Imaculada (Immaculate, 2024), que, apropriadamente, estreia no Amazon Prime Video nesta sexta-feira 13, e A Primeira Profecia (2024), no Disney+, são o que Hollywood chama de twin films. Os filmes gêmeos, que têm enredos muito semelhantes e são lançados quase ao mesmo tempo por dois estúdios diferentes. Isso pode acontecer por tratarem de temas bastante atuais, como desastres ambientais, ataques terroristas ou aniversários marcantes; por causa de espionagem industrial ou da simples circulação das mesmas ideias nos escritórios de produtores e roteiristas; ou por pura coincidência.
O fenômeno remonta aos tempos do cinema mudo. Em 1913, o romance Ivanhoé ganhou uma adaptação nos Estados Unidos e outra na Inglaterra. Em 1921, houve um Os Três Mosqueteiros em inglês e outro em francês.
A história de Catarina, a Grande, imperatriz da Rússia de 1762 até sua morte, em 1796, foi levada às telas duas vezes em 1934, uma na pele de Elisabeth Bergner, outra na de Marlene Dietrich. Entre os casos famosos, estão Vulcão (1950), de Williem Dieterle, e Stromboli (1950), de Roberto Rossellini. Ambos são sobre mulheres forçadas a se mudarem para uma ilha vulcânica na Itália, onde são mal recebidas pelos habitantes locais.
A lista é longa. Temos Rollerball (1975) e Corrida da Morte: Ano 2000 (1975), A Morte nos Sonhos (1984) e A Hora do Pesadelo (1984), Top Gun: Ases Indomáveis (1986) e Águia de Aço (1986), Robin Hood: O Príncipe dos Ladrões (1991) e Robin Hood: O Herói dos Ladrões (1991), 1492: A Conquista do Paraíso (1992) e Cristóvão Colombo: A Aventura do Descobrimento (1992), Tombstone (1993) e Wyatt Earp (1993), Independence Day (1996) e Marte Ataca! (1996), O Inferno de Dante (1997) e Volcano: A Fúria (1998), Armageddon (1998) e Impacto Profundo (1998), Formiguinhaz (1998) e Vida de Inseto (1998), Planeta Vermelho (2000) e Missão: Marte (2000), O Grande Truque (2006) e O Ilusionista (2006), A Chorona (2019) e A Maldição da Chorona (2019), Pinóquio (2022) e Pinóquio de Guillermo Del Toro (2022)...
Nos Estados Unidos, Imaculada estreou duas semanas antes do que A Primeira Profecia, mas no Brasil chegou quase dois meses depois. Então, foi o filme protagonizado por uma das atrizes mais badaladas do momento — Sydney Sweeney, das séries Euphoria e The White Lotus, da comédia romântica Todos Menos Você (2023) e do famigerado Madame Teia (2024) — que provocou déjà vu.
Escrito pelo desconhecido Andrew Lobel, Imaculada tem direção de Michael Mohan, que já havia trabalhado com Sweeney em Observadores (2021). Como em A Primeira Profecia, a personagem principal é uma noviça estadunidense que desembarca em Roma, onde deve fazer seus votos de pobreza, castidade e obediência para se tornar freira, a convite de um padre — no caso, Tedeschi, personagem do ator espanhol Álvaro Morte, o Professor na série La Casa de Papel.
Como em A Primeira Profecia, o cenário estimula as referências aos diretores italianos Dario Argento, Mario Bava e Lucio Fulci.
Como em A Primeira Profecia, a protagonista, Cecilia, é considerada uma ungida e será atormentada por pesadelos.
Como em A Primeira Profecia, ela se torna amiga de uma jovem que já está há mais tempo no local — a irmã Gwen, vivida por Benedetta Porcaroli, do drama 18 Presentes (2020).
Como em A Primeira Profecia, dentro do ambiente religioso haverá segredos e conspirações envolvendo a concepção de um bebê.
A diferença fundamental é que no prólogo do clássico A Profecia (1976) busca-se uma mãe para o Anticristo, o filho do Diabo, enquanto em Imaculada a criança que a virgem Cecilia traz na barriga seria a encarnação de Jesus. Outras diferenças marcantes têm a ver com a qualidade do filme. Em A Primeira Profecia, a diretora Arkasha Stevenson demonstra mais criatividade visual e capacidade de perturbar do que Michael Mohan, e a atriz Nell Tiger Free apresenta mais recursos dramáticos e nuances do que Sydney Sweeney.
Os dois títulos voltam a exibir parentesco no retrato do controle da Igreja sobre o corpo feminino. Como apontou o crítico Bilge Ebiri no Vulture, Imaculada e A Primeira Profecia vieram à luz após a Suprema Corte dos EUA revogar a decisão conhecida como Roe vs. Wade, de 1973, que garantia nacionalmente o direito ao aborto, desencadeando uma onda de leis estaduais proibitivas. Para Ebiri, não é surpresa o surgimento de filmes gêmeos sobre mulheres "forçadas a nascimentos monstruosos por instituições religiosas preocupadas com a sua crescente irrelevância".
É assinante mas ainda não recebe a minha carta semanal exclusiva? Clique AQUI e se inscreva na minha newsletter.
Já conhece o canal da coluna no WhatsApp? Clique aqui: gzh.rs/CanalTiciano