A julgar pelo menu da Netflix, temos um apetite insaciável por crimes reais e chocantes. A cada mês, estreia ao menos um documentário do gênero — em 30 de junho, por exemplo, teremos a série em três episódios Sophie: Assassinato em West Cork.
Trata-se da reconstituição de um caso ocorrido no interior da Irlanda, às vésperas do Natal de 1996, quando a produtora de TV francesa Sophie Toscan du Plantier foi espancada até a morte do lado de fora da casa onde passava as férias com o marido.
Sophie vem se juntar a uma coleção de títulos disponibilizados pela plataforma de streaming que lançam luz sobre assassinos seriais, estupradores e genocidas, entre outros criminosos. Listei aqui 22 filmes e séries recentes capazes de nos despertar medo, revolta e náusea. Às vezes, admiramos o trabalho policial; em outras, ficamos estupefatos diante de seus erros e de sua imperícia. Também podemos nos flagrar fascinados pelas dúvidas e contradições surgidas durante as investigações. E, não raro, somos dominados por um desejo de justiça, punição e até vingança.
Atentados em Londres (2021)
O documentário dirigido por Daniel Vernon reconta a história de terror vivida pelos londrinos em abril de 1999. Entre os dias 17 e 30 daquele mês, bombas de pregos caseiras foram detonadas respectivamente em Brixton (no sul da capital da Inglaterra), em Spitalfields (no East End) e no pub The Admiral Duncan, no Soho (West End). Três pessoas morreram e 140 ficaram feridas. A grande maioria das vítimas pertencia a minorias: negros, bengalis, população LGBT+.
Atleta A (2020)
O documentário dos diretores Bonni Cohen e Jon Shenk recupera a trajetória de ginastas americanas que foram vítimas de abuso sexual por um médico da seleção nacional, Larry Nassar. Os depoimentos de atletas e ex-atletas, incluindo uma medalhista olímpica, são intercalados com os dos repórteres que publicaram as primeiras denúncias. Entre uma coisa e outra, Atleta A explica como a ginástica artística tornou-se um ambiente propício para predadores sexuais e critica a cultura americana do sucesso a qualquer preço.
Bandidos na TV (2019)
Nos sete episódios dessa atração de 2019, o diretor britânico-paraguaio Daniel Bogado conta a história do apresentador de TV Wallace Souza, que se elegeu três vezes deputado estadual no Amazonas, em 1998, em 2002 e em 2006, graças a sua suposta luta contra o tráfico de drogas, carro-chefe de um programa sensacionalista e sangrento, o Canal Livre. Suposta porque, segundo um delator, Wallace comandava uma organização criminosa — a suspeita é de que ele próprio planejava os homicídios que alavancavam a audiência do programa. Bandidos na TV mostra a comoção causada junto à mídia e à opinião pública (dividida quanto à culpabilidade dos acusados), a sucessão de viradas na trama, as desconcertantes contradições dos principais personagens e as ramificações que acabam por pintar um retrato do país.
O Caso Gabriel Fernandez (2020)
O documentário em seis episódios de Brian Knappenberger reconstitui a tortura e o assassinato de um menino de oito anos por sua mãe e o namorado dela, na Califórnia. Admito que, quando comecei a ver, fiquei na dúvida se continuava. Como podem fazer tanto mal a uma criança? Parte de mim queria parar, desligar e correr para minhas filhas. Mas outra parte quis seguir até o fim, ver um pouco de justiça sendo feita no tribunal. Não só para os torturadores e assassinos. Torci para que viesse o castigo também para quem sabia e não fez nada — os assistentes sociais que acabaram denunciados por negligência ou falsificação de documentos.
Cena do Crime: Mistério e Morte no Hotel Cecil (2021)
O Hotel Cecil, em Los Angeles, é por si só um lugar com muitas histórias sinistras para contar. Talvez a mais popular, já que ocorrida na era das redes sociais, seja a que envolve a jovem canadense de origem chinesa Elisa Lam. Seu desaparecimento, em fevereiro de 2013, mobilizou polícia, imprensa e cidadãos anônimos que, com acesso às imagens das câmeras de segurança — como as de um elevador —, passaram a investigar o caso. Se você não acompanhou ou não sabe do desfecho, achará a solução bastante surpreendente — e, claro, triste. Mas até chegar lá, o diretor Joe Berlinger (o mesmo da série sobre Ted Bundy citada mais abaixo) gasta muito tempo. Os quatro episódios poderiam ser resumidos a três.
Cenas de um Homicídio: Uma Família Vizinha (2020)
O documentário dirigido por Jenny Popplewell trata de Christopher Watts, um americano que, até 13 de agosto de 2018, parecia levar uma vida feliz ao lado das duas filhas pequenas e da esposa grávida. Mas daí algo acontece. Toda a história é contada por meio de vídeos e mensagens postados por Shanann, a esposa, imagens coletadas pela polícia durante a investigação e entrevistas concedidas por Chris, vizinhos e parentes. Mesmo intuindo, desde o início, o que aconteceu naquele dia, é chocante quando a verdade vem à tona.
Conversando com um Serial Killer: Ted Bundy (2019)
Com entrevistas atuais, material de arquivo e o áudio de uma conversa conduzida pelo jornalista Stephen Michaud no corredor da morte de uma penitenciária da Flórida, o diretor Joe Berlinger traça, em quatro capítulos, o perfil de Ted Bundy, o homem charmoso e doentio que cometeu mais de 30 crimes contra mulheres entre os anos de 1974 e 1978. Depois, Berlinger dirigiu uma versão ficcional, Ted Bundy: A Irresistível Face do Mal (2019), estrelada por Zac Efron.
O Desaparecimento de Madeleine McCann (2019)
Em oito episódios, a série dirigida por Chris Smith mistura imagens de arquivo, reconstituições e entrevistas para tentar jogar luz sobre um dos mais midiáticos e desesperadores casos de desaparecimento: o da menina inglesa Madeleine McCann, três anos, durante as férias de sua família em uma praia do Algarve, em Portugal. Muitas teorias foram difundidas, inclusive a de que os pais teriam forjado o sumiço para encobrir um acidente fatal. Até hoje, não há resposta sobre o que realmente aconteceu. Mas, em 2020, a polícia alemã identificou um novo suspeito.
Don't F** ck with Cats: Uma Caçada Online (2019)
Com três episódios, a minissérie dirigida por Mark Lewis reconta a história de um sujeito que, em 2010, chocou as redes sociais ao postar vídeos em que aparece assassinando filhotes de gato. Isso acabou unindo pessoas de diferentes lugares, que formaram um time virtual de investigação. O documentário é imperdível por três fatores. Primeiro porque reflete sobre a tal da indignação seletiva: gatinhos, ao que parece, podem comover mais do que humanos. Segundo porque retrata bem a fome de fama instantânea, que leva algumas pessoas a escolher como porta de entrada a bizarrice ou mesmo a perversidade — o criminoso em questão não parou só nos gatinhos. E terceiro porque mostra como, hoje em dia, tudo o que fazemos deixa rastros digitais, deixa pegadas que podem ser seguidas mesmo por detetives amadores, como os dois principais narradores da série.
O Estripador (2020)
Esta minissérie em quatro episódios é sobre o maior serial killer do Reino Unido, que só matava mulheres e tinha o apelido de O Estripador (The Ripper). Mas não se trata do célebre Jack, que cometeu pelo menos cinco assassinatos na Londres de 1888. O facínora em questão ceifou 13 vidas entre 1975 e 1980, no norte da Inglaterra, sobretudo nas cidades de Leeds, Manchester e Bradford. E ao contrário do serial killer vitoriano, que nunca foi capturado nem teve sua identidade descoberta, o Estripador de Yorkshire foi preso e inclusive morreu na cadeia — em novembro passado, em uma sexta-feira 13, vítima de covid-19. A direção é de Jesse Vile e Ellena Wood.
Os Filhos de Sam: Loucura e Conspiração (2021)
A série de quatro episódios realizada por Joshua Zeman acompanha a investigação do jornalista Maury Terry, convencido de que os casos ligados ao assassino serial David Berkowitz estavam ligados a uma seita satânica. Mais do que isso: havia mais do que um Filho de Sam, como ficou conhecido Berkowitz, que aterrorizou Nova York entre 1976 e 1977, inspirou o filme O Verão de Sam (1999), de Spike Lee, e cumpre prisão perpétua (está com 68 anos).
Jeffrey Epstein: Poder e Perversão (2020)
Dirigidos por Lisa Bryant, os quatro episódios começam sempre avisando: "Esta série contém descrições explícitas de abuso sexual de menores que podem incomodar alguns telespectadores". Incomodar é pouco: causam revolta e repulsa. Epstein foi um bilionário investidor americano que usou seu dinheiro para o crime. Era um predador pedófilo, que empregou seu poder e sua influência para atrair garotas adolescentes. Esse mesmo poder e essa mesma influência o ajudaram a esconder durante anos esses crimes. Ora pagando advogados espertos, ora recebendo apoio de empresários e políticos, ora contando com o silêncio e o descrédito das vítimas na nossa triste cultura do machismo.
Os Mais Procurados do Mundo (2020)
Em cinco episódios, com diferentes diretores, a série reconstitui a caçada da polícia e da Justiça a um chefão do tráfico mexicano, a um genocida africano, a uma terrorista britânica e a dois mafiosos — um ucraniano que opera sobretudo na Rússia e aquele que é tido como o último capo da Cosa Nostra, na Itália. Os perfis apresentados são variados, mas, para além da periculosidade e da perversidade, quase todos os criminosos compartilham uma característica: a discrição, o que os torna verdadeiros fantasmas, difíceis de serem vistos e pegos.
Making a Murderer (2015-2018)
O vilão deste fenômeno de público e de crítica não é uma pessoa, mas o sistema jurídico dos Estados Unidos. Os 10 episódios da primeira temporada de Making a Murderer mostram como é possível criar um assassino combinando um crime nebuloso, uma investigação policial negligente e direcionada e uma engrenagem legal incapaz de filtrar falhas processuais que podem levar à condenação um inocente. No caso, Steven Avery, um sujeito meio bronco e com passado de encrencas sem maior gravidade na pacata Manitowoc, cidadezinha do Estado de Wisconsin.
Em 2003, Avery ficou nacionalmente conhecido ao ser inocentado, graças a um exame de DNA, da acusação de estupro que o fez passar 18 anos na prisão. O culpado era outro, como sempre afirmou. Ele ganhou um pedido de desculpas da vítima que o havia reconhecido como agressor e foi recomeçar a vida tocando seu ferro-velho. Mas eis que, em 2005, quando tramitavam tanto uma ação para indenizar Avery no valor de US$ 36 milhões quanto uma mudança de legislação inspirada nos erros grosseiros que marcaram seu caso, ele foi acusado de um novo crime: assassinato e ocultação do cadáver de uma jovem fotógrafa. A inusitada situação chamou a atenção das diretoras e roteiristas Moira Demos e Laura Ricciardi, estudantes de cinema da Universidade de Columbia, que acompanhariam a história ao longo de uma década.
O Monstro ao Lado (2019)
Yossi Bloch e Daniel Sivan dirigem a série em cinco episódios sobre John Demjanjuk (1920-2012), um ucraniano naturalizado estadunidense que era apelidado de Ivan, o Terrível, por causa dos crimes de guerra e contra a humanidade cometidos enquanto servia como guarda em campos de extermínio nazistas, na Segunda Guerra Mundial.
Night Stalker: Tortura e Terror (2021)
O chamado Perseguidor Noturno foi um assassino e estuprador que aterrorizou a região metropolitana de Los Angeles e a área da baía de São Francisco, na Califórnia, entre 1984 e 1985. A despeito de uma fetichização da violência (prepare-se para ver fotos de corpos e muito sangue, além de cenas em câmera lenta nas reconstituições), a série de quatro episódios dirigida por Tiller Russell e James Carroll não glamoriza o serial killer. Dá voz às vítimas, à imprensa e aos detetives Frank Salerno e Gil Carrillo, que conduziram as investigações sobre um vilão que não tinha um método — qualquer um poderia ser um alvo, inclusive crianças e idosas, qualquer casa poderia ser invadida. O último capítulo toca num detalhe apavorante: as fotos sensuais e as cartas de amor enviadas por fãs do Night Stalker.
Out of Thin Air (2017)
Em 1974, seis pessoas foram condenadas por dois estranhos assassinatos na Islândia. Quarenta anos depois, o caso foi reaberto. Dylan Howitt dirige o documentário.
Por que Você me Matou? (2021)
Assim como em Don't F**k with Cats, as redes sociais desempenham um papel importante no caso do assassinato de Crystal Theobald, 24 anos, morta dentro do carro em que estava com o irmão e o namorado, na cidade californiana de Riverside, em fevereiro de 2006. A direção do filme é de Fredrik Munk.
Quarto 2806: A Acusação (2020)
Assinada por Jalil Lespert, é uma minissérie que investiga o escândalo sexual que, em 2011, derrubou o então diretor-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI) e favorito nas pesquisas para derrotar o presidente da França, Nicolas Sarkozy, nas eleições daquele ano. Dominique Strauss-Kahn, hoje com 71 anos, foi acusado de violentar a camareira Nafissatou Diallo no hotel Sofitel, em Nova York. O documentário não toma partido e procura ouvir os dois lados. E o primeiro capítulo dá mostras do quão complexo é o caso e suas ramificações, e do quão intrigante é o seu principal personagem: o quarto 2806 foi apenas a porta de entrada para um mundo em segredo.
Quem Matou María Marta? (2020)
Com direção de Alejandro Hartmann, a minissérie em quatro episódios reconstitui um dos casos mais rumorosos da crônica policial argentina. Quanto menos você souber, melhor. Mas o próprio título já é um spoiler, pois quando o documentário começa, o viúvo, o ex-investidor da bolsa de valores Carlos Carrascosa, hoje com 75 anos, familiares e amigos de María Marta García Belsunce narram a primeira versão da morte da socióloga argentina: a de que ela havia sofrido uma espécie de acidente doméstico em 27 de outubro de 2002, aos 50 anos. Só que não.
Sequestrada à Luz do Dia (2017)
O documentário de Skye Borgman aborda o caso de Jan Broberg Felt, uma adolescente de Idaho, nos Estados Unidos, que foi duas vezes sequestrada por um vizinho da família, o aparentemente inofensivo Robert Berchtold, na década de 1970.
Bônus: O Caso Evandro (2021)
Lançada pelo Globoplay, a série em oito episódios dirigida por Aly Muritiba e Michelle Chevrand revê o desaparecimento e a morte de Evandro Caetano, seis anos, em abril de 1992. Em julho do mesmo ano, sete pessoas confessaram o crime e disseram que usaram o menino em um ritual macabro — o que levou o caso a ser conhecido como o das "Bruxas de Guaratuba" (cidade do litoral do Paraná, onde ocorreram os fatos).