Ainda na briga para se tornar a maior bilheteria de 2022 - soma US$ 731,9 milhões, contra os US$ 768,4 milhões de Batman -, Doutor Estranho no Multiverso da Loucura é exemplar na demonstração de uma característica essencial e de uma estratégia comercial da Marvel.
Os filmes de super-herói espelham o conceito de cronologia norteador dos quadrinhos desde o surgimento da editora, em 1961: uma aventura puxa a outra, o que aconteceu lá atrás tem consequências lá na frente, tudo está interligado. Seu universo cinematográfico engaja emocionalmente os fãs, por colocá-los como testemunhas de uma única grande trama que vem sendo contada desde Homem de Ferro (2008).
Em outras palavras, não se pode perder nenhum capítulo: a cada lançamento, o estúdio almeja o máximo de espectadores, nem que seja retroativamente. No caso do Multiverso da Loucura, o tema de casa incluía assistir a Doutor Estranho (2016), Vingadores: Guerra Infinita (2018), Vingadores: Ultimato (2019), WandaVision (2021), Loki (2021), Homem-Aranha: Sem Volta para Casa (2021) e alguns episódios da série de animação What If...? (2021). Na Marvel, cada pequeno detalhe importa, podem ser importantes até os menores dos personagens. Como um homem-formiga e uma vespa.
Ou melhor: o Homem-Formiga e a Vespa, protagonistas da Tela Quente desta segunda-feira (23), às 22h35min, na RBS TV.
Homem-Formiga e a Vespa (Ant-Man and the Wasp, 2018) foi lançado um mês e pouco após o trágico final de Guerra Infinita. Serviu, portanto, como um respiro, um alívio cômico. Pois essa é mesmo a praia de seu diretor, Peyton Reed, também responsável por Homem-Formiga (2015) e pelo vindouro Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania (2023). Antes de ingressar no Universo Cinematográfico Marvel (MCU), Reed assinou títulos como Abaixo o Amor (2003) e Separados pelo Casamento (2006). Seus filmes de super-herói têm ares de comédia romântica, tratando também de relações familiares.
Para essa mistura funcionar, um ingrediente fundamental é o ator Paul Rudd, que interpreta Scott Lang, um ex-criminoso que resolve entrar para o time dos mocinhos, como Homem-Formiga, para reconquistar sua filha, Cassie (Abby Ryder Fortson). Revelado em As Patricinhas de Beverly Hills (1995), Rudd, hoje com 53 anos, é um dos sujeitos mais carismáticos de Hollywood. Parece estar sempre de bom humor e sabe não se levar a sério demais. Vejam os trechos da entrevista que concedeu à jornalista Kathryn Shattuck, do New York Times, à época da estreia de Homem-Formiga e a Vespa:
Você é um super-herói ou prefere a expressão "personagem de ação"?
Eu me refiro a mim mesmo como personagem de ação na vida real e super-herói na vida de mentira.
Como é começar a explorar esse espaço no que podemos considerar o meio de sua carreira?
Espero que não seja. Se for, acabamos de prever a minha morte. (Risos) Fiquei muito empolgado. Era um ponto tão fora da curva, algo tão diferente de tudo o que já tinha feito até então... Só pensei que seria o primeiro trabalho que meus filhos poderiam ver.
E aí você acabou ajudando a escrever o roteiro tanto do original como da sequência. O que acrescentou que ainda não havia ali?
Toda a parte boa. Nossa, isso vai ficar bem se você escrever assim... Quer dizer, o humor irônico e o sarcasmo.
Você tem fama de ser o queridinho de todo mundo. Isso em algum momento incomoda?
Tem alguma coisa meio delicadinha, meio ingênua nessa frase. Em termos de ser gostável, não acho que seja melhor do que ninguém, mas tento não ser grosseiro. Acho legal as pessoas sendo gentis e educadas umas com as outras. A vida já é tão dura, para que deixá-la mais difícil?
Mas Paul Rudd não é o único atrativo. Aliás, embora seja escrito e dirigido por homens, este é um filme bastante feminino. Homem-Formiga e a Vespa foi a primeira aventura do MCU a destacar uma super-heroína em seu título - depois vieram Capitã Marvel (2019), Viúva Negra (2021) e a série WandaVision (2021), e em breve será a vez dos seriados Ms. Marvel (estreia no dia 8 de junho no Disney+) e Mulher-Huk: Defensora de Heróis (em cartaz a partir do dia 17 de agosto na mesma plataforma de streaming).
Na trama, Hope Van Dyne, a Vespa, encarnada por Evangeline Lilly (da série Lost), tem esperança de resgatar sua mãe, Janet Van Dyne (Michelle Pfeiffer), que ficou num tamanho subatômico quando a filha era pequena e desapareceu. Para tanto, ela e seu pai, o doutor Hank Pym (Michael Douglas), vão precisar contar com a ajuda do Homem-Formiga, que — retomando o que falamos sobre cronologia — cumpre prisão domiciliar após violar sua condicional ao se juntar aos Vingadores em Capitão América: Guerra Civil (2016). A propósito de interligação, a primeira cena pós-créditos de Homem-Formiga e a Vespa faz uma ponte entre Guerra Infinita e Ultimato.
Além de Hope, Janet e Cassie, há outra mulher de peso: Ava/Fantasma, papel de Hannah John-Kamen (atriz da minissérie Não Fale com Estranhos), que tem capacidade de atravessar corpos e paredes e está atrás dos equipamentos de Hank Pym para poder salvar sua própria vida. Com essa gama de personagens, o filme também dá atenção às cenas de ação e aos efeitos visuais, mas quase sempre explorando com humor as diferenças de escala, o gigantismo e as regras do mundo diminuto.