O impacto do 11 de Setembro, em 2001, foi imediato sobre Hollywood, tão acostumada a usar as Torres Gêmeas como cenário e a produzir filmes-catástrofe. De cara, retirou-se de circulação um trailer de Homem-Aranha (2002) em que o super-herói construía uma teia no World Trade Center (WTC). Em seguida, as exibições de Armageddon (1998) na TV suprimiram as cenas em que destroços do asteroide gigante atingiam o prédio. O filme Efeito Colateral, estrelado por Arnold Schwarzenegger e com um ataque terrorista a um prédio de Los Angeles, teve a estreia adiada, assim como o seriado 24 Horas, que logo em seu primeiro episódio mostra um avião comercial sendo explodido por uma bomba.
O cinema de ficção decretou uma espécie de quarentena após os atentados em Nova York e em Washington (a sede do Pentágono), que provocaram uma estranha sensação: a de que todo aquele terror já havia sido visto à exaustão em um contexto mais seguro, o dos filmes como Inferno na Torre (1974) ou Independence Day (1996). Assim, os primeiros títulos a abordarem a ação da Al-Qaeda e suas consequências — a curto prazo ou mais duradouras, locais ou globais — foram documentários, como 9/11, lançado em 2002.
Com narração do ator Robert de Niro e batizado da forma como os estadunidenses usam as datas (o mês vem antes do dia), o documentário dos irmãos franceses Jules e Gedeon Naudet é um registro do inferno em que se transformou Manhattan após o ataque aéreo ao WTC. Naquele dia, os Naudet acompanhavam a rotina de um novato em um quartel dos bombeiros a apenas sete quadras das Torres Gêmeas. Jules foi quem filmou o choque do primeiro avião contra um dos edifícios. É a única imagem conhecida desse momento. Depois, os dois ingressaram com os bombeiros nos prédios em chamas e acompanharam o desesperado trabalho de resgate às vítimas, mas sem mostrar cadáveres nos escombros ou as pessoas que se atiravam do WTC — a dupla francesa evitou gravar essas cenas em 9/11 (no momento, fora de catálogo no streaming).
Outro documentário célebre é Fahrenheit 11 de Setembro (2004), que infelizmente está indisponível no streaming, mas saiu em DVD pela Europa Filmes. Michael Moore lançou a pedra fundamental no dia em que recebeu o Oscar da categoria por Tiros em Columbine, em março de 2003. No discurso de agradecimento, atacou o presidente George W. Bush, que três dias antes havia determinado a invasão do Iraque pelos EUA: "Nós, documentaristas, não gostamos de ficção. Somos contra eleições fictícias que levam à presidência um homem que faz guerra com razões fictícias".
Em Fahrenheit 11 de Setembro, que conquistou a Palma de Ouro no Festival de Cannes, o diretor traça as relações perigosas entre os negócios da família Bush e milionários sauditas como Bin Laden. Há revelações embasbacantes, provocações capciosas e manipulações — tanto da imagem quanto da emoção, ora com altíssimo espírito cômico, ora com sentimentalismo rasteiro.
O filme tem o nome tirado de um clássico da literatura de ficção científica, Fahrenheit 451, de Ray Bradbury — num futuro totalitário, os livros são proibidos e queimados. Moore acredita que o governo estadunidense, com a conivência da imprensa, também estava "incendiando" o conhecimento, omitindo ou alterando informações. Por exemplo: em 6 de agosto de 2001, Bush recebeu um relatório da CIA que alertava sobre um iminente ataque terrorista por Osama bin Laden. Ninguém deu pelota, e 36 dias depois o World Trade Center, em Nova York, e o Pentágono, em Washington, foram atingidos.
Entre as raras ficções da primeira hora, estão A Última Noite, lançado por Spike Lee em 2002 (saiba mais logo abaixo), e a antologia de curtas-metragens 11 de Setembro, do mesmo ano e lamentavelmente indisponível nas plataformas — mas foi lançada em DVD no Brasil pela Europa Filmes. Onze cineastas de 11 países apresentam sua visão dos atentados em 11 minutos, 9 segundos e um fotograma (referência à data 11/09/01). Entre os diretores, estão a iraniana Samira Makhmalbaf, a indiana Mira Nair, o israelense Amos Gitai e o egípcio Youssef Chahine. Há filmes que se passam no trágico dia — o do francês Claude Lelouch, por exemplo, narra uma comovente e original história de amor entre uma surda e um guia de turismo em Nova York. O japonês Shohei Imamura foi abstrato: ambientou seu filme na Segunda Guerra Mundial, para ligar o fanatismo dos militares de seu país (os inventores dos camicases) ao extremismo islâmico no alvorecer do século 21 — "Não existe guerra santa", estampa no contundente epílogo. Na mesma linha, o inglês Ken Loach não poupa os EUA. De Londres, um chileno escreve uma carta às "queridas mães, pais e entes queridos daqueles que morreram em Nova York" e relembra (com filmes de época) que seus entes queridos também foram assassinados numa terça, 11 de setembro: em 1973, no golpe militar apoiado pela CIA que derrubou o presidente socialista Salvador Allende.
O mexicano Alejandro González-Iñárritu perturba: com a tela preta, intercala uma oração muçulmana, noticiários de rádio, testemunhos, sirenes, exclamações de espanto e recados em secretárias eletrônicas deixados pelas vítimas. Em imagens-relâmpago, aparecem pessoas se atirando do World Trade Center. O estadunidense Sean Penn comove: Ernest Borgnine encarna um viúvo nova-iorquino em um apartamento sob a sombra das torres gêmeas, que impede o desabrochar das flores da mulher amada, com quem ainda conversa através dos vestidos que deita sobre a cama.
Demorou cinco anos para Hollywood se sentir confortável para faturar em cima da tragédia. O intervalo para que a realidade se transformasse em ficção, excessivo para uma indústria sempre atenta a fatos marcantes e temas polêmicos, parece ter sido o necessário para expirar a autocensura e reabrir a ferida, mas adotando um tom respeitoso e realçando o caráter de sagrado do 11 de Setembro. Saíram em 2006 dois filmes que trataram diretamente dos atentados: Voo United 93, de Paul Greengrass, e As Torres Gêmeas, de Oliver Stone. Leia mais sobre esses títulos e confira outras opções disponíveis no streaming na lista abaixo:
A Última Noite (2002)
Adaptação do nova-iorquino Spike Lee para um romance de David Benioff anterior ao 11 de Setembro, é o primeiro filme a mostrar o Ground Zero. Na abertura, aparecem os holofotes que simulavam o WTC, com um lamento islâmico na trilha sonora. A Última Noite foca as derradeiras 24 horas de liberdade de um traficante de drogas (Edward Norton) condenado a sete anos de prisão. Ele personifica a perda da ilusão da invulnerabilidade, o medo pelo futuro de Nova York e o desejo de ficar perto de quem ama: seu pai (Brian Cox), sua namorada (Rosario Dawson) e seus amigos (Barry Pepper e Phillip Seymour Hoffman). (Star+)
Voo United 93 (2006)
No dia em que a Terra parou, eles não ficaram inertes. Enquanto todos assistiam em choque à destruição do World Trade Center, enquanto as autoridades estadunidenses oscilavam entre a indecisão e a confusão, os passageiros do voo 93 da United Airlines viraram, como bem definiu o diretor inglês Paul Greengrass, "os primeiros habitantes do mundo pós-11 de Setembro". Confrontadas com seu terrível destino (o alvo, especula-se, era o Congresso dos EUA), 40 pessoas comuns enfrentaram os sequestradores da Al-Qaeda no céu da Pensilvânia. Como fizera em Domingo Sangrento (2002), sobre o massacre de manifestantes católicos por soldados ingleses na Irlanda do Norte, em 1972, o cineasta adotou o gênero do docudrama em Voo United 93 — que disputou os Oscar de direção e edição. A câmera digital está sempre na mão, e os atores eram desconhecidos. A reconstituição é realista— incluindo pilotos e comissárias de bordo no papel de tripulantes, e controladores de tráfego aéreo e militares repetindo em cena seu trabalho no 11 de Setembro — e bastante impactante. (Disponível para aluguel em Amazon Prime Video, Apple TV e Google Play)
As Torres Gêmeas (2006)
O drama de Oliver Stone se baseia em uma história verídica, a dos policiais portuários John McLoughlin e Will Jimeno (interpretados por Nicolas Cage, em desempenho correto, e Michael Peña, com improváveis traços cômicos), que ficaram soterrados sob as carcaças do WTC. Suas esposas são vividas por Maria Bello e Maggie Gyllenhaal. Diretor com gosto por teorias conspiratórias (vide JFK) e crítico habitual da política externa dos EUA (como em Platoon e Nascido a 4 de Julho), Stone evita o debate e a investigação em As Torres Gêmeas. Prefere a carga emotiva. Mas exagera no tom patriótico e dá contornos de Guerra Santa ao fazer um fuzileiro naval (Michael Shannon) surgir como Jesus Cristo no delírio de Jimeno, por exemplo. (Disponível para aluguel em Apple TV e YouTube)
A Hora Mais Escura (2012)
Primeira mulher a ganhar o Oscar de direção (por Guerra ao Terror, de 2010), Kathryn Bigelow permaneceu em território conflagrado para resumir, em duas horas e meia, os 10 anos da caçada que culminou na execução do terrorista Osama bin Laden por uma tropa de elite da marinha estadunidense, em maio de 2011. Repetindo a parceria com o roteirista Mark Boal, a cineasta reflete em A Hora Mais Escura (que concorreu ao Oscar de melhor filme) dois momentos distintos da política dos EUA. Grosso modo, espelha a força bruta da era George W. Bush na estratégica gestão Barack Obama. No começo, na Arábia Saudita, o agente Dan (Jason Clarke) tortura um prisioneiro que, acredita, tem pistas sobre o paradeiro do líder da Al-Qaeda. Mais adiante, entra em campo a analista da CIA Maya (Jessica Chastain, indicada à estatueta de melhor atriz), que aposta na tecnologia, no cruzamento de dados e na intuição. (Amazon Prime Video, Netflix e Paramount+)