Sempre haverá uma história da Segunda Guerra Mundial a ser contada no cinema. Uma das mais novas é a de O Protocolo de Auschwitz (2021), que estreia nesta quinta-feira (27) com exclusividade no Guion, em Porto Alegre. Dirigido pelo eslovaco Peter Bebjak, 50 anos, o filme é baseado na trajetória de dois jovens judeus que revelaram ao mundo o horror dos campos de concentração nazistas — infelizmente, não foram tão bem ouvidos de imediato.
Rudolf Vrba e Alfréd Wetzler foram deportados para Auschwitz, no sul da Polônia, em 1942. Em abril de 1944, conseguiram escapar para relatar o que realmente acontecia nos campos: o genocídio sistemático do povo judeu, a mando de Adolf Hitler.
No filme, os personagens se chamam Freddy e Valér e são interpretados, respectivamente, por Noel Czuczor e Peter Ondrejicka. O elenco inclui o inglês John Hannah (de seriados como Spartacus, Damages e Transplant), no papel de um integrante da Cruz Vermelha. Quem já assistiu destaca a direção de fotografia, monocromática e quase sempre com câmera na mão, e o epílogo, no qual Bebjak conecta passado e presente ao reproduzir discursos negacionistas ou preconceituosos de líderes políticos atuais (segundo consta, Jair Bolsonaro aparece).
O Protocolo de Auschwitz se alinha a uma série de títulos recentes em que cineastas do Leste Europeu abordam a Segunda Guerra. Contrariando a tradição estadunidense e britânica de reconstituir combates e o cotidiano dos soldados, esses diretores focam suas lentes nos civis afetados e nas profundas cicatrizes deixadas na alma dos países de lá.
Vencedor do Oscar de melhor filme internacional e indicado ao troféu de fotografia, o polonês Ida (2013), de Pawel Pawlikowski, se passa em 1962 — e está disponível no Now. Anna (Agata Trzebuchowska) é uma noviça órfã criada no convento católico ao qual foi entregue durante o conflito militar. Prestes a confirmar seus votos, ela é enviada para conhecer uma tia, Wanda (Agata Kulesza). O contato com o mundo exterior se faz necessário para a garota refletir sobre sua vocação religiosa. Sem rodeios e com certa rispidez, Wanda logo diz que Anna, na verdade, chama-se Ida, é judia e sobrevivente do Holocausto que vitimou seus pais e milhões de judeus poloneses. As duas personagens, então, partem para uma viagem pelo Interior, onde cruzam com antigos vizinhos que, movidos por um antissemitismo maior do que o patriotismo, tornaram-se colaboradores dos nazistas, ganhando como recompensa o direito à posse de casas, terras e bens dos judeus que denunciaram e até mesmo executaram.
No ano seguinte à conquista de Ida, o Oscar consagrou o húngaro O Filho de Saul (2015), do estreante László Nemes, também ganhador dos prêmios do júri e da crítica no Festival de Cannes — e em cartaz no Now, na Apple TV, no Google Play e no YouTube. O filme joga o espectador dentro de Auschwitz, mostrando as engrenagens do extermínio. O ponto de vista é o do judeu húngaro Saul Asländer (Géza Röhrig), um Sonderkommando, prisioneiro obrigado a ajudar os nazistas nos afazeres do campo. Trabalhando nas câmaras de gás, Saul depara com o corpo de um menino que ele afirma ser de seu filho. Enquanto os companheiros preparam uma revolta, o protagonista empreende uma missão pessoal e obstinada: achar um rabino que o ajude a dar um enterro digno ao garoto.
A lista de semifinalistas do Oscar 2020 de produções internacionais contou com três representantes do Leste Europeu dedicados a retratar ou refletir sobre a Segunda Guerra e suas consequências. Dirigido por Václav Marhoul, O Pássaro Pintado (República Tcheca, 2019), adapta de uma novela do escritor Jerzy Kozinski — pode ser visto em Now, Apple TV, Google Play e YouTube. O filme causou uma debandada na plateia durante sua exibição no Festival de Cinema de Veneza, por conta das cenas de agressões físicas e sexuais e mutilações que permeiam a trama sobre um menino judeu que perambula por vilas e guetos.
O russo Uma Mulher Alta (2019), de Kantemir Balagov, guarda semelhanças com húngaro Aqueles que Ficaram (2019), de Barnabás Tóth. Ambos centram o foco no relacionamento entre dois personagens, ambos se passam pouco depois da guerra e em ambos o ritmo narrativo parece espelhar o lento e silencioso processo de cicatrização das nações envolvidas — a paz não significa o fim da morte, da violência, das perseguições.
O desolador Uma Mulher Alta é inspirado no livro A Guerra Não Tem Rosto de Mulher, da jornalista e escritora bielorrussa Svetlana Aleksievitch, prêmio Nobel de Literatura em 2015. Segundo longa-metragem de Balagov, 28 anos, valeu a ele o troféu de melhor diretor na mostra Un Certain Regard (Um Certo Olhar) do Festival de Cannes.
A personagem do título é a taciturna Ilya, a Grandona, interpretada por Viktoria Miroshnichenko. Ela é uma jovem ex-combatente acometida por um transtorno de estresse pós-traumático — de vez em quando, trava, balbucia, fica catatônica. Ilya vive na Leningrado dos últimos meses de 1945 na companhia de outra mulher que lutou contra os alemães, agora sua colega no trabalho em um hospital para veteranos de guerra: a radiante Masha (Vasilisa Perelygina), que deseja gerar um filho como forma de se afastar da morte. Embrutecidos pelos horrores do conflito recém terminado, os cenários e os personagens são filmados com uma aridez estética que, aqui e ali, abre frestas para a esperança e algum tipo de amor — sentimentos simbolizados pelo emprego do verde e do vermelho, cores vivas, em uma fotografia pautada pelo ocre e pelo cinza.
Aqueles que Ficaram personifica o drama do pós-guerra nas figuras de um médico ginecologista de 40 e poucos anos que perdeu a família e de uma adolescente órfã, ambos por causa do Holocausto. Ele é Aladar, o Aldo (Károly Hajduk), ela, Klara (Abigel Szõke). Os dois desenvolvem uma relação de pai e filha, mas é patente e crescente a tensão erótica — algo que Tóth trabalha com sensibilidade e praticamente sem palavras.
Como o título explicita, todos os personagens precisam lidar com o luto. As ausências se fazem presentes, como na cena em que personagens estão à mesa, a câmera se afasta e surge uma segunda mesa, essa, com todos os seus lugares vazios. Mas há um agravante ao tormento emocional: a Hungria de 1948, 1949 era um país espremido entre a tragédia imposta pelo nazismo e a opressão do regime comunista instalado pelos soviéticos.