A conquista do Kikito de melhor filme por Oeste Outra Vez no 52º Festival de Cinema de Gramado foi como marcar o gol da virada e do título no último minuto de jogo. Na verdade, do ponto de vista numérico, nem houve virada na cerimônia realizada na noite deste sábado (17) no Palácio dos Festivais. O excelente faroeste rodado na Chapada dos Veadeiros pelo diretor goiano Erico Rassi saiu com menos prêmios do que a contestada comédia criminal-culinária Estômago 2: O Poderoso Chef, do paranaense Marcos Jorge. Mas levou o mais importante, evitando o que, pelo menos entre os críticos, seria considerada uma tremenda zebra.
Junto à imprensa, Oeste Outra Vez foi um dos mais aplaudidos títulos da competição de longas-metragens nacionais. No filme que tem lançamento comercial previsto para janeiro ou fevereiro de 2025, Ângelo Antônio interpreta Totó, que, inconformado após ter sido abandonado por Luiza (Tuanny Araújo), contrata um velho pistoleiro, Jerominho (Rodger Rogério), para matar o novo par da mulher, Durval (Babu Santana). Esse é um resumo simplificado de um filme que aposta no não-dito e em diálogos enviesados para falar sobre a masculinidade frágil. Seus personagens são homens patéticos que só têm a bebida e a bala como companheiras fiéis, sujeitos que não conseguem expressar o que sentem nem quando um amigo se dispõe a ouvi-los. (Clique aqui para ler mais.)
Oeste Outra Vez passou a ter um forte concorrente após a exibição de Cidade; Campo, de Juliana Rojas, que acabou recebendo o Prêmio da Crítica (fui voto vencido). Estômago 2 não estava, definitivamente, entre os maiores candidatos ao principal Kikito.
A premiação comandada por Marla Martins e Roger Lerina começou com um alerta para o futuro campeão da noite. No debate sobre Oeste Outra Vez, o veterano crítico Luiz Carlos Merten brincou que a categoria de montagem já tinha vencedor, Leopoldo Joe Nakata, mas quem subiu ao palco foi o diretor baiano Aly Muritiba, representando Karen Akerman, de Barba Ensopada de Sangue.
Estômago 2 ganhou os dois prêmios seguintes, direção de arte (outra derrota sentida para Oeste Outra Vez: o trabalho de Carol Tanajura é ótimo) e trilha musical. O octogenário Rodger Rogério confirmou o favoritismo de Oeste Outra Vez na categoria de ator coadjuvante, e André Carvalheira botou o filme goiano à frente do placar logo depois, em melhor fotografia.
Mas daí Estômago 2 marcou um gol inesperado. Venceu em roteiro, apesar de ser uma repetição da fórmula do filme original, lançado em 2007, e apesar de ter tirado o protagonismo do carismático Nonato para centrar foco em um ator italiano que se transforma, abruptamente, em mafioso cruel, o Don Caroglio, com uma trajetória cheia de lugares-comuns das histórias sobre a Máfia. Foi um susto em quem torcia para Oeste Outra Vez ou Cidade; Campo.
A essa altura, as escolhas do júri formado pela atriz e cantora Emanuelle Araújo, o ator Samuel de Assis, a cineasta Liliana Sulzbach, a produtora Vania Cattani e o diretor alemão Ansgar Ahlers indicavam uma vontade de reconhecer pelo menos uma vez todos os sete competidores. Os jurados laurearam Pasárgada como melhor desenho de som e Genilda Maria, de Filhos do Mangue, como atriz coadjuvante. E concederam o Prêmio Especial do Júri ao elenco feminino de O Clube das Mulheres de Negócios, que não contava com nenhum representante no Palácio dos Festivais. Essa ausência estranha e não explicada — problemas de agenda? motivos de força maior?descaso? derrotismo? — gerou um comentário espirituoso de Roger Lerina:
— Devem estar trabalhando, já que são todas mulheres de negócios.
Depois de uma ausência estranha, veio um Kikito estranho: o júri premiou como melhor ator o protagonista de Estômago 2, Nicola Siri, e também seu coadjuvante, João Miguel. Ângelo Antônio, de Oeste Outra Vez, e Felipe Camargo, de Filhos do Mangue, pareciam estar mais cotados. Foi outro susto.
Como nem Oeste Outra Vez, nem Estômago 2 tem protagonismo feminino, o troféu de melhor atriz ficou em ótimas mãos, as de Fernanda Viana (Cidade; Campo). A categoria seguinte, a de direção, em tese sinalizaria quem voltaria ao palco para o Kikito de melhor filme. Ou não. Ao contrário do Oscar, em festivais é bastante comum dar o principal prêmio para um longa e o de direção para outro. Mas o júri de Gramado intensificou o suspense e deu mais um susto ao nomear Eliane Caffé, de Filhos do Mangue, obra acidentada que a própria realizadora, na entrevista coletiva, admitiu "ter problemas". Agora, podia-se dizer que três títulos chegariam com chances ao derradeiro momento da noite: Estômago 2, Filhos do Mangue e Oeste Outra Vez.
Antes, houve a revelação do vencedor do Júri Popular: foi o quinto Kikito de Estômago 2, e o que mais deve embalar sua estreia nos cinemas, no dia 29 de agosto.
— Faço filmes para o público, então, comemoro muito esse prêmio — disse o diretor Marcos Jorge.
O silêncio tomou conta do Palácio dos Festivais na hora da abertura do último envelope, aquele que, como apontou a produtora de Oeste Outra Vez, Cristiane Miotto, relembrou que o cinema brasileiro não existe apenas no Sudeste, no Sul e no Nordeste — a exemplo do que aconteceu em 2022, quando Gramado consagrou Noites Alienígenas, do Acre, na região Norte.
— Acho importante dizer que para o cinema fora do eixo, o cinema do Centro-Oeste, o cinema tão pulverizado do Brasil continuar acontecendo, nós precisamos de políticas públicas, nós precisamos que o dinheiro, os recursos cheguem para que profissionais possam mostrar seu talento e contar suas histórias — afirmou Miotto.
Erico Rassi, por sua vez, permitiu-se uma "cafonice":
— Quero dedicar o prêmio a meu pai, que, quando eu tinha 10 anos, me deu uma camcorder (uma câmera digital) de presente. Não sei se ele está assistindo à premiação, mas se não estiver, tudo bem: a parte dele ele já fez.
E, já com a taça na mão, um dos integrantes da equipe de Oeste Outra Vez comentou comigo:
— Não precisava ser com tanto susto!
Os premiados do 52º Festival de Cinema de Gramado
Longas-metragens brasileiros
- Melhor filme: Oeste Outra Vez, de Erico Rassi
- Melhor direção: Eliane Caffé, por Filhos do Mangue
- Melhor ator: Nicola Siri e João Miguel, por Estômago 2: O Poderoso Chef
- Melhor atriz: Fernanda Vianna, por Cidade; Campo
- Melhor roteiro: Bernardo Rennó, Lusa Silvestre e Marcos Jorge, por Estômago 2
- Melhor fotografia: André Carvalheira, por Oeste Outra Vez
- Melhor montagem: Karen Akerman, por Barba Ensopada de Sangue
- Melhor ator coadjuvante: Rodger Rogério, por Oeste Outra Vez
- Melhor atriz coadjuvante: Genilda Maria, por Filhos do Mangue
- Melhor direção de arte: Fabíola Bonofiglio e Massimo Santomarco, por Estômago 2
- Melhor trilha musical: Giovanni Venosta, por Estômago 2
- Melhor desenho de som: Beto Ferraz, por Pasárgada
- Prêmio especial do júri: O Clube das Mulheres de Negócios, de Anna Muylaert
- Prêmio da Crítica: Cidade; Campo, de Juliana Rojas
- Júri popular: Estômago 2, de Marcos Jorge
Curtas-metragens brasileiros
- Melhor filme: Pastrana (RS), de Melissa Brogni e Gabriel Motta (clique aqui para ler sobre a premiação e sobre o curta)
- Melhor direção: Lucas Abrahão, por Maputo (SP)
- Melhor roteiro: Adriel Nizer, por A Casa Amarela (PR)
- Melhor ator: Wilson Rabelo, por Ponto e Vírgula (RJ)
- Melhor atriz: Edvana Carvalho, por Fenda (CE)
- Melhor fotografia: Livia Pasqual, por Pastrana
- Melhor montagem: Bruno Carboni, por Pastrana
- Melhor direção de arte: Coh Amaral, por Maputo
- Melhor trilha musical: Liniker, por Ponto e Vírgula
- Melhor desenho de som: Felippe Mussel, por A Menina e o Pote (PE)
- Prêmio especial do júri: Ponto e Vírgula, de Thiago Kistenmacher
- Júri popular: Ana Cecília (RS), de Julia Regis
- Prêmio Canal Brasil de Curtas: Maputo, de Lucas Abrahão
- Prêmio da Crítica: Fenda, de Lis Paim
- Menções honrosas: Ressaca (MG), de Pedro Estrada, Via Sacra (DF), de João Campos, Navio (RN), de Alice Carvalho, Larinha R. Dantas e Vitória Real, e Maputo, de Lucas Abrahão
Documentários
Melhor filme: Clarice Niskier: Teatro dos Pés à Cabeça, de Renata Paschoal