Talvez você já tenha visto O Homem das Castanhas, pois a produção dinamarquesa foi lançada pela Netflix em 2021. Mas se ainda não conhece, saiba duas coisas: 1) é uma série policial perfeita; 2) dado o gênero em que se enquadra, aqui evitarei ao máximo spoilers.
Das obras recentes de crime e mistério, creio que há apenas uma rival à altura, a premiada Mare of Easttown (2021, na HBO Max), que, em termos artísticos, é mais encorpada porque não se limita a ser uma história sobre crime e mistério, como apontou a atriz Kate Winslet ao explicar por que aceitou fazer pela primeira vez o papel de uma detetive: "Na verdade, é mais sobre a comunidade, sobre misericórdia, compaixão e tristeza, e sobre como as pessoas reais vivem, lidam com coisas reais e como essas coisas reais nem sempre são felizes, sabe? Podem ser muito desafiadoras. As dinâmicas familiares podem ir mudando em razão de algo que aconteceu no passado ou que está acontecendo no presente".
O Homem das Castanhas também conquistou prêmios. No Robert, da Academia Dinamarquesa de Cinema e TV, faturou quatro troféus: melhor série, melhor atriz (Danica Curcic, da série Equinox e do filme O Bombardeio), ator coadjuvante (David Dencick, o Valdo Obruchev de 007: Sem Tempo para Morrer) e atriz coadjuvante (Iben Dorner, a Sanne da aclamada Borgen). Concorriam ainda Mikkel Boe Folsgaard (do romance indicado ao Oscar O Amante da Rainha e do seriado The Rain), como melhor ator, e Esben Dalgaard Andersen, como ator coadjuvante.
Trata-se de uma adaptação do romance homônimo escrito por Soren Sveistrup, o mesmo autor da série The Killing (Forbrydelsen, 2007-2012), que depois ganhou uma versão nos EUA, e coautor do roteiro do filme Boneco de Neve (2017), baseado em livro do norueguês Jo Nesbo. Três dos seis episódios foram dirigidos por Mikkel Serup, e a outra metade ficou a cargo de Kasper Barfoed, de Verão de 92 (2015).
Não se deixe enganar pelo nome simpático: a minissérie em seis episódios é um típico exemplar do noir nórdico, ambientado em cenários cinzentos e paisagens gélidas, lidando com assuntos difíceis e sendo cru e violento quando necessário. Como a islandesa Trapped (2015), que, depois de duas ótimas temporadas, ganhou uma sequência desabonadora (Entrapped, em 2021).
Também reúne todos os elementos das melhores histórias policiais: crimes bárbaros, pistas intrigantes, segredos do passado, personagens ambíguos, múltiplos suspeitos, detetives com problemas, vilões com motivação e um mistério que dura o tempo certo — nem se resolve cedo demais, nem é deixado para a última cena. De quebra, ainda aborda relações familiares, bastidores políticos e chagas sociais (afinal, estamos na Dinamarca, onde, pelo que mostram as séries e os filmes, a saúde e o bem-estar da nação são inversamente proporcionais à saúde mental e ao bem-estar de seus cidadãos).
Tudo começa em 1987 (repetindo o aviso, aqui tentarei só dar o básico para atrair o leitor), com a descoberta de um crime chocante em uma propriedade rural. Então, a trama pula para a Copenhague dos dias de hoje, onde uma jovem mãe é brutalmente assassinada. Seu corpo é encontrado em um parque, sem uma das mãos. Próximo do cadáver, há um pequeno boneco feito de castanhas.
Essa é a principal pista para a investigadora Naia Thulin (Danica Curcic), uma mãe solteira que agora conta com um novo parceiro policial, o instável Mark Hess (Mikkel Boe Folsgaard).
Paralelamente, acompanhamos o difícil recomeço no trabalho da ministra Rosa Hartung (Iben Dorner) — um ano antes, sua filha desapareceu.
Qual será a conexão entre as três coisas? Intuímos que em algum momento o crime de 1987 vai voltar à tona, mas quando, como e por quê? E quem no tempo presente sabe disso? Quem está escondendo algo?
Reserve umas seis horas seguidas no dia em que você resolver assistir a O Homem das Castanhas, porque depois de começar não vai conseguir parar.