Fechado e sem garantia de voltar a abrir: assim que o Guion Center completará 25 anos. Inaugurado no dia 22 de junho de 1995, o cinema localizado no shopping Nova Olaria, na Cidade Baixa, tornou-se um ponto referencial para a cultura de Porto Alegre com sua programação. O espaço teve as suas atividades suspensas no dia 19 de março por conta da pandemia de covid-19. Desde então, as perspectivas de retomada estão nubladas.
Administrado por Carlos Schmidt e sua esposa Aiko, o Guion transformou-se em um complexo cultural ao longo dos anos: além das três salas de exibição, conta com galeria de arte, onde trabalhos são expostos e vendidos, loja de CDs e livros e um café. É um diferencial. Entrar no Guion é imergir em um local que celebra a arte, com esculturas pelo saguão e quadros pelos corredores e até nos cinemas.
A reportagem visitou o Guion na última sexta-feira (5). Em um dos corredores, cinco baldes continham as goteiras que caiam do teto naquele dia chuvoso.
– É a gota d’água – brinca Aiko.
Segundo Schmidt, as goteiras surgiram naquela sexta. Ele lembra de outras ocasiões em teve problemas de infiltração, com a chuva caindo atrás de uma tela de projeção. Não há mais ninguém além do casal no complexo: com a suspensão das atividades, todos os seis funcionários do Guion foram demitidos.
– Nós trabalhávamos aqui constantemente. Dávamos uma mão quando faltava alguém. Supríamos folgas. É muito complicado gerir. Então, reduzimos ao máximo – diz Schmidt.
O empresário destaca que, até a pandemia, o Guion passava por um "período excelente". Exemplifica que janeiro foi um mês acima da média.
– O ano passado nos demonstrou uma situação diferente, devido aos filmes e a situação econômica, que começou a dar uma reaquecida no mercado. O período foi bem interessante, fizemos um movimento bem maior do que nos anos anteriores, algo em torno de 20% – calcula.
Veio março e a pandemia, e o cenário de otimismo retrocedeu. Com o cinema inativo, Schmidt afirma que as contas não fecham. Os proprietários do shopping reduziram o aluguel para 50% – além do condomínio –, mas o empresário diz que não tem de onde tirar esse valor com o espaço sem atividade. Para ele, o ideal seria a isenção do aluguel:
– Se não for readequado o valor, infelizmente a gente vai ter que fechar.– Foram reduzidos alguns gastos, mas vou levar muito tempo para diluir. O faturamento de qualquer cinema já é complicado. Ainda mais não sendo um cinema blockbuster.
Para Schmidt, o período pós-pandemia ainda deve trazer dificuldades, com parte do público sem confiança para ir ao cinema – independentemente dos protocolos de cuidados que forem tomados.
– Estou fazendo essa computação, se vale o investimento. Com a incerteza por conta do panorama, não sei se as pessoas vão sair. Se saírem, vão se sentir inseguras. Vai haver uma redução de público natural. Não dá para trabalhar com público reduzido. A atividade não se sustenta – avalia.
De cinema itinerante a referência
O embrião do Guion surgiu em 1979, com Schmidt à frente de um circuito de exibições itinerantes. Ao longo dos anos 1980, projetou filmes em diferentes espaços: Assembleia Legislativa, Instituto Goethe, Senac, Instituto de Artes, entre outros. Em 1986, com o Ponto de Cinema, o empresário se estabeleceria no Sesc da Av. Alberto Bins até 1992, quando um incêndio interrompeu as atividades. Três anos depois, o Guion foi inaugurado.
O cinema chegou a se expandir para outros pontos da cidade: Guion Sol (1997-2009), na Cavalhada; e Aero Guion (2004-2010), no Aeroporto Internacional Salgado Filho. Ambas as experiências são descritas como “infortúnios” por Schmidt.
– Cheguei a chorar quando fechei na Zona Sul (o Guion Sol). É ruim tu reconhecer um fracasso. Aquilo ali foi uma bola fora, mas foi bom para consolidar uma ideia de rede – analisa.
Durante os 25 anos de atividade do Guion, Schmidt enfrentou alguns períodos de incertezas. Mais de uma vez anunciou a possibilidade de encerrar as atividades por diferentes motivos.
– Falamos em fechar há muito tempo. Isso é uma ladainha. Há períodos bons e ruins, mudamos de ideia. Como ano passado foi um ano extremamente positivo, passamos a ter algum ganho, e as coisas se ajeitaram. Mas agora já não sei mais – resigna-se.
Cada vez que se cogita a possibilidade de o Guion fechar, o público cinéfilo da Capital fica apreensivo. O espaço se notabilizou ao longo das décadas como alternativa aos blockbusters que tomam conta das salas de shoppings. É um cinema cuja programação foca em filmes com perfis mais autorais, com produções da América Latina, Europa e Ásia.
Schmidt conta que o cineasta espanhol Pedro Almodóvar, por exemplo, sempre atrai um bom público: Tudo Sobre Minha Mãe (1999) ficou em exibição por 32 semanas no Guion. No ano da inauguração, 50 mil espectadores assistiram a O Carteiro e o Poeta, que ficou em exibição por 21 semanas. O campeão de permanência é o argentino O Segredo de Seus Olhos (2009), que ficou em cartaz durante 35 semanas.
– Apesar de ser paralelo ao mainstream, sempre oferecemos alguma coisa diferenciada. As pessoas chegam de fora e se encantam até hoje – garante o exibidor. – Acho que já dei minha contribuição para a cidade. Não tenho que provar mais nada para ninguém. Aqui não foi um fracasso.
Schmidt aproveitou o período fechado para descansar. Segundo o empresário de 66 anos, era algo não fazia desde 2007, quando tirou sete dias corridos de férias com a esposa. Inclusive, foi um momento que aproveitou para atuar em outras áreas, como jardineiro e marceneiro.
– Te confesso que foi um período interessante. Não senti muito ânimo para voltar – aponta.
O proprietário do Guion é reticente diante da possibilidade de buscar financiamento coletivo ou outras formas de arcar com o aluguel. Seu objetivo é resolver o impasse na negociação. Não vislumbra recriar o cinema em outro ponto, pois “é uma atividade que requer muito investimento”.
– Sempre lidamos com angústias e incertezas. Lamento ter que completar 25 anos estando fechado. Na real, o que me chateou foi ser derrotado por um vírus. Se fechasse por outras razões...