Porto Alegre quase não tem mais cinemas de calçada — o último deve ser a Cinemateca Capitólio. Agora, corre o risco de perder um dos poucos que não estão localizados dentro de um shopping, um dos raros que podem, pelo menos, ser avistados da rua. O Guion Center, com 25 anos de atividades completados em 2020, foi colocado à venda.
A notícia veio a público recentemente. Em um comunicado divulgado nas redes sociais, Carlos Schmidt, proprietário do estabelecimento localizado no centro comercial Nova Olaria, no bairro Cidade Baixa, em Porto Alegre, informou que o Guion já está há dois meses disponível para negócio. As três salas de exibição estão fechadas desde o dia 4 de fevereiro, primeiro porque as distribuidoras começaram a postergar os lançamentos de filmes no Brasil, em consequência da pandemia de coronavírus, depois porque o governo Eduardo Leite classificou todo o Estado como bandeira preta.
Espero, de todo coração, que o Guion jamais cerre as portas em definitivo.
Não apenas porque é sempre triste quando uma cidade perde um espaço cultural, mas particularmente porque o Guion, nesse quarto de século, se notabilizou como alternativa aos filmes hollywoodianos, às comédias besteirol e aos super-heróis que dominam o circuito comercial.
O Guion era — ou melhor, é a praia para quem curte cinema argentino, cinema europeu, cinema asiático, cinema independente norte-americano.
E somos muitos, como provam alguns fenômenos de público.
O italiano Vá Aonde seu Coração Mandar (1996) ficou 21 semanas em cartaz. Dirigido pelo inglês Michael Radford, O Carteiro e o Poeta (1994) foi exibido durante seis meses. O japonês Dança Comigo? (1996) chegou a 27. O espanhol Tudo Sobre Minha Mãe (1999), de Pedro Almodóvar, estabeleceu o recorde de 32 semanas, depois batido pelo francês francês Piaf: Um Hino ao Amor (2007), com 33, pelo oscarizado argentino O Segredo dos seus Olhos (2009), com 35, e pelo também argentino, Relatos Selvagens (2014), que chegou a 37.
Há outros filmes marcantes que vi nas salas do Guion: As Invasões Bárbaras (2003), do canadense Denys Arcand; O Tempero da Vida (2003), do grego Tassos Boulmetis; Elsa & Fred (2005), do argentino Marcos Carnevale...
Só aqui já listei 10 motivos pelos quais o Guion vai deixar muita saudade se nunca mais abrir suas salas.