Extraordinário (Wonder, 2017), que a Netflix adicionou a seu catálogo dias atrás, é um filme que faz jus ao título.
O drama estrelado por Julia Roberts, Owen Wilson, Sônia Braga e o garoto Jacob Tremblay (o mesmo do impactante O Quarto de Jack, 2015) é uma história de redenção e inspiração — bem o que precisamos nestes tempos pandêmicos. Mas a característica capacidade de comover desse tipo de drama se faz acompanhar de senso de humor, muita delicadeza e algumas surpresas no andamento da trama.
O filme é baseado no romance homônimo da escritora R.J. Palacio, best-seller na lista do jornal The New York Times e vencedor de prêmios como o Mark Twain Awards, destinado à literatura infantil. (A propósito: em outubro, chega aos cinemas brasileiros um derivado de Extraordinário, Pássaro Branco, também originado de um livro assinado por Palacio.) A adaptação para o cinema foi dirigida e coescrita por Stephen Chbosky, realizador de As Vantagens de Ser Invisível (2012).
O enredo, para os mais velhos, pode lembrar o de Marcas do Destino (1985), de Peter Bogdanovich, que valeu a Cher a Palma de Ouro de melhor atriz no Festival de Cannes, no papel da mãe de um adolescente (o hoje sumido Eric Stoltz) que nasceu com uma estranha deformidade no rosto. As pessoas acham que ele usa uma máscara (daí o título original, Mask, dessa obra baseada na vida de Rocky Dennis). O trabalho de maquiagem ganhou o Oscar.
Essa foi a única categoria em que Extraordinário concorreu ao Oscar. Uma pena, pois pelo menos Julia Roberts, com uma atuação cheia de autenticidade, merecia uma indicação.
A atriz ganhadora da estatueta dourada por Erin Brockovich (2000) interpreta Isabel, a mãe de um menino, Auggie Pullman (Jacob Tremblay, cativante), nascido com síndrome de Treacher Collins, que causa deformação facial. Por causa disso, já passou por 27 cirurgias plásticas. A família é completada por Nate, o pai (Owen Wilson, na medida certa de seu pendor cômico), e Olivia, a irmã adolescente (Izabela Vidovic). Sônia Braga faz uma participação especial como a avó materna de Auggie, que é brasileira.
O eixo do filme é o ingresso do guri, aos 10 anos, em uma escola regular, dirigida pelo personagem de Mandy Patinkin, ator quatro vezes indicado ao Emmy pelo seriado Homeland. Os Pullman estão apreensivos: será que Auggie vai sofrer bullying? Fará amigos? Será, ora, aceito, como todos nós queremos? Uma das suas estratégias de proteção é um capacete de astronauta — e esse ofício é um elemento que será criativamente trabalhado ao longo da história.
Outro trunfo de Extraordinário é dar espaço e voz a praticamente todos os personagens que aparecem. Desde o professor Browne (Daveed Diggs, do musical Hamilton e do seriado Expresso do Amanhã) ao coleguinha Jack (o carismático Noah Jupe, de Um Lugar Silencioso e Ford vs Ferrari). Destaque para a trama que envolve a irmã de Auggie, que, além de se ressentir da atenção dada pelos pais ao maninho, tem de lidar com o súbito gelo que levou da melhor amiga.
Todas essas situações e esses personagens vão se articulando de um modo que não despreza o humor, a leveza e o simbolismo, mas também a dor, o embaraço e a lágrima para espelhar perguntas íntimas que nem sempre nos fazemos: por que rejeitamos uma pessoa? Por que entramos em uma turma? Por que machucamos se o que queremos é não ser machucados? Por que não paramos para ouvir o outro antes de julgar? Por que esquecemos que as demais pessoas também podem estar enfrentando problemas?