Em cartaz na Netflix a partir desta sexta-feira (13), Bandida: A Número Um (2024) é mais um filme na longa lista de produções sobre o crime e a violência nas favelas do Rio. Desde Cidade de Deus (2002), já tivemos, por exemplo, Tropa de Elite (2007), Tropa de Elite 2: O Inimigo Agora É Outro (2010), Alemão (2014), Operações Especiais (2015), Pacificado (2019) e Alemão 2 (2021), além de séries como A Divisão (2019), Arcanjo Renegado (2020-), Dom (2021-2024), O Jogo que Mudou a História (2024) e a novíssima Cidade de Deus: A Luta Não Para (2024).
Trata-se de uma adaptação do livro A Número Um (2015), em que Raquel de Oliveira, que nasceu e se criou na Rocinha, romanceia sua trajetória de vida. Aos seis anos, ela experimentou a primeira droga, cola de sapateiro, para inibir a fome. Aos nove, foi entregue pela avó a um bicheiro, para quitar dívidas de jogo. Aos 11, ganhou de presente um revólver. Mais tarde, virou a mulher de Naldo, líder do tráfico de drogas na Rocinha na década de 1980. Após a morte do companheiro em uma sangrenta batalha com a polícia, assumiu o posto.
Na ficção, a personagem recebeu o nome de Rebeca, narra a história e é encarnada na infância pela influenciadora Michely Gabriely (mais de 3 milhões de seguidores no perfil do Tik Tok @filhasiincera) e, depois, pela cantora e atriz Maria Bomani, 24 anos, que foi criada na comunidade da Cidade Alta, em Cordovil, bairro da zona norte do Rio. Ela fez a Verena na novela Amor de Mãe (2019-2021) e também traz no currículo a expulsão do Big Brother Brasil 22, por agredir com um balde a cabeça da participante Natália Deodato — que, curiosamente, tem um pequeno papel em Bandida, na pele de Gigi, amiga da protagonista. O elenco inclui Milhem Cortaz, como o bicheiro Amoroso, Jean Amorim, que interpreta Pará, o grande amor de Rebeca, e o músico pernambucano Otto, como o traficante Del Rey. Entre os coadjuvantes, há ainda Carcará (vivido por João Vitor Nascimento), Boca Mole (Sant), Cara Murcha (Jorge Hissa) e Menor B (JP Rufino).
O longa-metragem foi dirigido por João Wainer, que realizou os documentários Junho: O Mês que Abalou o Brasil (2014) e Doleira: A História de Nelma Kodama (2024) e o suspense A Jaula (2022), além de coassinar os clipes Funk Rave e Aceita, de Anitta. Percebe-se logo de cara a familiaridade com os vídeos da cantora: com múltiplos cortes e variando os ângulos, a edição aposta num frenesi, na tentativa de emprestar sensualidade e risco a cenas que já se tornaram banais na filmografia do crime.
O que Bandida tem de supostamente novo é a perspectiva feminina. Nas entrevistas de divulgação, Wainer disse que "esse é um filme com cenas de ação, de violência, de tiro e de morte, mas parece que o filme não foi construído para que essas cenas existam. Nele, a violência passa a ser uma consequência de outras coisas que acontecem no dia a dia de uma comunidade como aquela, mas ela não está em primeiro plano", como nas obras com protagonismo masculino.
Porém, ainda que toque no tema da violência sexual contra mulheres e meninas e dê peso às relações amorosas, Bandida parece mais do mesmo. A velha jornada de ascensão e queda, temperada por tiros e facadas, transas e emboscadas, álcool e drogas, samba e funk.
A própria estrutura do roteiro é manjada. O filme começa com uma sequência em preto e branco na qual Rebeca grava um depoimento em fita-cassete: "Amanhã a essa hora eu já devo tá morta. Embalada num saco preto numa gaveta do IML. Quer saber? Eu não tô achando isso ruim, não". Daí, já em cores, com cenas em câmera lenta e a canção Deslizes (1987), de Fagner, na trilha, assistimos a um tiroteio entre traficantes e policiais. Flashbacks, com capítulos intitulados ("Novela das oito" é o primeiro), vão reconstituir a jornada de Rebeca até aquele ponto.
É no visual, da ambientação aos figurinos, que Bandida se destaca. O filme foi rodado na comunidade Pavão-Pavãozinho, onde a equipe de produção encontrou, no topo do morro, um lugar chamado de "Vietnã", que ainda conserva características dos anos 1970. Na direção de fotografia, a cargo de Miguel Vassy, o uso de câmera Betacam — inspirado no seriado Lakers: Hora de Vencer (2022-2023) — contribuiu para dar uma textura de época, incrementada pela montagem realizada por Cesar Gananian, que intercala material de arquivo às cenas ficcionais.
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