Esqueça o título brasileiro genérico, que remete a um punhado de filmes e seriados do gênero – de A Maldição da Bruxa a A Maldição da Chorona, de A Maldição da Floresta a A Maldição da Residência Hill. Mas vale dizer que, no original em inglês, A Maldição da Freira (2018) também apela para um lugar-comum: chama-se The Devil's Doorway, a porta do diabo.
Esqueça o batido estilo found footage, o da ficção que se faz passar por documentário (não raro amador), popularizado por A Bruxa de Blair (1999) e já gasto em várias vertentes do horror, como zumbis (Rec), monstros (Cloverfield) e demônios (Atividade Paranormal). Mas vale dizer que, em A Maldição da Freira, o recurso é usado com bastante qualidade: graças à direção de fotografia de Ryan Kernaghan, parece que estamos mesmo diante de um autêntico filme caseiro rodado na Irlanda dos anos 1960 (o tamanho de tela é menor do que o habitual), com erros de enquadramento e demora no ajuste do foco, por exemplo.
Esqueça os eventos sobrenaturais e os eventuais sustos – sim, em algum momento, o filme da diretora estreante Aislinn Clarke deriva para uma trama que envolve o demônio, alguma sanguinolência e portas que se abrem ou se fecham sozinhas. O título merece sua atenção no catálogo da Amazon Prime Video por causa dos diálogos pesados e das reflexões amargas que um padre e uma freira oferecem ao longo de 75 minutos transcorridos em um convento fictício, mas inspirado em uma macabra história real: a das Magdalene Laundries, as lavanderias de Madalena. Eram instituições da Igreja Católica que abrigavam mulheres "perdidas" – mães solteiras, doentes mentais, prostitutas, contestadoras, vítimas de estupro ou simplesmente moças consideradas "sedutoras"; enfim, pessoas que o status quo misógino rejeitava. Nesses lugares, estima-se que 30 mil irlandesas foram praticamente transformadas em escravas. Lavavam roupas, costuravam, rezavam e, durante longos períodos do dia, não podiam dar um pio, sob risco de castigo físico.
A história já havia inspirado um filme contundente, Em Nome de Deus (2002), dirigido por Peter Mullan e vencedor do Festival de Veneza, centrado em quatro mulheres mandadas para um asilo. Em A Maldição da Freira, acompanhamos a jornada de dois padres – um velho e cético, Thomas (interpretado de forma esplêndida por Lalor Roddy), o outro, jovem e empolgado, John (Ciaran Flynn) – enviados pelo Vaticano para investigar e documentar (daí as filmagens no estilo found footage) um suposto milagre em um desses lares: uma Virgem que chora sangue. Eles acabam encontrando uma adolescente grávida com sinais de possessão demoníaca e uma madre superior (vivida com assombro por Helena Bereen) que diz a Thomas duras verdades sobre a hipocrisia do clero. Uma dessas frases fica mais incisiva e sarcástica em inglês, portanto, vou reproduzi-la no idioma original (com a devida tradução, claro):
— Do you know how many of the babies born here had fathers who were Fathers, Father? (Você sabe quantos bebês nascidos aqui tinham pais que eram padres, padre?).
O último asilo de Madalena na Irlanda foi fechado apenas em 1996. Essa chaga social acabou gerando, em 2011, um pedido de inquérito da comissão da Organização das Nações Unidas (ONU) contra tortura, e, em 2013, um pedido de desculpas pelo então primeiro-ministro, Enda Kenny.
Às vezes, as histórias mais terríveis não precisam de demônios nem sustos.