Alguns críticos pegaram pesado com Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania, em cartaz desde quinta-feira (16) nos cinemas brasileiros. "É o pior filme da Marvel até agora", definiu Caryn James no site da BBC (não é, tem piores). "Existe um universo onde Quantumania é um bom filme. Não é este", brincou Adam Olinger no seu canal no YouTube.
Outros expressaram apenas tédio ("Lá estava aquele pensamento abrangente e avassalador: 'Não senti nada'", escreveu Matthew Lickona no San Diego Reader) ou cansaço — mesmo que, com duas horas e cinco minutos, este seja o segundo longa-metragem mais curto entre os últimos 10 do Universo Cinematográfico Marvel (MCU, na sigla em inglês): "'Nunca acaba'", diz (o vilão) Kang a certa altura. Ele fala a verdade, para o bem ou para mal", escreveu Stephen Romei no The Australian.
Eu tendo a concordar com Sara Michelle Fetters, do MovieFreak.com: "esta sequência encolhe no fundo da memória rapidamente, desaparecendo no vazio do Multiverso quase como se nunca tivesse existido". E acrescento: Quantumania é gigante nos efeitos visuais, mas pequeno demais nas ambições.
Claro, talvez não se deva esperar grandiosidade de um protagonista que estreou nos cinemas, em 2015, para ser, sobretudo, um alívio cômico na Marvel (como se já não sobrassem piadas de salão nos filmes...). Não por acaso, foram escalados um diretor de comédias românticas, Peyton Reed, de Abaixo o Amor (2003) e Separados pelo Casamento (2006) — e que assina também O Homem-Formiga e a Vespa (2018) e esta nova aventura —, e um ator que tem um longo currículo no humor, o carismático Paul Rudd. Mas, para o filme que abre a temporada 2023 de super-heróis e que dá início à chamada fase 5 do MCU, Quantumania é como uma formiguinha em uma pracinha lotada de crianças: logo será esmagado das lembranças de um público cada vez mais ávido por um arrebatamento que o gênero vem oferecendo cada vez menos.
A fórmula Marvel precisa de chacoalhadas como aquela que Sam Raimi, um cineasta talhado no terror, deu em Doutor Estranho no Multiverso da Loucura (2022). Ou então depuradas como aquela de Pantera Negra: Wakanda para Sempre (2022), em que o diretor Ryan Coogler apostou na sobriedade dramática. Os dois filmes também assumiram riscos. Raimi agregou temas adultos — luto, culpa, arrependimento — e referências adultas (vide a batalha das notas musicais, na qual o compositor Danny Elfman emprega os leitmotivs da Toccata e Fuga em Ré Menor, de Johann Sebastian Bach, e da 5ª Sinfonia, de Ludwig van Beethoven). Coogler e o roteirista Joe Robert Cole desafiaram os fãs que defendem a tal da fidelidade nas adaptações dos quadrinhos: criaram uma origem totalmente diferente para o personagem Namor.
Ousadia e criatividade são os elementos que mais faltam em Quantumania, o 31º longa-metragem do MCU. Escrito por Jeff Loveness, roteirista do programa de entrevistas Jimmy Kimmel Live! (2011-2016) e de seis episódios do desenho animado Rick e Morty (2019-2021), é um filme extremamente comportado, bem família. O que não deixa de ser coerente, é verdade, já que seus personagens são: Scott Lang (Paul Rudd), sua filha adolescente, Cassie (Kathryn Newton, coadjuvante da série Big Little Lies), Hope (Evangeline Lilly), a Vespa, namorada do Homem-Formiga, e os pais dela, Hank Pym (Michael Douglas) e Jane Van Dyne (Michelle Pfeiffer). Os quatro vão parar no Reino Quântico, uma dimensão paralela onde terão de estreitar os laços familiares ao mesmo tempo em que enfrentam o novo supervilão do MCU: Kang, o Conquistador, papel de Jonathan Majors, de Destacamento Blood (2020), Lovecraft Country (2020) — que valeu uma indicação ao Emmy —, Vingança & Castigo (2021) e do vindouro Creed III (2023).
A trama segue a cartilha básica, que inclui a milésima menção ao Blip (o estalar de dedos com que Thanos, portando a Manopla do Infinito, dizimou metade da população), o humor ora autodepreciativo, ora megalômano, a revelação de um segredo do passado, a participação especial de um ator das antigas (Bill Murray) e combates corpo a corpo que não fazem sentido, dados os superpoderes do cara malvado. A dramaticidade beira o zero — jamais acreditamos que possa acontecer, de fato, algo a algum dos mocinhos — e, como de hábito, cenas supostamente graves são interrompidas por piadas (mas justiça seja feita, dá para rir com as tiradas de Veb, o alienígena dublado por David Dastmalchian que se queixa de não ter buracos no corpo, como os humanos).
Por outro lado, Quantumania tem um elenco positivamente homogêneo — com destaque para Kathryn Newton (estreante de futuro no MCU) e Jonathan Majors — e não comete mancadas como Thor: Amor e Trovão (2022), de Taika Waititi, que tem um desequilíbrio brutal entre a parte cômica e a parte dramática, a ponto de uma anular a outra. E também é visível o aprimoramento dos efeitos visuais, que, de modo geral, vinham deixando a desejar nas produções da Marvel. Há algumas sequências que nem parecem fruto da computação gráfica. Mas não há nada no Reino Quântico que já não tenhamos visto num filme Star Wars (a saga de George Lucas é uma inspiração nítida), num Guardiões da Galáxia ou até mesmo nas outras aventuras do Homem-Formiga e da Vespa (o truque de aumentar e diminuir o tamanho do corpo está apenas mais bacana, mais fluido, mais crível).
Kang, por sua vez, parece ser somente o novo tirano intergaláctico dedicado a destruir o mundo como o conhecemos, sucedendo Thanos nos próximos filmes do Vingadores, Dinastia Kang (previsto para 2025) e Guerras Secretas (em 2026). Com a desvantagem de não apresentar um discurso minimamente interessante ou até ambíguo. Seu charme é existir em diferentes versões — o que sequer chega a ser novidade, uma vez que o MCU já abriu a porta do Multiverso.
Trata-se de uma porta de mão dupla. Por um lado, permite explorar novos mundos, fantasiar caminhos e destinos de personagens famosos. Por outro, se antes a Marvel vinha interligando todos os seus filmes, como se estivesse contando uma única história desde o lançamento de Homem de Ferro (2008), agora o estúdio precisa lidar com a ideia de que qualquer passo importante tomado em uma aventura pode simplesmente não ter consequência nenhuma. Em tese, tudo pode ser corrigido, o que elimina o risco emocional, anestesiando o espectador.
Ou seja: o grande inimigo atualmente é a mesmice (das séries, melhor nem falar). Ciente dos sinais de esgotamento, a Marvel vem promovendo a estreia de novos personagens, como o já citado Namor e, futuramente, os Thunderbolts, um grupo de anti-heróis a serviço do governo dos EUA. Também vai incorporar uma turma que antes, por questões comerciais, não podia interagir no universo de Capitão América, Homem-Aranha e companhia, como Demolidor, Deadpool, os X-Men, o Quarteto Fantástico e Blade, o caçador de vampiros.
Considerando o tamanho do elenco, a popularidade de tipos como Wolverine, Jean Grey/Fênix, Tempestade, Noturno, Colossus, Professor Xavier e Magneto, a imensa variedade de superpoderes e o histórico, nos quadrinhos, de enfrentamento com os Vingadores, o ingresso dos mutantes no MCU poderia ser considerado a salvação da lavoura. Mas há alguns poréns, o que pode explicar o fato de o chefão da Marvel, Kevin Feige, ainda não ter cravado uma data para a chegada da equipe aos cinemas (o certo é que Wolverine, com o eterno Hugh Jackman no papel, dará as garras em Deadpool 3). Um deles diz respeito, obviamente, à escalação dos atores. Outro talvez seja a necessidade de escolher uma saga das HQs relevante mas que não tenha sido adaptada nos sete filmes da Fox. E um terceiro tem a ver com a essência dos X-Men.
Seus personagens sempre serviram de metáfora para todas as minorias perseguidas (étnicas, religiosas, sexuais etc). O preconceito e a intolerância sempre foram temas marcantes — como diz Xavier na abertura de X-Men 2 (2003), “partilhar o mundo nunca foi uma qualidade do homem”. Mas como os principais conflitos dos mutantes vão se encaixar no Universo Cinematográfico Marvel, onde já existem seres com poderes e os humanos não apenas estão acostumados a eles, como também os idolatram?