Nostalgia, violência urbana e o Rio "tipo exportação" se misturam no episódio de estreia da série Cidade de Deus: A Luta Não Para (2024), que vai ao ar neste domingo (25), às 21h, na HBO, entrando simultaneamente no menu da plataforma Max.
O primeiro capítulo teve sessão hors-concours no 52º Festival de Cinema de Gramado, com a presença de seu diretor, o baiano Aly Muritiba (o mesmo de Cangaço Novo), e de muitos atores do elenco. Trata-se de mais um produto da onda nostálgica que bateu em Hollywood (em 2024, há pelo menos 30 continuações, prólogos e reinícios, não raro de títulos lançados décadas atrás) e no Brasil.
Também em Gramado, vimos Estômago 2: O Poderoso Chef, sequência de uma comédia criminal-culinária de 2007, com estreia no dia 29 de agosto. Em dezembro, chega aos cinemas O Auto da Compadecida 2, em que Selton Mello e Matheus Nachtergaele voltam aos papéis de Chicó e João Grilo, vividos em 2000. E houve até um Avassaladoras 2.0, derivado do filme de 2002.
A Luta Não Para retoma Cidade de Deus (2002), filme brasileiro que atraiu 3,3 milhões de pessoas aos cinemas e que virou um marco mundial, com quatro indicações ao Oscar: melhor direção (Fernando Meirelles), roteiro adaptado (Bráulio Mantovani, a partir do romance homônimo de Paulo Lins publicado em 1997), fotografia (César Charlone) e edição (Daniel Rezende). A trama se passa em 2004, 20 anos depois dos eventos do longa-metragem.
— Eu saí da favela, mas a favela não saiu de mim — conta, na narração em off, Buscapé (Alexandre Rodrigues), que se tornou o principal fotógrafo da guerra travada no Rio.
De um lado, estão os traficantes de drogas, com armamentos bem mais pesados. Do outro, os policiais (e "onde tem polícia, tem morte", diz Buscapé). Nessas duas décadas, surgiu uma terceira frente, que "tem cara de polícia e arma da polícia, mas não é polícia", e que "é mais bandido do que todos os bandidos que já conheci": as milícias, sobre as quais o protagonista promete falar mais adiante.
Antes, Buscapé vai apontando onde estão hoje e o que fazem outros personagens, além de apresentar novos rostos. A montagem intercala cenas do filme de 2002 com imagens feitas para o seriado. Pelo andamento acelerado e pela profusão de nomes, convém ao espectador fazer um tema de casa: rever Cidade de Deus para estar inteirado pelo menos sobre o passado.
Barbantinho (interpretado por Edson Oliveira) agora é candidato a vereador. O policial corrupto Reginaldo, o Cabeção (Kiko Marques), virou o secretário de Segurança Pública. A esposa do Mané Galinha ganhou nome, Cinthia (Sabrina Rosa), que é uma líder comunitária, e Berenice (Roberta Rodrigues) é uma empreendedora. Thiago Martins encarna a versão adulta de Bradock, um dos responsáveis pelo assassinato de Zé Pequeno, hoje cumprindo pena na prisão. Andreia Horta faz o papel de Jerusa, fogosa advogada e namorada de Bradock. E Marcos Palmeira (cheio de carisma e muito à vontade no papel) vive Curió, novo chefe do crime organizado, mas também um pai de família — prefere manter a paz na favela na base da diplomacia e do sorriso.
Nos discursos antes da exibição do episódio em Gramado, integrantes do elenco enfatizaram o que consideram uma evolução.
— Há protagonismo feminino, estamos em um lugar de merecimento — disse Roberta Rodrigues.
— Existe amor, existe afeto, existem mulheres fortes que têm nome na favela — comentou Sabrina Rosa.
De fato, na sua primeira metade o capítulo inicial de Cidade de Deus: A Luta Não Para dá destaque a personagens femininas envolvidas nas suas relações familiares e comunitárias e lidando com suas aspirações, incluindo a mãe de Buscapé e a filha do fotógrafo, a MC Leka. Mas a tônica está na violência, no conflito explosivo pelo poder e pelo dinheiro. A ponto que Buscapé praticamente desaparece da história quando Bradock sai da cadeia e vai reivindicar a Curió seu posto como dono de uma boca — verdade seja dita: a última cena é digna de um episódio de Game of Thrones.
Entrementes, A Luta Não Para promove um desfile das atrações turísticas (incluindo as negativas) do Rio. Apenas nesse primeiro episódio, temos Carnaval, funk, praia, Pão de Açúcar, futebol, feijoada, sexo, drogas, tiroteio e malas cheias de dinheiro. Só faltou o jogo do bicho.
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