Estrelado por Brendan Fraser, bem cotado para o Oscar de melhor ator, e com sessões de pré-estreia a partir desta quinta-feira (16) nos cinemas, A Baleia navega na controvérsia — um mar onde seu diretor, Darren Aronofsky, nada de braçada.
Nova-iorquino que completou 54 anos no domingo, 12 de fevereiro, Aronofsky traz no currículo filmes que provocaram polêmicas, como Réquiem para um Sonho (2000), Cisne Negro (2010) — pelo qual recebeu sua única indicação ao Oscar, ao Globo de Ouro e ao Bafta, na categoria de melhor direção —, Noé (2014) e Mãe! (2017). A Baleia (The Whale, 2022) traz muitas de suas marcas. O protagonista martirizado e sua jornada espiritual. O corpo violentado refletindo a turbulência psicológica. A relação conturbada entre pais e filhos. Os cenários confinados, claustrofóbicos (como o apartamento de Ellen Burstyn em Réquiem para um Sonho, o ringue em O Lutador, o palco em Cisne Negro, a arca em Noé, a casa de Jennifer Lawrence e Javier Bardem em Mãe!...).
Na filmografia do cineasta, o parente mais próximo de A Baleia é O Lutador (2008), que mereceu o Leão de Ouro no Festival de Veneza (aliás, o novo longa-metragem conquistou quatro prêmios paralelos na mostra italiana). Outra vez, o personagem principal é um homem que levou seu próprio corpo ao limite e convive com dores extremas. Outra vez, ele tem de lidar com um problema cardíaco e uma filha afastada. Outra vez, o filme empresta um inédito prestígio artístico a um ator já com larga carreira. Na pele do ex-ídolo da luta livre Randy Robinson, que encara sua decadência física e falência financeira entre a resignação e a revolta, Mickey Rourke tinha 56 anos quando ganhou o Globo de Ouro e o Bafta e concorreu ao Oscar e ao troféu do Sindicato dos Atores dos EUA, o SAG Awards. Como o professor de inglês Charlie, que vive recluso por conta da obesidade severa — pesa 272 quilos — e de um transtorno de compulsão alimentar, Brendan Fraser, 54, foi indicado individualmente pela primeira vez aos mesmos prêmios (ele estava no elenco de Crash: Limite laureado no SAG, em 2005). E o astro de A Múmia (1999) e O Retorno da Múmia (2001) já faturou o Critics' Choice, concedido pelos críticos de rádio, TV e internet dos Estados Unidos e do Canadá.
A Baleia é versão cinematográfica da peça homônima lançada em 2012 por Samuel D. Hunter, que assina o roteiro da adaptação. O longa não tenta esconder sua origem teatral, o que chega a ser surpreendente, dado que Aronofsky é afeito a maneirismos, pirotecnias e muitos cortes. Trabalhando com seus habituais colaboradores — o diretor de fotografia Matthew Libatique, parceiro desde a estreia, Pi (1998), e o editor Andrew Weisblum, que entrou no time em O Lutador, ambos indicados ao Oscar por Cisne Negro —, o cineasta fez um filme simples, utilizando um único cenário (a casa de Charlie) e apostando no entra-e-sai dos pouquíssimos personagens coadjuvantes, que se revezam para travar longos diálogos com o protagonista. São eles: Liz, dublê de amiga e enfermeira de Charlie, em uma interpretação nuançada de Hong Chau (a Lady Trieu da minissérie Watchmen), concorrente no Oscar de melhor atriz coadjuvante; Ellie, a filha adolescente que ele abandonou oito anos atrás, ao se apaixonar por um aluno, papel de Sadie Sink (a Max do seriado Stranger Things), em uma interpretação que passa um pouco do ponto no escárnio, na agressividade e na malícia, tornando menos crível a adoração do pai por ela; sua ex-esposa, Mary (Samantha Morton, que, como no recente Ela Disse, aproveita cada instante em cena); e o missionário Thomas (o fraco e insosso Ty Simpkins).
Por conta dessa maneira de fazer a história progredir, A Baleia mostra-se um filme um tanto esquemático — noção reforçada pela divisão do tempo em cinco dias de uma semana, de segunda a sexta-feira. Esquemático e calculável: desde o começo percebemos que estamos diante de uma espécie de Despedida em Las Vegas (1995), com a depressão estampada em clichês visuais: a chuva incessante do lado de fora da casa, a iluminação meio amarelada, meio esverdeada do lado de dentro. Desde o começo pode-se intuir como se dará o conflito entre Charlie e Ellie — ciente de que pode morrer, ele tenta reparar os erros do passado e se reconectar com ela. O que não se sabe é que o final será tão brega.
Digna de um legítimo dramalhão, a última cena contrasta violentamente com o início de A Baleia, cuja pegada remete à de comédias dramáticas sobre pessoas disfuncionais, como Felicidade (1998), de Todd Solondz. Enquanto se masturba ao assistir a vídeos pornô em seu laptop, Charlie passa mal. Parece ser um ataque cardíaco (sua pressão está em 238x134, Liz vai medir pouco depois). Providencialmente, entra em sua casa o missionário Thomas, que se oferece para pedir uma ambulância. Mas Charlie diz que não vai a hospitais e pede ao rapaz que, para acalmá-lo, leia uma redação — que é, obviamente, sobre Moby Dick (1851).
A baleia referida no título não é exatamente Charlie, mas o animal que o infeliz e obstinado capitão Ahab persegue no clássico escrito por Herman Melville? Balela.
Embora o tempo todo Darren Aronofsky e Brendan Fraser digam que A Baleia tem a intenção de combater o preconceito contra pessoas com obesidade (que representam 40% da população adulta nos EUA), embora o trabalho do ator tenha tido a supervisão da ONG Obesity Action Coalition (OAC), o filme recebeu acusações de praticar a gordofobia. O primeiro motivo foi, em vez de contratar um ator obeso, escalar Fraser, que, de fato, já sofreu por estar acima do "peso ideal" em Hollywood, uma indústria tão centrada na imagem de perfeição, e engordou para interpretar Charlie. Mas a sua "transformação física" só existe por causa do trabalho da equipe de maquiagem e cabelos, que rendeu a terceira indicação de A Baleia ao Oscar. A preparação levava de cinco a seis horas por dia e envolvia 130 quilos de próteses.
Mais problemática é a forma como Charlie é retratado.
Por um lado, Fraser emprega delicadeza e dá dignidade ao personagem, trabalhando bem as suas contradições: eis um professor que cobra honestidade de seus alunos, mas, por vergonha da sua aparência, mantém a câmera desligada enquanto dá aulas via Zoom; eis um homem empenhado em uma trajetória autodestrutiva, mas que acredita em redenção e acha que "as pessoas são maravilhosas".
Por outro, Aronofsky trata Charlie como se fosse a Moby Dick de Ahab: um monstro.
A trilha sonora composta por Rob Simonsen, quando não escorrega para o piegas, se inclina totalmente para o terror enquanto a câmera passeia pelo corpanzil desnudo ou pelas roupas suadas e gordurentas. Tal qual uma criatura dos filmes do gênero, Charlie grunhe, geme, grita — ainda que resista impavidamente às palavras duras ditas sobre ele, que são como arpões a fustigar seu frágil mas bom coração. Como se fosse uma fera selvagem, o personagem devora baldes de frango frito, caixas de pizza e sanduíches recheadíssimos. Quando se levanta do sofá ou tenta colocar-se em pé, é como se fosse a baleia branca erguendo-se acima das ondas do mar.