Na sexta-feira (28) passada, dei 10 dicas de filmes novos. Neste fim de semana, vou na direção oposta: peneirei uma dezena de clássicos que podem ser vistos no streaming.
E são todos filmes que estão de aniversário redondo, fazendo, 30, 40, 50, 60, 70, 80 ou até 90 anos. Vários foram premiados (ou pelo menos concorrentes) no Oscar ou em festivais como os de Cannes e Berlim.
Também ao contrário da lista anterior, que tinha metade dos títulos disponível na Netflix, desta vez nenhum está em cartaz por lá. Apesar de muitas virtudes, a plataforma criada em Los Gatos, na Califórnia, tem um pecado capital: a memória curta.
Drácula (1931)
O filme do estadunidense Tod Browning não é a primeira adaptação cinematográfica do romance homônimo publicado em 1897 pelo irlandês Bram Stoker — em 1922, o alemão F.W. Murnau dirigira o assombroso Nosferatu, só que com nomes e lugares alterados, já que os herdeiros do escritor não concederam autorização. Mas foi em Drácula que o ator húngaro Bela Lugosi estabeleceu o modelo de representação do vampiro (que mais tarde teria outras duas encarnações imortalizadas, pelos britânicos Christopher Lee, em nove longas da produtora Hammer, e Gary Oldman, na versão de Francis Ford Coppola). Na trama, o conde chupador de sangue torna o advogado Renfield um escravo e, dentro de um caixão, ruma da Transilvânia para Londres, onde vai fustigar Mina e ser enfrentado por Van Helsing. (Now e Vivo Play)
Cidadão Kane (1941)
É frequentemente apontado como o melhor filme de todos os tempos. Esteve, por exemplo, cinco vezes no topo da votação promovida pela revista britânica Sight & Sound, que a cada década faz essa pergunta a um grupo de jornalistas internacionais — Cidadão Kane ganhou em 1962, 1972, 1982, 1992 e 2002. Em 2007, 48 dos 78 críticos e historiadores franceses ouvidos pela Cahiers du Cinéma também elegeram a obra de Orson Welles. Os dois rankings do American Film Institute com as cem melhores produções estadunidenses, promovidos em 1998 e em 2007, são encabeçados por este título que concorreu a nove Oscar, mas só ganhou o de roteiro original (dividido por Welles e Herman J. Mankiewicz, o personagem da cinebiografia Mank, que traz uma versão dos bastidores de Cidadão Kane). O cineasta tinha de 24 para 25 anos quando dirigiu e protagonizou a história de ascensão e queda do fictício Charles Foster Kane, inspirada na vida do magnata da imprensa William Randolph Hearst — desde então um inimigo mortal do gênio que inovou na narrativa (estruturada em flashbacks) e na concepção visual (sobretudo pelo uso da profundidade de campo e pela angulação dos enquadramentos). (Telecine, Google Play e YouTube)
Uma Rua Chamada Pecado (1951)
Este título brasileiro que deram para Um Bonde Chamado Desejo, uma das peças mais conhecidas de Tennessee Williams — adaptada, inclusive, com o nome original nos palcos nacionais —, é um dos mais bizarros exemplos de trocas de nomes que não fazem sentido algum. Esse é o clássico que consolidou a imagem de Marlon Brando como símbolo sexual e valeu o Oscar de melhor atriz a Vivien Leigh. Ganhou também as estatuetas de ator coadjuvante (Karl Malden), atriz coadjuvante (Kim Hunter) e direção de arte em preto e branco e concorreu em outras oito categorias, incluindo melhor filme, diretor (Elia Kazan) e ator. Os personagens de Brando são marcados por uma alta tensão — dramática e erótica. Ele faz o grosseiro Stanley Kowalski, e ela, a problemática Blanche DuBois, irmã da esposa dele, que chega de visita à casa do casal e provoca um catarse emocional coletiva. (Google Play e YouTube)
A Noite (1961)
Vencedor do Urso de Ouro no Festival de Berlim, é o título central da Trilogia da Incomunicabilidade rodada por Michelangelo Antonioni — os outros dois são A Aventura (1960) e O Eclipse (1962). Em A Noite, o cineasta italiano acompanha o inevitável e perpétuo desencontro entre o homem e a mulher. Casados há 10 anos, Lidia (Jeanne Moreau) e Giovanni (Marcello Mastroianni), dois burgueses intelectualizados de Milão, vivem uma jornada que começa com a visita a um amigo agonizante em um hospital (Bernhard Wicki) e termina em uma noite permeada de momentos de tédio e luxúria, em uma festa sofisticada. A intromissão da bela e blasé Valentina (Monica Vitti) acirra a falta de sintonia e a abundância de ressentimentos. (Telecine)
Encurralado (1971)
É a obra que fez despontar o nome de Steven Spielberg. Após mostrar que era possível fazer cinema na TV — dirigiu episódios antológicos de seriados como Galeria do Terror e Columbo —, em 1971 ele ganhou a chance de tocar um projeto mais ambicioso. Realizou em apenas 13 dias e com orçamento apertado um telefilme de 74 minutos, lançado em 13 de novembro pela ABC - sobre um motorista (Dennis Weaver) perseguido por um misterioso caminhão na estrada. O rosto do suposto condutor nunca aparece, o que amplia o suspense, a angústia e o potencial mitológico de Duel (título original) — é o embate do homem contra a máquina, ou do homem contra o diabo. O planejamento meticuloso e a precisão narrativa resultaram numa trama de alta tensão que, devido ao enorme sucesso de público e crítica, ganhou mais 15 minutos para ser exibida nos cinemas. (Telecine, Google Play e YouTube)
Laranja Mecânica (1971)
Talvez o grande expoente de uma onda de filmes violentos que atingiu as salas de cinema em 1971, Laranja Mecânica chegou ao Brasil apenas em 1978. Antes, passou por uma curiosa intervenção da censura a serviço da ditadura militar. A cópia liberada sem cortes para maiores de 18 anos trazia saltitantes bolinhas pretas que tentavam cobrir partes do corpo dos personagens avaliadas como inapropriadas à moral e aos bons costumes da nação.
Foi indicado a quatro Oscar: melhor filme, direção (Stanley Kubrick), roteiro adaptado (pelo próprio cineasta a partir do romance de Anthony Burgess) e edição. O cenário de Kubrick é uma sociedade futurista em que um grupo de jovens liderado pelo degenerado Alex (em uma interpretação icônica de Malcolm McDowell) se diverte espancando, estuprando e matando quem cruza seu caminho. O personagem acaba usado como cobaia para um tratamento revolucionário — e igualmente brutal —, a Técnica Ludovico, empregada pelo Estado para tornar o rapaz um "cidadão do bem". (Google Play e YouTube)
Morte em Veneza (1971)
Filme do meio da trilogia alemã do italiano Luchino Visconti (antes veio Os Deuses Malditos, de 1969, e depois, Ludwig, a Paixão de um Rei, de 1973), Morte em Veneza é baseado em um romance de Thomas Mann. O filme é tido como um dos mais requintados exemplos da paixão do cineasta pelo barroco e por temas como o desespero e o delírio. Na trama, Dirk Bogarde interpreta Von Aschenbach, um dirigente de orquestra alemão que envelhece, mas não tem medo de expor seus desejos. Fascinado por um adolescente loiro, Tadzio (Bjorn Andressen), ele passa seu verão em Veneza, em uma época em que a cidade é vítima de uma epidemia. No elenco, Silvana Mangano. A trilha sonora traz composições de Gustav Mahler — em quem teria inspirado o protagonista. (Google Play e YouTube)
Um Tiro na Noite (1981)
Diretor autoral mesmo sendo referencial, Brian De Palma cita outros dois clássicos aqui, misturando elementos de Blow-Up (1966), de Antonioni — o título original, aliás, é Blow-Out —, e de A Conversação (1974), de Francis Ford Coppola. John Travolta interpreta Jack Terry, um técnico de efeitos sonoros que, sem querer, registra um acidente de carro, do qual salva uma moça encarnada por Nancy Allen. Ao ouvir suas gravações, o sonoplasta se descobre testemunha de um possível atentado político. A partir daí, De Palma engendra um suspense angustiante que alude a dois rumorosos episódios envolvendo a família Kennedy: o assassinato, em 1963, do presidente John F., um dos grandes traumas dos Estados Unidos, e o caso Chappaquiddick, em 1969, quando automóvel dirigido pelo senador Ted caiu de uma ponte em uma lagoa, provocando a morte de uma jovem acompanhante e minando suas pretensões de concorrer à presidência do país. (Google Play e YouTube)
A Dupla Vida de Veronique (1991)
Irène Jacob recebeu a Palma de Ouro de melhor atriz no Festival de Cannes por interpretar a polonesa Weronika e a francesa Veronique, que não se conhecem mas têm uma profunda relação de sincronicidade. A direção é do polonês Krzysztof Kieslowski (1941-1996), um dos maiores cineastas de todos os tempos, que já havia nos presenteado com o Decálogo (1988) e depois nos brindaria com a Trilogia das Cores (1993-1994). A relação causal entre as ações das personagens é o que menos importa ao diretor, que, em entrevistas, disse que “O filme trata de sensibilidade, pressentimentos e relacionamentos que são difíceis de nomear, que são irracionais. É difícil mostrar isso: se eu mostro demais o mistério desaparece; eu também não posso mostrar pouco porque então ninguém compreenderá nada. Minha procura pelo equilíbrio entre o misterioso e o óbvio é o motivo pelo qual foram feitas várias versões na sala de edição”. (Telecine)
O Silêncio dos Inocentes (1991)
Foi o terceiro e, até agora, último dos títulos que conquistaram as cinco principais categorias do Oscar: melhor filme, diretor (Jonathan Demme), ator (Anthony Hopkins), atriz (Jodie Foster) e roteiro (no caso, adaptado por Ted Tally a partir do romance policial de Thomas Harris). O Silêncio dos Inocentes narra a insólita e perigosa parceria que se forma entre uma jovem e talentosa agente do FBI (a polícia federal dos EUA), Clarice Starling, e um psiquiatra psicopata, o doutor Hannibal Lecter. A ambiciosa policial terá de contar com ajuda do brilhante canibal para capturar outro assassino serial neste filme que sedimentou o personagem na cultura pop — além de abrir caminho para outros serial killers, como o de Seven: Os Sete Crimes Capitais, de 1995. (Telecine, Google Play, YouTube e canal MGM do Amazon Prime Video)