O Oscar 2023 está celebrando uma série de retornos, como o da diretora Sarah Polley, realizadora de Entre Mulheres, indicado nas categorias de melhor filme e roteiro adaptado; o do cineasta Todd Field, que não lançava uma nova obra havia 16 anos e agora, com TÁR, está de novo concorrendo na premiação da Academia de Hollywood; e o do ator Ke Huy Quan, que já tinha até desistido de atuar e hoje compete à estatueta dourada de coadjuvante por Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo.
Em cartaz desde quinta-feira (2) nos cinemas Espaço Bourbon Country e GNC Moinhos, em Porto Alegre, Entre Mulheres (Women Talking, 2022) é o quarto longa-metragem dirigido pela canadense Polley, 44 anos, atriz de títulos antológicos da década de 1990, como Exótica (1994) e O Doce Amanhã (1997). Seu último tinha saído uma década atrás, o documentário Histórias que Contamos (2012). Antes, assinou Entre o Amor e a Paixão (2011) e Longe Dela (2006), pelo qual disputou o Oscar de roteiro adaptado.
A cineasta compete novamente nessa categoria ao adaptar um romance ainda inédito no Brasil, Women Talking (em inglês, mulheres falando), publicado por Miriam Towes em 2018. A escritora, por sua vez, baseou-se em fatos ocorridos em uma colônia menonita na Bolívia (os menonitas são um movimento do cristianismo evangélico).
Presente no top 10 de 2022 elaborado pelo American Film Institute, Entre Mulheres concorreu em seis categorias do Critics' Choice, incluindo melhor filme e direção (venceu em roteiro adaptado), e em duas do Globo de Ouro (com o script de Sarah Polley e com a música composta pela islandesa Hildur Guðnadóttir). Também foi indicado ao prêmio de melhor elenco no troféu do Sindicato dos Atores dos EUA, o SAG Awards. Trata-se de uma admirável seleção feminina, que inclui Frances McDormand (ganhadora do Oscar de melhor atriz por Fargo, Três Anúncios para um Crime e Nomadland), Jessie Buckley (indicada como coadjuvante por A Filha Perdida), Rooney Mara (concorrente como atriz por Millennium: Os Homens que Não Amavam as Mulheres e como coadjuvante por Carol) e Claire Foy (vencedora de dois Emmys pela série The Crown).
A exemplo do livro de Miriam Toews, Sarah Polley não situa a trama do filme na Bolívia. O objetivo é claro: o pesadelo poderia ter acontecido em qualquer lugar. E quando o filme começa, o espectador pode achar que se passa em uma época já bastante distante, por causa dos cenários, dos figurinos, da ausência de tecnologia e das restrições impostas às mulheres — por exemplo, elas não podem estudar e são todas analfabetas. Mas não: Entre Mulheres se passa em 2010, em uma comunidade religiosa isolada do resto do mundo, onde mulheres de todas as idades precisam conviver com as agressões físicas e o abuso sexual cometido por um bando de homens.
Quando elas descobrem que os estupros sofridos não eram obra do demônio, mas cometidos por homens que usavam tranquilizante empregado em vacas para dopar as mulheres e adolescentes e violentá-las enquanto dormiam, os agressores são presos e levados para uma cidade próxima. Só que logo vão voltar, afinal, a maioria dos homens compactua com a cultura do estupro.
Aí, as personagens têm dois dias para se reunir em um celeiro e resolver como vão proceder. Com o auxílio de August (Ben Whishaw), o professor da colônia, que se junta às mulheres para registrar a reunião (já que, repetindo, nenhuma delas aprendeu a ler ou escrever), elas precisam decidir se ficam e não fazem nada, se ficam e enfrentam os homens ou se vão embora.
Aos olhos da nossa sociedade, uma sociedade aparentemente mais evoluída e pelo menos um pouco mais igualitária, parece que é fácil tomar a decisão. Mas a gente precisa ter em mente que essas mulheres acreditam em Deus e nos preceitos da sua religião. O que Entre Mulheres nos mostra são duelos verbais tão fascinantes quanto tristes, até desesperadores.
Cada personagem representa uma faceta do conflito. Scarface Janz (Frances McDormand), por exemplo, uma das mais velhas do grupo, mais conservadora, defende — ou pelo menos diz crer — que todas devem se submeter à vontade de Deus. Salomé (Claire Foy), que precisou empreender uma odisseia para buscar antibióticos para sua filhinha, quer ficar e lutar— está disposta a matar para impedir que a violência se perpetue. A doce Ona (Rooney Mara), grávida de seu estuprador, deseja que sejam criadas novas regras na colônia, de modo a dar mais igualdade às mulheres. Mariche (Jessie Buckley), casada com um homem agressivo, divide-se entre manifestações de raiva e o entendimento de que o perdão é inerente da religião que seguem.
Apesar de ser o mais curto entre os 10 indicados ao principal Oscar (tem 104 minutos), Entre Mulheres é um filme pesado — e doloroso. Mas também é um filme bonito e, tanto por suas atuações quanto por suas discussões, imperdível.