Tem sessões de pré-estreia a partir desta quinta-feira (23) nos cinemas Espaço Bourbon Country e GNC Moinhos, em Porto Alegre, Close (2022), indicado ao Oscar de melhor filme internacional, representando a Bélgica, e dirigido por Lukas Dhont. Talvez este triste e belo drama sobre amizade, masculinidade tóxica e homofobia na adolescência não tenha força para, em 12 de março, enfrentar o favoritismo do alemão Nada de Novo no Front, concorrente em outras oito categorias da premiação de Hollywood e impulsionado pela conquista de sete troféus — incluindo os de melhor longa e melhor direção, para Edward Berger — no Bafta, entregue pela Academia Britânica no domingo (19). Mas certamente é um título que também merece vencer.
Close já bateu na trave no Globo de Ouro (perdeu para Argentina 1985, também na briga pelo Oscar), no Critic's Choice, da associação de críticos de rádio, TV e internet dos EUA (foi derrotado pelo indiano RRR: Revolta, Rebelião, Revolução, que, na premiação de Hollywood, só compete na categoria de canção original) e no troféu da Academia Europeia (que escolheu Triângulo da Tristeza, do sueco Ruben Östlund, um dos 10 indicados à estatueta dourada de melhor filme). Mas também marcou gols: recebeu o Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes (onde o mesmo Triângulo da Tristeza levou a Palma de Ouro), venceu a votação do público no Mix Brasil (dedicado a obras com temática LGBTQIA+) e foi eleito o estrangeiro da temporada pela National Board of Review (organização de críticos criada em 1909, em Nova York).
Em Cannes, Lukas Dhont já havia sido premiado com o Camera d'Or, para diretor estreante, a Palma Queer e o troféu da Federação Internacional de Críticos de Cinema, a Fipresci. Todos foram pelo seu primeiro longa-metragem, Girl (2018, disponível na Netflix), que também concorreu ao Globo de Ouro. Na trama, a bailarina transexual Lara (interpretada por Victor Polster), 15 anos, enfrenta barreiras físicas e emocionais enquanto lida com sua transição de gênero.
A aclamação no festival francês, a sua nacionalidade e o foco na adolescência permitem filiar Dhont, 31 anos, aos irmãos belgas Jean-Pierre Dardenne, 71 anos, e Luc Dardenne, 68. A dupla recebeu duas vezes a Palma de Ouro, por Rosetta (1999) e por A Criança (2005), o Prêmio Especial do Júri por O Garoto da Bicicleta (2011) e os troféus de melhor direção, por O Jovem Ahmed (2019), e melhor roteiro, por O Silêncio de Lorna (2008). O currículo deles inclui A Promessa (1996), O Filho (2002) e Tori e Lokita (2020), que também trazem personagens adolescentes.
Embora os Dardenne sejam cronistas dos dramas da classe trabalhadora e da população imigrante e Dhont, até agora, tenha se concentrado nas questões de gênero e sexualidade, percebe-se uma aproximação também na forma como esses diretores contam suas histórias. Em Close, a abordagem é tão realista, tão naturalista, que por instantes podemos achar estar assistindo a um documentário. Mas essa impressão é logo desfeita pelo talento assombroso do ator novato Eden Dambrine. Seu rosto — sobretudo seu olhar — e seu corpo prescindem da palavra para transmitir todos os sentimentos e dilemas do protagonista.
O personagem de Dambrine é Léo, 13 anos, filho caçula de agricultores que cultivam flores e melhor amigo de Rémi (Gustav De Waele, outro ator estreante), que tem a mesma idade e estuda oboé para um dia, quem sabe, tornar-se músico. Por estarem sempre juntos, brincando no escuro, correndo no campo, andando de bicicleta, Léo é chamado de "filho do coração" pela mãe de Rémi, Sophie (em ótimo desempenho de Émilie Dequenne, atriz premiada em Cannes por, coincidentemente, um filme dos irmãos Dardenne, Rosetta).
Os dois garotos não se desgrudam, inclusive dormem abraçados. Mas não são namorados. Ou não importa se são ou não são, como disse Lukas Dhont em entrevista ao site da Vanity Fair:
— Sempre disse aos atores de Close: "Não me importo com a sexualidade desses personagens, se Léo e Rémi são gays ou não". Quando leio relatos de meninos como eles, alguns deles podem ser queer, outros não. Mas eles compartilham essa experiência de estarem desconectados uns dos outros pelos códigos de comportamento ligados ao corpo em que nasceram. Para mim, o ponto do filme é nos fazer sentir que matamos a bela amizade entre meninos desde muito jovens. Nós realmente tentamos fazer um filme, por um lado, sobre a fragilidade, sobre a ternura, mas também sobre o que acontece quando privamos os jovens dessa fragilidade, dessa ternura.
Na mesma entrevista, Dhont falou sobre uma inspiração para Close, que ele escreveu com Angelo Tijssens, coautor do roteiro em Girl. Trata-se de uma pesquisa conduzida pela psicóloga estadunidense Niobe Way, que acompanhou a vida de 150 garotos ao longo de cinco anos:
— Quando ela os entrevistou aos 13 anos e eles falam sobre seus amigos, eles expressam como se fossem histórias de amor. Eles se atrevem a usar a palavra "amor" um para o outro da maneira mais terna e bonita. À medida que envelhecem e as expectativas de masculinidade se tornam mais fortes neles, ficam completamente desconectados dessa linguagem. Sinto que vivemos em uma sociedade onde masculinidade e intimidade são conceitos muito difíceis de unir. Sinto que dizemos aos homens que o único lugar onde eles podem encontrar intimidade neste mundo é através do sexo e que expressar amor e vulnerabilidade para outro homem parece ser algo incrivelmente complexo. Frequentemente, temos imagens de comportamento tóxico, de violência, de guerra, representadas quando se trata de masculinidade, mas raramente vemos uma amizade íntima e bonita em que dois meninos se deitam juntos na cama e só querem estar tão próximos (close, em inglês).
Eis o conflito dramático do filme: ao retomarem a rotina escolar, após as férias de verão, Léo e Rémi são confrontados por perguntas curiosas e piadinhas homofóbicas de seus colegas, por conta da ligação existente entre eles. Os espaços a céu aberto captados pelo diretor de fotografia Frank van den Eeden no começo de Close vão minguando à medida que os dois amigos perdem a liberdade de serem como são. Pressionados, por um lado, pela confusão emocional típica da puberdade e, por outro, pelas convenções sociais, calcadas na agressividade e na repressão, cada um reage de uma maneira.
Rémi parece não dar bola às insinuações e continua oferecendo e buscando carinho junto ao Léo. Mas este, agora, se recusa a deixar sua barriga servir de repouso para a cabeça do amigo durante o recreio. Léo procura se ajustar às expectativas da maioria, tenta se enturmar, participar das rodas de conversa, enquanto Rémi fica à margem, junto aos excluídos. Ainda que jamais verbalizado, há um rompimento, que machuca ambos — e, de novo, cada um reage de uma maneira.
Como que para provar sua masculinidade, Léo entra no time de hóquei no gelo. A escolha do esporte é significativa não apenas pela violência característica. O gelo, obviamente, remete à frieza, ao sufocamento das emoções. O hóquei requer uma armadura, que, simultaneamente, deixa Léo com uma aparência mais forte e protege o seu peito — o seu íntimo. O uniforme simboliza o desejo de querer ser como os outros e desaparecer em grupo. Por fim, há o capacete com a máscara de segurança. Aquele já não é mais o menino doce que vivia na casa de Rémi, aquele já não é mais o verdadeiro Léo, mas um personagem que construímos para atender aos papéis sociais. Daí o comentário emblemático de Sophie, quando vai vê-lo jogar:
— Com a máscara, é difícil reconhecer você.
Não perca. As sessões no Espaço Bourbon Country serão desta quinta-feira até domingo (26), às 19h. O GNC Moinhos exibe Close nesta quinta, na sexta-feira (24) e no domingo, às 21h40min.