A estreia de Zana (2019) em plataformas de streaming — nesta sexta-feira (14) no Supo Mungam Plus e em cartaz a partir do dia 27 de maio no Now e no Vivo Play — forma um doloroso díptico com Quo Vadis, Aida? (2020).
São dois filmes sobre o que é ser mãe no contexto de uma guerra civil, nos dois casos travada na antiga Iugoslávia, nos Bálcãs, palco de conflitos militares entre 1991 e 2001. O primeiro se passa no Kosovo, e o segundo, na Bósnia e Herzegovina. Ambos também estão ligados por terem sido escritos e dirigidos por uma mulher.
Assinado por Antoneta Kastrati e indicado para a seleção do Oscar de melhor filme internacional de 2020, Zana convida o público a ingressar em um mundo singular: o da Europa muçulmana. É essa a religião predominante no Kosovo, um pequeno país situado no centro dos Bálcãs, sem litoral, e que ainda não teve a independência totalmente reconhecida — o governo da Sérvia reivindica o território, cuja população é majoritariamente de origem albanesa.
Este terror psicológico se passa no interior e tem como protagonista Lume (Adriana Matoshi, prêmio de melhor atriz na mostra internacional do Festival de Cinema Fantástico de Porto Alegre, o Fantaspoa, no ano passado). Quando ela surge na tela, está em uma paisagem bucólica, levando uma vaca de volta para sua propriedade. Ao atravessar um córrego, tanto a personagem quanto o espectador tomam um susto: a vaca que estava às costas de Lume desaparece, e à frente, meio mergulhada na água, surge uma caveira bovina ensanguentada.
Mas engana-se quem imagina que este será um filme de pavor e sangue. Zana é sobre trauma — o de Lume e o do próprio Kosovo. Ambos são atormentados pelas lembranças da guerra ocorrida em 1999, que matou a filha única da personagem. Agora, Lume vive pressionada pelo marido e pela sogra para engravidar novamente. Mas como pensar em vida se a morte não sai da alma?
A morte também assombra a personagem principal de Quo Vadis, Aida?, em cartaz nas plataformas Apple TV, Now, Vivo Play, Google Play e YouTube. O maior genocídio em solo europeu depois da Segunda Guerra Mundial é o pano de fundo do representante da Bósnia e Herzegovina na disputa do Oscar de melhor filme internacional vencida por Druk: Mais uma Rodada.
Encarnada por Jasna Duricic, a Aida do título é uma tradutora da ONU que tenta salvar o marido e os dois jovens filhos do Massacre de Srebrenica, ocorrido em julho de 1995. Sob ordens do general Ratko Mladic (vivido no filme por Boris Isakovic, em uma interpretação tão magnética quanto nauseante), tropas da Sérvia mataram 8,3 mil bósnios muçulmanos.
O filme foi escrito e dirigido por Jasmila Zbanic, que em 2006 recebeu o Urso de Ouro no Festival de Berlim por Em Segredo, sobre uma mãe e sua filha adolescente que tentam reconstruir suas vidas em Sarajevo após a separação das repúblicas que formavam a Iugoslávia. Quo Vadis, Aida? defende a verdade como única forma de lidar com guerras, ditaduras, regimes de apartheid oficiais ou não oficiais, perseguições políticas, étnicas, religiosas etc. — e faz um alerta: nunca podemos fechar os olhos para os traumas do passado.