Já está disponível no Amazon Prime Video Zona de Interesse (The Zone of Interest, 2023), que venceu o Oscar internacional e o de som ((um trabalho fenomenal encabeçado por Johnnie Burn e Tarn Willers), além de ter concorrido aos troféus de melhor filme, direção (Jonathan Glazer) e roteiro adaptado na premiação da Academia de Hollywood.
A perturbação que Zona de Interesse provoca no espectador começa antes mesmo da primeira cena — mas esse efeito talvez só funcione nas salas de cinema, e não nas de casa. Depois que aparecem os créditos de produção, o nome do diretor e o título, a tela permanece imaculadamente preta por uns dois minutos, deixando o público na escuridão completa, enquanto a assombradora música composta por Mica Levi transborda pelas caixas de som. O recurso funciona como um alerta: é preciso escutar o que não está sendo mostrado neste drama ambientado na Segunda Guerra Mundial que retrata o cotidiano do comandante do campo de concentração nazista de Auschwitz junto a sua família.
Vencedor do Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes, Zona de Interesse foi escrito pelo próprio Glazer, a partir do romance homônimo de Martin Amis (1949-2023). No Oscar de melhor filme internacional, representou o Reino Unido, mas é falado em alemão. E foi quase todo rodado na Polônia, onde o designer de produção Chris Oddy converteu uma casa abandonada em uma réplica da residência e do jardim de Rudolf Höss (1901-1947), oficial que, em Auschwitz, testou e implementou métodos de matança para concretizar o genocídio do povo judeu — o Holocausto — a mando de Adolf Hitler. Pelo menos 1,1 milhão de prisioneiros foram exterminados, se não nas câmaras de gás, em decorrência da fome, de doenças, de trabalhos forçados, de experiências médicas ou em execuções individuais.
Trata-se do quarto longa-metragem do britânico Glazer, 59 anos, que é judeu e começou a carreira dirigindo videoclipes das bandas Massive Attack, Blur, Jamiroquai e Radiohead. Os anteriores foram Sexy Beast (2000), que valeu a Ben Kingsley uma indicação ao Oscar de ator coadjuvante, Reencarnação (2004), estrelado por Nicole Kidman, e Sob a Pele (2013), com Scarlett Johansson.
Nesse intervalo de uma década, o pai do cineasta tentou dissuadi-lo da ideia de "ressuscitar" os Höss no cinema — o filho deveria "deixá-los apodrecendo no passado". Mas, para Glazer, segundo entrevista concedida ao jornal The Guardian, a tragédia do nazismo "tem que ser contada e recontada. A questão essencial não é se você deveria fazer isso, mas como. É preciso encontrar novos paradigmas (ou novos ângulos), para reafirmar (o Holocausto) geração após geração, especialmente à medida que o número de sobreviventes diminui e a memória viva se torna história. Fiz este filme para tentar restaurar a nossa proximidade com este acontecimento terrível que pensamos ser do passado. Para mim, nunca está no passado. Está sempre a poucos passos de distância".
A propósito, no discurso de agradecimento pelo Oscar Glazer uniu passado e presente: disse que sua obra mostra o pior da mesma "desumanização" que fez vítimas tanto no ato terrorista do Hamas em Israel no dia 7 de outubro de 2023 quanto no ataque em curso das forças israelenses aos palestinos de Gaza. Também provocou protestos da comunidade judaica ao afirmar que o judaísmo e o Holocausto estariam sendo "sequestrados" para justificar uma "ocupação que levou a um conflito para tantas pessoas inocentes".
A forma a serviço da ideia em "Zona de Interesse"
Jonathan Glazer compartilha da visão de Hannah Arendt (1906-1975), que, durante o julgamento do tenente-coronel Adolf Eichmann em Jerusalém, em 1961, cunhou o conceito da banalidade do mal. A filósofa alemã de origem judaica "compreendeu como o mal havia penetrado de tal forma na vida das pessoas, na Alemanha de Hitler, que se tornara parte do cotidiano, sem despertar qualquer surpresa ou estranhamento", conforme escreveu o professor de História na UFRGS Nilton Mullet Pereira em artigo publicado em GZH no final de 2021. Os monstros nazistas eram, na verdade, pessoas como quaisquer outras, pais de família que vão à igreja aos domingos ou que, como os personagens de Zona de Interesse, leem histórias para seus filhos dormirem à noite. Quando a violência, o racismo (ou o preconceito) e a ilusão são uma política de Estado, cidadãos podem, por incapacidade de formar juízo crítico ou por vontade própria, desligar seus preceitos morais e incorporar a crueldade à rotina. Podem fechar os olhos e os ouvidos ao horror.
Em Zona de Interesse, a forma está a serviço dessa ideia. Jonathan Glazer e o diretor de fotografia polonês Lukasz Zal (indicado ao Oscar por Ida, em 2014, e por Guerra Fria, em 2019) distribuíram cerca de 10 câmeras pelo cenário e as mantiveram operando simultaneamente. Era "um Big Brother na casa nazista", como apelidou o cineasta, para flagrar os improvisos dos atores e as ações cotidianas de seus personagens — os principais são Rudolf Höss, interpretado por Christian Friedel, o professor da escola em um filme sobre a gênese do nazismo, A Fita Branca (2009), e sua esposa, Hedwig, papel de Sandra Hüller, concorrente ao Oscar de melhor atriz por Anatomia de uma Queda (2023).
Eles têm cinco filhos, com os quais levam uma vida idílica na Interessengebiet (zona de interesse, em alemão), nome que descreve a área ao redor de Auschwitz. Fazem piquenique à beira do rio, cuidam do jardim, banham-se na piscina, comemoram aniversários. Também passam por crises domésticas, como uma família comum, mas a humanização proposta por Glazer não implica empatia. Não à toa, o diretor é parcimonioso no uso da trilha sonora (mais empregada nos interlúdios com efeito negativo em que uma menina protagoniza gestos secretos de solidariedade) e adota um distanciamento nos enquadramentos, evitando closes e utilizando apenas luz natural para realçar a frieza dos personagens. Höss conduz a indústria da morte como se fosse uma mera linha de produção — "produtos", aliás, é o termo com o qual designa os judeus enquanto discute o planejamento de um crematório. Hedwig não é alheia ao trabalho do marido, pelo contrário: usufrui de roupas, cosméticos e joias confiscados das vítimas.
Höss e Hedwig jamais citam as atrocidades perpetradas do outro lado do muro de sua casa, vislumbradas apenas na fumaça expelida pelas chaminés. Tampouco a câmera visita o campo de extermínio — a não ser no impactante epílogo, que une a ficção com o real, o passado com o presente, a denúncia com a memória. Jonathan Glazer nunca explicita a violência, tanto para não fetichizar o Holocausto quanto para fortalecer seu argumento: o de que, sob certas circunstâncias, voluntariamente ou por inércia, estamos sujeitos a ignorar (ou mesmo a praticar) atos perversos.
Os Höss escolheram ser indiferentes ao sofrimento alheio — um sofrimento ao qual os personagens e os espectadores estão expostos o tempo todo. Em Zona de Interesse, existe o filme que você vê e o filme que você ouve. Os técnicos de som Johnnie Burn e Tarn Willerslevaram um ano para construir uma atmosfera sonora que provoca mal-estar. Escutamos — ora abafados, ora em volume mais alto, mas sempre presentes — gritos, gemidos, latidos, estampidos de armas de fogo, o barulho das botas de soldados em marcha ou de um trem que traz mais judeus, os ruídos dos fornos crematórios. Os personagens são surdos por conveniência, têm audição seletiva. Enquanto Rudolf e um de seus filhos cavalgam pelos campos próximos, com o rugido dos guardas e o clamor dos prisioneiros ao fundo, o pai chama a atenção do garoto: "Você ouviu isso? É um abetouro. Da família das garças. Uma garça-real-europeia".