Matrix Resurrections poderia se chamar Matrix Repetitions. Dirigido por Lana Wachowski, o filme que estreia nesta quarta-feira (22) nos cinemas parece só existir para, como dizem os personagens encarnados por Keanu Reeves (Neo) e Carrie-Anne Moss (Trinity), ganhar algo que não esperava ter: uma nova chance.
Afinal, depois de Matrix (1999) revolucionar os gêneros ação e ficção científica — merecidamente, conquistou os Oscar de melhor edição, som, efeitos visuais e efeitos sonoros —, a distopia imaginada pelas irmãs Wachowski terminou sob o signo da decepção. Matrix Revolutions (2003) teve uma bilheteria — US$ 427,3 milhões — muito inferior à de Matrix Reloaded, que faturou US$ 739,4 milhões meses antes, e foi espinafrado pela crítica (35% de aprovação no Rotten Tomatoes).
Quase 20 anos depois, Lana entendeu que havia chegado o momento de a franquia ser ressuscitada — e o título do quarto Matrix tem um sentido particular. A cineasta encarou a produção como uma forma de superar o luto de três mortes em um curto período de tempo: a do pai, a de um grande amigo e a da mãe.
"De repente, meu cérebro explodiu com tudo isso", disse Lana, hoje com 56 anos. "Não podia ter meus pais... Mas eu tinha Neo e Trinity, indiscutivelmente os dois personagens mais importantes da minha vida. Foi confortante ter eles dois vivos de novo. É isso o que a arte e as histórias proporcionam".
Contraditoriamente, o senso de familiaridade foi o que afastou do projeto sua irmã, Lilly, que completa 54 anos em 29 de dezembro: "A ideia de voltar e ser parte de algo que eu tinha feito antes da transição de gênero (pela qual Lana também passou) era expressamente desagradável. Não quis trilhar caminhos antigos que eu havia percorrido".
Pois Matrix Resurrections trilha mesmo caminhos antigos. Na companhia dos roteiristas David Mitchell, autor do romance Atlas de Nuvens, base do filme A Viagem (2012), dirigido pelas Wachowski, e Aleksandar Hemon, escritor do episódio final da série Sense8 (2015-2018), também realizado pelas irmãs estadunidenses, Lana apostou na metalinguagem. Na abertura, por exemplo, uma nova personagem, Bugs (interpretada por Jessica Henwick, a Nymeria Sand de Game of Thrones e a Colleen Wing das séries da Marvel na Netflix), participa de uma reencenação da célebre sequência inicial do primeiro Matrix. A todo tempo, a cineasta remete textualmente ou recupera imagens dos três filmes anteriores da saga sobre o hacker que, após descobrir que a realidade é controlada por computadores, passa a ser ameaçado por agentes cibernéticos com poderes paranormais e armas de munição aparentemente infinita. É como se ela quisesse não apenas reviver bons momentos, mas também reforçar o caráter mitológico de sua obra.
Chega a ser irônico: sim, fazendo jus ao título, Matrix abriu portas para títulos como Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças (2004) e A Origem (2010) e teve conceitos e cenas referenciados, copiados, parodiados quase à exaustão. Desde as pílulas vermelha e azul (que representam a escolha de abraçar a verdade dolorosa ou a ignorância abençoada) até o emprego da câmera lenta que praticamente congela o tempo — o efeito bullet time — nas sequências de ação, sejam os tiroteios estrondosos ou as brigas coreografadas pelo mestre das artes marciais Yuen Woo-Ping (diretor dos primeiros sucessos de Jackie Chan).
Mas o próprio Matrix é uma coleção de citações. A ponto de o roteirista de quadrinhos escocês Grant Morrison ter acusado as Wachowski de copiarem a sua série Os Invisíveis (1994-2000), sobre um grupo anarquista que deseja libertar a humanidade do domínio de seres transdimensionais. Falando em gibi, Morpheus, interpretado por Laurence Fishburne no original e agora por Yahya Abdul-Mateen II (premiado com o Emmy de ator coadjuvante pela minissérie Watchmen e protagonista do terror A Lenda de Candyman), é inspirado em Sandman, de Neil Gaiman, cujo protagonista também se chama Morpheus, como o deus dos sonhos na mitologia grega. E há ecos de Ronin (1983-1984), de Frank Miller, na trama.
O visual e o mote de Matrix assemelham-se aos de Cidade das Sombras (1998), mistura de ficção científica e policial noir de Alex Proyas sobre um homem aprisionado no que parece um mundo ilusório de noite perpétua. Uma inspiração declarada é o anime cyberpunk Ghost in the Shell (1995), sobre uma agente ciborgue que persegue um misterioso hacker. A arma usada por Persephone (Monica Bellucci), uma COP .357 Derringer, é a mesma usada por Leon Kowalski, um dos replicantes fugitivos no clássico Blade Runner: O Caçador de Androides (1982). O roteiro, por sua vez, trabalha com elementos de Alegoria da Caverna, de Platão, Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll, e Simulacros e Simulação, de Jean Baudrillard.
Há muitas citações religiosas. A nave Nabucodonosor, por exemplo, é uma alusão ao rei da Babilônia que construiu os famosos Jardins Suspensos. Trinity alude à trindade religiosa: Pai (Morpheus), Filho (Neo) e Espírito Santo (a própria personagem de Carrie Anne-Moss). Neo é um anagrama de One, em inglês, "um", dado seu papel como O Escolhido. A placa do carro do agente Smith (Hugo Weaving na trilogia, Jonathan Groff em Resurrections) é IS 5416, menção ao versículo Isaías, 54: 16: "Veja, fui eu quem criou o ferreiro (blacksmith, em inglês) que sopra as brasas até darem chama e forja uma arma própria para o seu fim. E fui eu quem criou o destruidor para gerar o caos".
Quem for ao cinema a partir desta quarta-feira para catar referências vai se esbaldar. Sobretudo se for um fã — ou seria devoto? — do universo desenvolvido pelas Wachowski. Mas convém avisar: quando toma a pílula da nostalgia pura e simples, Matrix Resurrections pouco tem a oferecer. Os diálogos se tornam cansativos com sua ladainha sobre livre arbítrio versus destino e a transformação de ideias em armas, modais e exomorfos, modificações corpusculares e oscilações paramagnéticas. Embora a trilha sonora sugira gravidade, as sequências de ação, com exceção de uma releitura do bullet time, carecem do impacto provocado anteriormente. Vou entrar no jogo e citar dois críticos: "Diante da explosão de inovação do filme original, este é apenas o produto de um algoritmo de não originalidade", definiu Peter Bradshaw no The Guardian. "Gostaríamos de dizer que o filme parece um comercial de perfume de 2005 influenciado por Matrix, mas, na verdade, os anúncios de perfume tendem a ser um pouco mais estilosos", comparou Donald Clarke no The Irish Times.
Por falar em deboche, é quando toma a pílula da irreverência que Matrix Resurrections apresenta seus melhores momentos. Por vezes, chega a soar como um episódio da série de comédia The Big Bang Theory (2007-2019) — vide, por exemplo, o trocadilho que dá nome ao café frequentado pelos protagonistas: Simulatte. Ou a existência, entre os novos personagens, de um "Neologista", um especialista no herói encarnado por Keanu Reeves. Quando a trama começa, Neo está adormecido, vivendo como Thomas Anderson, programador de um game revolucionário, o Binary, na empresa Deus Machina. Um dos sócios dá a real: a Warner, dona da franquia Matrix no mundo de verdade, quer revisitar a franquia da ficção — a diretora Lana faz, a um só tempo, uma crítica a Hollywood, com seu pendor para as continuações e os chamados reboots, em detrimento de ideias novas, e uma autocrítica, como engrenagem dessa indústria da reciclagem. É a senha para papos animados sobre criptofascismo, política trans e outras interpretações suscitadas pelos filmes das Wachowski. Mais adiante, o Merovíngio, vivido pelo ator francês Lambert Wilson em Reloaded e Revolutions, ressurge para lamentar, com ironia, o legado de Matrix: "Vocês nos trouxeram a Wiki (Wikipédia) e o Face (Facebook)!", esbraveja.
É nessas horas, nas quais se permite tirar sarro de sua história, de sua tribo e de sua influência, que Matrix Resurrections escapa da mesmice, do tédio e do esquecimento. Quando adota um tom mais sério, quando almeja ser épico, o filme faz jus ao nome do gato de um personagem adicionado à franquia, o Analista (Neil Patrick Harris): Déjà Vu.