O melhor faroeste de 2024 é do Brasil e está competindo pelos Kikitos no 52º Festival de Cinema de Gramado. Escrito e dirigido por Erico Rassi, Oeste Outra Vez abriu a programação do Palácio dos Festivais na noite desta segunda-feira (12), quando também foram exibidos os seis primeiros curtas nacionais da disputa, com destaque para o gaúcho Pastrana, de Melissa Brogni e Gabriel Motta.
Com estreia prevista para janeiro, Oeste Outra Vez é o segundo filme de Rassi, autor de Comeback: Um Matador Nunca se Aposenta (2017), história rodada no município goiano de Anápolis sobre um ex-pistoleiro (o último papel do ator Nelson Xavier) que, em meio às humilhações do dia a dia, decide retomar seu antigo ofício. O novo longa também foi produzido no interior de Goiás, na Chapada dos Veadeiros, "bem no meio do Brasil", como frisou a produtora Cristiane Miotto no palco do Palácio dos Festivais.
A sinopse do filme é tão perfeita, que vale repetir: homens brutos que não conseguem lidar com suas fragilidades são constantemente abandonados pelas mulheres que amam. Tristes e amargurados, eles se voltam violentamente uns contra os outros.
Daí a aridez do cenário fotografado por André Xará Carvalheira, de onde quase se pode sentir o cheiro de carniça. Daí os casebres com tijolo à vista, iluminação precária e pias amontoadas de louça suja, trabalho da diretora de arte Carol Tanajura. Daí a montagem sem pressa assinada por Rassi e Leopoldo Joe Nakata, traduzindo a melancolia e a pasmaceira dos personagens, homens que só têm a bebida e a bala como companheiras fiéis, sujeitos que não conseguem falar o que sentem nem quando um amigo se dispõe a ouvi-los. Daí a presença, na trilha sonora, de canções como Eu Também Sou Sentimental (1970), de Nelson Ned: "Quem é que não teve na vida / Um problema de amor / Uma desilusão? Quem é que não guarda consigo / Uma triste saudade / No seu coração? / Quem é que não foi / Pelo menos uma vez na vida / Um bobo de alguém?".
O conflito é estabelecido logo de cara. Premiado por 2 Filhos de Francisco: A História de Zezé di Camargo & Luciano (2005), Ângelo Antônio tem outra ótima atuação na pele de Totó, inconformado pela mulher encarnada por Tuanny Araújo estar agora com Durval, que é vivido por Babu Santana, laureado pela Academia Brasileira de Cinema por Estômago (2007, como coadjuvante) e por Tim Maia (2014, como melhor ator).
Os dois trocam sopapos e pontapés na estrada. Por causa da diferença de tamanho, naturalmente Totó leva a pior. A perna ferida é o de menos, o que dói é a solidão. "Não dá para arranjar uma mulher menos complicada?", pergunta um interlocutor. "Eu gosto muito dela", ele responde.
A solução, então, é tirar Durval do caminho: Totó decide contratar um velho pistoleiro que usa chapéu e se movimenta a cavalo, Jerominho (Rodger Rogério, visto em Bacurau e Pacarrete). É aí que Oeste Outra Vez vai realçar suas características de faroeste, ao mesmo tempo em que permite uma aproximação com o cinema dos irmãos Coen (eles também adeptos do gênero, vide Onde os Fracos Não Têm Vez, Bravura Indômita, A Balada de Buster Scruggs), marcado por personagens patéticos que se envolvem em uma trama cheia de erros e imprevistos e por uma mistura de humor com violência.
Na interação de Totó com Jerominho, salta aos ouvidos outra virtude do filme: os diálogos milimetricamente escritos, que sabem extrair o melhor dos atores. O matador veterano tem um coloquialismo saboroso e reiterativo. O protagonista é dado a declarações enviesadas:
— Vamos dizer que acontecesse uma coisa ruim com uma pessoa, e no dia seguinte o senhor recebesse um envelope. Quanto dinheiro precisaria ter dentro desse envelope?
Em uma última tentativa de convencer Durval a se separar, para que a mulher reatasse com ele, Totó solta outra pérola ao ameaçar o rival:
— Se alguém te falasse que hoje é o último dia da tua vida, você faria alguma coisa diferente? Porque se você fizesse, talvez não fosse o último dia da tua vida.
A rebatida seca de Durval é tão mortal quanto um tiro de espingarda:
— Alguém já voltou para você?