
Ao fazerem o símbolo da bandeira da Albânia, uma águia negra com duas cabeças – e não uma pomba da paz como apressaram-se alguns comentaristas na sexta-feira –, os jogadores da Suíça Xhaka e Shaqiri reabriram a ferida não cicatrizada de uma guerra que ensanguentou a Europa no final do século 20.
Os dois atletas têm ligações com Kosovo, uma região que fica dentro do território da Sérvia e que declarou a independência em 17 de fevereiro de 2008. Os sérvios não aceitaram. Mas a separação foi chancelada pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), ou seja, tem apoio de grande parte do Ocidente. No total, 111 países reconhecem a autonomia. Uma curiosidade: o Brasil está entre os que não aceitam Kosovo como independente.

Mas a polêmica é antiga. A Sérvia foi o que restou da antiga Iugoslávia. No início da década de 1990, várias repúblicas declararam independência: Bósnia, Croácia, Montenegro, Macedônia e Eslovênia. A crise fez explodir a chamada Guerra dos Balcãs.
O conflito na região tem características semelhantes às do Oriente Médio – mistura religião e etnias. Em Kosovo, a população é de origem albanesa (tendo o Islã como religião), enquanto a maioria da população sérvia se declara cristã ortodoxa.
Após o esfacelamento da Iugoslávia, a Sérvia compôs com Montenegro o país chamado Sérvia e Montenegro até junho de 2006, quando os dois se separaram.

Em 1998, a tensão separatista entre os kosovares de origem albanesa e o governo central da Iugoslávia, nas mãos do presidente Slobodan Milosevic, aumentou. Na luta pela independência, o grupo guerrilheiro Exército de Libertação do Kosovo (ELK) realizava ações terroristas contra alvos sérvios. A reação iugoslava foi fulminante, com atrocidades poucas vezes vistas na Europa após a II Guerra Mundial – denúncias de limpeza étnica que levaram Milosevic, anos depois, ao Tribunal Penal Internacional (TPI), em Haia, onde morreu.
Onde fica Kosovo e Sérvia
Em 1999, a Otan atacou a Iugoslávia, dando início à Guerra do Kosovo. Apó 79 dias de bombardeios, um acordo permitiu maior autonomia ao Kosovo, com a implantação de uma tropa de paz – da qual participaram observadores militares brasileiros. A ONU administrou a província por vários anos. Mais de 10 mil pessoas morreram ou desapareceram. Além disso, há denúncia de que 200 mil mulheres tenham sido violentadas por soldados sérvios.
Por causa das guerras, houve um grande êxodo de kosovares a outros países europeus mais estáveis. Entre eles, a Suíça. Algumas semanas atrás, Shaqiri postou no Instagram uma foto com um par de chuteiras. Em uma delas, a bandeira da Suíça. Na outra, a de Kosovo.

O gesto dos jogadores Xhaka e Shaqiri parece ser mais um capítulo futebolístico da tensão política que está por trás. Em 2014, a Sérvia convocou o embaixador da Albânia para protestar contra o uso de um drone com uma bandeira como mapa da "Grande Albânia" durante a partida entre as duas seleções. Quando o equipamento se aproximou do solo, dois jogadores da Sérvia retiraram a bandeira, o que irritou jogadores albaneses. Teve início uma briga. Veja abaixo.
Era o primeiro confronto entre as duas seleções desde o fim da Guerra dos Balcãs. Parte dos albaneses entende que Kosovo integra a chamada Grande Albânia. O caso foi comentado aqui no nosso podcast "A Copa e o mundo", em GauchaZH. Ouça abaixo: