O cinema chileno vive uma grande fase. Premiado pela crítica na mostra Um Certo Olhar do Festival de Cannes do ano passado, Os Colonos (Los Colonos, 2023) é outro baita filme do país que venceu o Oscar internacional com Uma Mulher Fantástica (2015), de Sebastián Lelio, disputou a estatueta de melhor documentário com O Agente Duplo (2020) e A Memória Infinita (2023), ambos assinados por Maite Alberdi, e nos brindou com títulos como Ema (2019), de Pablo Larraín, Imersão (2021), de Nicolás Postiglione, e 1976 (2022), de Manuela Martelli.
Em cartaz na plataforma MUBI, trata-se do primeiro longa-metragem dirigido por Felipe Gálvez, que coescreveu o roteiro com Antonia Girardi e Mariano Lilinás. Curiosamente, fez sua estreia em Cannes, onde, fora de competição, era exibido um filme aparentado de um cineasta veterano: Assassinos da Lua das Flores (2023), de Martin Scorsese.
Ambos podem ser enquadrados na categoria de faroeste revisionista. Um ambientado na fronteira do Chile com a Argentina, no inóspito arquipélago da Terra do Fogo, e o outro, no Oklahoma, nos Estados Unidos, ambos retratam o massacre das populações nativas pelos homens brancos, por motivos que vão da ganância ao racismo, do ego masculino a um suposto progresso. Ambos colocam personagens indígenas no centro da narrativa: são por seu ponto de vista que testemunhamos a perfídia e a crueldade. Os períodos históricos não são muito distantes: Assassinos da Lua das Flores começa em 1919, quando o protagonista (Leonardo DiCaprio) retorna da Primeira Guerra Mundial, e Os Colonos tem início em 1901. E os dois títulos se permitem um salto no tempo em seu epílogo, no qual lançam mão da ironia para criticar a institucionalização da violência e a hipocrisia sociopolítica.
Na trama de Os Colonos, Camilo Arancibia interpreta Segundo, um jovem mestiço que é recrutado por um ex-militar escocês, o brutal MacLennan (papel de Mark Stanley, o policial Hugo Duffy da série Criminal: Reino Unido), para uma expedição a cavalo a mando do fazendeiro José Menéndez (encarnado pelo grande Alfredo Castro, o Ricardo Darín dos chilenos). Junta-se aos dois o mercenário estadunidense Bill (Benjamin Westfall).
O objetivo declarado é abrir uma rota até o Atlântico para as ovelhas comercializadas por Menéndez. Nas entrelinhas, contudo, está bem clara a ordem do patrão: "limpar a ilha" significa exterminar o máximo de Onas, um dos povos indígenas da Terra do Fogo, dentro daquilo que ficou conhecido como Genocídio Selk'nam.
Na companhia do diretor de fotografia italiano Simone D'Arcangelo e do editor francês Matthieu Taponier (de O Filho de Saul), Felipe Gálvez trabalha com marcas visuais do faroeste: as armas de fogo, as cavalgadas, as fogueiras noturnas. Muitas das cenas são bem abertas, com a câmera longe, para contrastar os personagens à vastidão opressiva do cenário. Mas o cineasta também sabe a hora de fazer do rosto de seus atores uma paisagem, onde expressam raiva, medo, dor. Aliás, como são frágeis os homens brancos de Os Colonos, sempre empenhados em provar sua masculinidade, a todo tempo uns querendo dominar os outros. Violentar é a única língua que conhecem.