Por mais que receber uma indicação já seja uma vitória, o Oscar é uma festa com mais perdedores do que ganhadores. Mas há uma categoria da premiação realizada pela Academia de Hollywood em que a competição é extremamente cruel: a de melhor filme internacional.
O massacre já começa no processo de seleção. Cada país só pode inscrever um filme. Nesta edição, foram 93, vindos da Albânia e do Vietnã, da Arábia Saudita e da Venezuela. Para uma cinematografia forte, como a da França, por exemplo, esse limite significou ter de escolher, para a disputa de 2022, entre a Palma de Ouro no Festival de Cannes, Titane, e o Leão de Ouro no Festival de Veneza, O Acontecimento (o primeiro foi selecionado, mas acabou não indicado).
Essa regra também explica por que, em 2023, ficou de fora da briga um dos fenômenos da temporada, o indiano RRR: Revolta, Rebelião, Revolução, que no troféu Critics' Choice, concedido pelos críticos de rádio, TV e internet dos Estados Unidos e do Canadá, superou três dos concorrentes à estatueta dourada — Argentina, 1985 (Argentina), Close (Bélgica) e Nada de Novo no Front (Alemanha). O país asiático optou por submeter The Last Film Show, que foi um dos 15 semifinalistas do Oscar, na chamada shortlist, mas não avançou para a premiação deste domingo (12) em Los Angeles, na qual competem ainda EO (Polônia) e A Menina Silenciosa (The Quiet Girl, Irlanda).
Se você reparou no número de inscritos no Oscar internacional, já deve ter feito mentalmente a conta: para chegar a esses 15, a Academia de Hollywood eliminou, de uma tacada, 78 filmes — incluindo o brasileiro Marte Um (vencedor de quatro Kikitos no Festival de Gramado), o espanhol Alcarrás (Urso de Ouro no Festival de Berlim) e o ucraniano Klondike (premiado nas mostras de Sundance e de Berlim), além do australiano Você Não Estará Só (para mim, um dos cinco melhores de 2022).
Já nas semifinais, caíram pelo menos três obras elogiadíssimas: a austríaca Corsage (que valeu a Vicky Krieps o prêmio de melhor atriz no European Awards), a francesa Saint Omer (que rendeu à cineasta Alice Diop o Leão de Prata no Festival de Veneza) e a sul-coreana Decisão de Partir (que deu a Park Chan-wook o troféu de diretor em Cannes). Ou seja: daria para montar uma baita lista de 10 concorrentes.
Se o Oscar gosta de posar como a maior festa do cinema mundial, por que não dobrar de cinco para 10 o número de indicados? A Academia de Hollywood fez essa multiplicação na estatueta de melhor filme, em 2010, para garantir que sucessos de bilheteria não fossem esquecidos. Agora, em nome da globalização que tanto prega, poderia fazer o mesmo na categoria internacional.
Afinal, até os detratores do Oscar reconhecem a visibilidade que a premiação traz. Muita gente só toma conhecimento de um filme do Butão (A Felicidade das Pequenas Coisas), da Tunísia (O Homem que Vendeu sua Pele) ou da Bósnia e Herzegovina (Quo Vadis, Aida?) por causa da indicação.
Mas às vezes nem a indicação garante visibilidade. Pelo menos nos últimos anos, os ouvidos que os membros da Academia de Hollywood estão dando às produções faladas em outros idiomas provoca um efeito colateral: o filme está indicado, mas "some" diante do favorito, que também está competindo em outras categorias. "Se é tão bom a ponto de concorrer também a melhor filme, então só preciso ver este", pode pensar o espectador.
Em 2019, as 10 indicações do mexicano Roma podem ter feito muita sombra a seus rivais — Nunca Deixe de Lembrar (Alemanha), Assunto de Família (Japão), Cafarnaum (Líbano) e Guerra Fria (Polônia).
Em 2020, Dor e Glória (Espanha), Os Miseráveis (França), Honeyland (Macedônia do Norte) e Corpus Christi (Polônia) deram azar de enfrentar o sul-coreano Parasita, que acabou conquistando quatro das seis categorias em que competiu.
Em 2022, o japonês Drive my Car, com quatro indicações, incluindo melhor filme e direção, atropelou as pretensões do já citado A Felicidade das Pequenas Coisas, de Fuga (Dinamarca), de A Mão de Deus (Itália) e de A Pior Pessoa do Mundo (Noruega).
Em 2023, o alemão Nada de Novo no Front desponta como favoritaço, por ter vencido sete Baftas, da Academia Britânica, e estar disputando nove categorias no Oscar. Argentina, 1985 teve um pouco de holofote, ao ganhar o Globo de Ouro. Para o belo belga Close, que pelo menos foi laureado no Festival de Cannes, em maio, o consolo é ter ficado próximo dos prêmios da temporada (também concorreu no Globo de Ouro e no Critics' Choice). Já o polonês EO e o irlandês A Menina Silenciosa nem aproveitaram, no Brasil, a vitrine da indicação à estatueta dourada — sequer há previsão de estreia para ambos os títulos.