Capote (2005), adicionado recentemente ao menu do Amazon Prime Video, foi o ápice na carreira de um dos atores de que mais sinto falta: Philip Seymour Hoffman (1967-2014).
Você lembra dele em Perfume de Mulher (1992)? Eu lembro. Era uma ponta, como um personagem desprezível, mas de alguma forma cativante.
Hoffman encarnaria outros desses tipos, pessoas que nos provocavam asco ou pena, que transitavam entre o grotesco e o ridículo, em filmes poderosos como Boogie Nights (1997), Felicidade (1998), Magnólia (1999), O Talentoso Ripley (1999), A Família Savage (2007) e Antes que o Diabo Saiba que Você Está Morto (2007). Acho que nunca fez um mocinho, e encarnou vilões ou tipos bem ambíguos em seus raros blockbusters — Missão: Impossível 3 (2006) e a franquia Jogos Vorazes (morreu antes de filmar suas últimas cenas, aos 46 anos). Outros destaques são a drag queen que dá uma lição de vida a Robert De Niro em Ninguém É Perfeito (1999) e o lendário crítico de rock Lester Bangs em Quase Famosos (2000).
Ele concorreu ao Oscar de coadjuvante três vezes, por Jogos do Poder (2007), Dúvida (2008) e O Mestre (2012), e ganhou a estatueta de melhor ator por Capote. No papel do protagonista, também conquistou o Bafta, da Academia Britânica, o troféu do Sindicato dos Atores dos EUA e o Globo de Ouro, concedido pela Associação de Imprensa Estrangeira em Hollywood.
No Oscar, a cinebiografia do escritor Truman Capote (1924-1984) disputou ainda os prêmios de melhor filme, direção (o então estreante Bennett Miller, que depois faria O Homem que Mudou o Jogo, em 2011, e Foxcatcher, em 2014, e desde então anda sumido), roteiro adaptado (por Dan Futterman) e atriz coadjuvante (Catherine Keener).
Capote tem pelo menos um grande mérito em relação a outras cinebiografias: não tenta abarcar toda a vida de seu personagem. Tampouco investe nos momentos dolorosos ou nas características negativas de seu biografado para mal disfarçar o típico tom laudatório do gênero. Aqui, o retrato não é edulcorado nem escandaloso.
O filme concentra-se no período em que Capote, já famoso pelo romance Bonequinha de Luxo (1958) e presença obrigatória em qualquer festa de Nova York que se prezasse, se dedica à pesquisa e à redação do livro A Sangue Frio (1965), sobre o assassinato de uma família do interior do Kansas. Curiosamente, no ano seguinte a Capote foi lançado outro longa-metragem sobre o mesmo assunto: Confidencial (2006, disponível na HBO Max), de Douglas McGrath, com Toby Jones no papel principal, Sandra Bullock como Harper Lee, escritora que na mesma época publicaria o clássico O Sol É para Todos, e Daniel Craig na pele de Perry Smith, um dos assassinos.
Um dos pilares do Novo Jornalismo — a combinação da técnica de apuração jornalística com a técnica narrativa da ficção —, A Sangue Frio foi adaptado para o cinema em 1967 pelo diretor Richard Brooks, mas o filme era centrado nos dois matadores (Truman Capote só era evocado na figura de um jornalista). Esse recorte proposto pelo roteiro, além de deixar Capote mais homogêneo, é o tempo exato para que Hoffman desenhe tanto a personalidade do escritor (os trejeitos de gay afetado, a língua ferina, a arrogância narcísica, a meticulosidade na investigação) quanto o processo de degradação espiritual detonado por sua aproximação a um dos assassinos.
Capote enxerga em Perry Smith (Clifton Collins Jr.) um espelho distorcido.
— É como se tivéssemos crescido na mesma casa — diz ele a sua melhor amiga, Harper Lee (Catherine Keener). — Um dia, ele saiu pela porta dos fundos, e eu, pela da frente.