Finalmente terminei de assistir aos dois últimos episódios da quarta temporada de Stranger Things, lançados pela Netflix na sexta-feira (1º) passada. Digo finalmente porque, primeiro, em meio às sessões para a imprensa dos filmes Thor: Amor e Trovão — em cartaz nos cinemas a partir desta quinta-feira (7) — e Elvis (que estreia no dia 14), foi difícil encaixar as quase quatro horas desses capítulos finais da série. Segundo porque esses 235 minutos pareceram intermináveis.
Antes de prosseguir, aviso que haverá spoilers no texto abaixo.
A quarta temporada fez saltar aos olhos virtudes e problemas (entre estes últimos, está a supressão do prazer da expectativa, consequência da fórmula de consumo fast-food adotada pela plataforma de streaming, que também inibe a digestão, ou seja, a reflexão). O charme do culto nostálgico aos anos 1980 se manteve. Os gêmeos Matt e Ross Duffer, os chamados Duffer Brothers, costuraram uma vistosa colcha de retalhos. Pegaram pedaços de filmes como O Enigma de Outro Mundo (1982), E.T.: O Extraterrestre (1982), Poltergeist: O Fenômeno (1982), Os Caça-Fantasmas (1984), Chamas da Vingança (1984), A Hora do Pesadelo (1984), Os Goonies (1985), Conta Comigo (1986) e Akira (1988). Resgataram músicas como The Ghost in You (Psychedelic Furs, 1981), Africa (Toto, 1982), Should I Stay or Should I Go (The Clash, 1982), Elegia (New Order, 1985), Running Up that Hill (Kate Bush, 1985) e Master of Puppets (Metallica, 1986) — estas duas últimas, aliás, graças ao seriado voltaram a figurar nas listas das mais ouvidas. Destacaram passatempos como o RPG Dungeons & Dragons e peças de memorabilia como os walkie-talkies. E relembraram a Guerra Fria travada entre Estados Unidos e a então União Soviética.
A valorização das relações afetivas, seja namoro, amizade ou família, é outro acerto — como evidencia o imenso apreço que os fãs têm pelos personagens. Novamente, surge a necessidade de o grupo de amigos encabeçado por Eleven (Millie Bobby Brown) se unir para enfrentar o mal. Só que desta vez eles também precisam encarar dramas típicos da adolescência, incluindo dilemas de identificação e aceitação (ser nerd versus ser popular, como lidar com o bullying) e o despertar da sexualidade — nessa linha, o oitavo episódio apresenta um grande e comovente momento. É o diálogo, no furgão da Surfer Boy Pizza, entre Will (Noach Schnapp) e Mike (Finn Wolfhard), no qual o primeiro fala sobre o desafio de ser "diferente". Para Mike, parece ele está falando sobre Eleven, mas como percebe o irmão de Will, Jonathan (Charlie Heaton), que está dirigindo, Will também está falando sobre si mesmo, em uma provável alusão a sua especuladíssima homossexualidade.
Esse tipo de situação encanta ou, no mínimo, distrai o espectador em uma trama que pareceu reciclar as temporadas anteriores. Há mais uma ameaça vinda do Mundo Invertido: Vecna (interpretado por Jamie Campbell Bower sob horas e horas de maquiagem), uma criatura sobrenatural que invade mentes e leva as pessoas à morte de maneira cruel em poucos dias — Stranger Things 4 mostrou-se muito mais próxima do horror do que da ficção científica. Há mais uma conspiração envolvendo Eleven — e, como de costume, a série revela-se um tanto perversa: submete a protagonista a todo tipo de violência para "justificar" sua subsequente fúria sanguinária.
Foi assim que terminou o sétimo episódio. Até então, a duração alongada dos capítulos se fazia sentir mais nas cenas do xerife Hopper (David Harbour) na Rússia. Quase toda ambientada em uma prisão cruel, essa subtrama girava sem sair do lugar. No epílogo, a coisa piora, porque os personagens literalmente voltam para o mesmo lugar. Se por um lado somos brindados o duelo de carisma, saudade e sensualidade travado entre Hopper e Joyce (Winona Ryder) na cena sobre "grissini e lasanha", por outro os duelos do xerife com os monstrengos são cansativos e repetitivos.
O mesmo pode ser dito dos combates entre Eleven e Vecna, que vão e voltam, vão e voltam. À enrolação na ação, somam-se diálogos bastante descritivos e reiterativos. Não à toa, um amigo meu disse o seguinte no Facebook: "Tava assistindo com um amigo e ele dormiu. Quando acordou, ele perguntou o que perdeu. E minha cara de bocó por ter visto tudo isso foi do tipo 'Man, você não perdeu nada'".
Se foram ousados na duração dos episódios — o que contribuiu para, no total, a série ultrapassar a marca de 1 bilhão de horas vistas no mundo —, os irmãos Duffer foram muito conservadores no desfecho dado aos personagens. A ponto de virarem alvo de críticas da própria Millie Bobby Brown. A atriz inglesa disse que os criadores "precisam começar a matar as pessoas", mas não fazem isso porque são "sensíveis" demais.
— Precisamos ser Game of Thrones. Precisamos ter a mentalidade de Game of Thrones — declarou Brown, remetendo à série de fantasia onde ninguém tinha segurança de que sobreviveria até o fim do dia.
Os Duffer rebateram que Hawkins, a cidade fictícia onde se desenrola Stranger Things, não é Westeros, o principal continente em GoT. Ok. Mas diante de todos os perigos que surgiram nos dois últimos episódios da quarta temporada, diante de todas as situações de risco de morte, parece covardia só matarem Eddie Munson (por maior que fosse a popularidade conquistada pelo ator Joseph Quinn, estreante na série) e terem poupado os personagens antigos. Falando em antigo, que tremendo déjà vu a longuíssima cena final, na qual a turma, mais uma vez, depara com flocos no céu que sinalizam uma vindoura ameaça do Mundo Invertido.
Ainda bem que Stranger Things acaba na quinta temporada.