, Minha Mãe É uma Peça 3 tornou-se o segundo título mais assistido no ranking nacional, com público de 11,6 milhões. Só fica atrás dos 12,1 milhões de Nada a Perder (2018), a parte inicial da cinebiografia do pastor Edir Macedo, sobre a qual pairam fortes suspeitas de manipulação do mercado — houve relatos de salas vazias embora todos os ingressos estivessem vendidos.
Uma reportagem sobre o êxito nas bilheterias do derradeiro segmento da trilogia, publicada em GZH em janeiro de 2020, dava conta da universalidade alcançada por Dona Hermínia, personagem que Paulo Gustavo criou para um monólogo teatral em 2006, inspirado na sua vivência e nas suas experiências com a mãe, Déa Lúcia Amaral. (A propósito, nos palcos os números também são grandiosos: somando todas as versões do espetáculo, foram 2 milhões de espectadores.)
— Mãe é tudo igual, só muda o endereço: o jeito que ela reclama é igualzinho ao da minha mãe — disse uma estudante.
— Eu me identifiquei muito com a história. Moro em Dom Pedrito e minha filha veio para Porto Alegre fazer a vida dela. Quando os filhos saem de casa, a gente perde uma parte da gente — afirmou uma professora.
Na pele, nas sapatilhas e com os bobs de Dona Hermínia, Paulo Gustavo tinha a habilidade de transformar o drama em piada, o particular em comezinho. Personificou as mães que não largam do pé dos filhos — no caso, Juliano (interpretado por Rodrigo Pandolfo) e Marcelina (Mariana Xavier) — apesar de já estarem bem crescidos, as mães que brigam por causa da tampa não devolvida de um pote de plástico, as mães que se metem na decoração da casa da prole e até na criação dos netos.
Mas também as mães que não medem esforços para defender os rebentos, as mães que derramam seu amor sobre nós, as mães que, ora, só pedem um pouquinho de retribuição por tudo o que já fizeram pela gente.
E Paulo Gustavo, recém quarentão, recém curtindo a experiência de estar do outro lado do balcão — seus filhos (gerados via inseminação artificial em duas barrigas de aluguel nos Estados Unidos) com o médico Thales Bretas (com quem era casado desde 2015), Gael e Romeu, têm apenas um ano e nove meses —, ainda poderia fazer muito pela gente.
Na mesma matéria de GZH sobre Minha Mãe É uma Peça 3, Paulo Sérgio Almeida, diretor do site Filme B, especializado em análise do mercado cinematográfico, comparou o artista a um antigo campeão de bilheteria:
— Ele tem a fórmula do sucesso, que no caso é competência, talento e muito trabalho. Participa de tudo, do roteiro à direção, dos diálogos, da divulgação e até mesmo da distribuição. Sua empatia com o público é total. Podemos afirmar sem dúvida que Paulo Gustavo é a nova grande estrela do cinema brasileiro, como Renato Aragão já foi com seu público (12 dos 30 filmes nacionais mais vistos são estrelados por Didi Mocó e os outros Trapalhões).
Paulo Gustavo era "um meteoro de alegria que esteve entre nós", como definiu uma amiga, aludindo também ao espírito elétrico do ator (não à toa, ele comandou durante cinco temporadas um seriado chamado de 220 Volts). São raríssimas as fotos na internet em que não aparece sorrindo. Agora, em uma triste ironia, alguém que fez tantos rirem faz tantos chorarem. Na semana do Dia das Mães, ficamos todos órfãos da Dona Hermínia.