Fazendo jus ao próprio mote da série policial — desencavar casos antigos —, o Amazon Prime Video enfim resgatou do limbo digital Cold Case, que teve sete temporadas produzidas entre 2003 e 2010 e que também era conhecida no Brasil como Arquivo Morto. Em agosto do ano passado, a plataforma chegou a disponibilizar os episódios, mas estavam sem áudio nem legendas em português (e logo foram retirados do ar). Desta vez, há pelo menos a opção legendada.
Talvez seja o seriado policial do meu coração, ou pelo menos aquele que me fazia chorar nos tempos de exibição no canal Warner.
Ambientado na Filadélfia, Cold Case foi criado por Meredith Stiehm, que depois desenvolveria The Bridge (2013-2014), adaptação estadunidense de uma série escandinava, e integraria o time de produtores-executivos de Homeland (2011-2020). Os 156 episódios se debruçam sobre o arquivo morto das delegacias. Atriz que até então tinha feito pequenos papéis nos filmes Minority Report (2002) e O Pagamento (2003), Kathryn Morris interpreta a detetive Lilly Rush, especializada em investigar casos nunca esclarecidos e inexorável no campo afetivo — só tem como companheiros um gato com três pernas e outro com apenas um olho, mas resiste ao interesse de um promotor.
O mentor de Lilly é o tenente Tom Stillman (John Finn), e seu parceiro é o namorador e um tanto arrogante Scott Valens (Danny Pino) — nos primeiros três episódios, contudo, a protagonista faz dupla com outro policial, Chris Lassing, vivido por Justin Chambers, futuro doutor Alex Karev de Grey's Anatomy (e o Marlon Brando da minissérie The Offer). Há outros dois detetives recorrentes: o veterano Jeffries (Thom Barry) e o durão Nick Vera (Jeremy Ratchford).
A série segue uma estrutura básica: a abertura mostra os momentos que antecedem um crime do passado, por vezes em preto e branco, e sempre com canções da época — as letras costumam pontuar a própria trama. A trilha sonora apresentou artistas como Frank Sinatra, Ray Charles, Johnny Cash, Bob Dylan, Pink Floyd, Bruce Springsteen, U2, Nirvana, Pearl Jam e Radiohead.
No presente, os policiais se encarregam de reexaminar evidências, visitar antigas testemunhas e acertar as contas com os mortos, como se vê nos catárticos epílogos. Na temporada inicial, por exemplo, o oitavo episódio, Fly Away, se encerra com uma versão de Heaven, de Bryan Adams, na voz de Dominique van Hulst, que se torna ainda mais arrepiante diante do contexto em que é empregada.
Com as doses de mistério, suspense e humor necessárias, Cold Case se distinguia dos programas do gênero por enfatizar a emoção. Talvez porque, além de contar com uma protagonista feminina e uma mulher criadora, tenha recorrido a várias diretoras, como Holly Dale (nove episódios), Roxann Dawson (oito) e as cineastas Agnieszka Holland (quatro), Nicole Kassell (dois) e Rachel Talalay (um).
Eu confesso que não cheguei a acompanhar a série até o final, mas alguns episódios de Cold Case ficaram marcados para sempre. Um deles é o 13º da primeira temporada, intitulado The Letter ("A carta"). Lilly e Valens reabriram o caso de uma mulher negra assassinada em 1939 depois que sua neta apareceu com cartas escritas pela vítima. A polícia da época acreditava que a moça fosse uma prostituta, morta por um cliente qualquer, mas as cartas sugeriam que havia um entregador de leite ameaçando-a. A solução do crime mostra como o amor ilude e como a realidade é inapelável — e se torna ainda mais excruciante quando se percebe que ali, naquele cortiço de 1939, destruição significou proteção.