Uma das plataformas de streaming surgidas durante a pandemia, a Supo Mungam Plus tem em seu catálogo três filmes que permitem matar a saudade de uma atriz marcante: a canadense Sarah Polley, protagonista ou coadjuvante em Exótica (1994), O Doce Amanhã (1997) — ambos dirigidos por Atom Egoyan — e Minha Vida Sem Mim (2003), de Isabel Coixet.
Na segunda metade dos anos 1990 e na primeira década do século 21, Polley estrelou um punhado de títulos que geraram algum tipo de adoração. Além dos já citados, vale mencionar eXistenZ (1999), de David Cronenberg, Vamos Nessa! (1999), de Doug Liman, Madrugada dos Mortos (2004), de Zack Snyder, A Vida Secreta das Palavras (2005), em nova parceria com Isabel Coixet, e Mr. Nobody (2008), de Jaco Van Dormael.
Polley não chegou a ganhar prêmios importantes, mas cativou espectadores com papéis em que alternava força e fragilidade. Em 2006, depois de realizar quatro curtas-metragens entre 1999 e 2001, ela deu início a sua carreira de cineasta com o drama Longe Dela, que recebeu duas indicações ao Oscar: melhor atriz (Julie Christie) e roteiro adaptado (para a própria Polley). Depois viria a comédia dramática Entre o Amor e a Paixão (2011), o premiado documentário Histórias que Contamos (2012), que versa sobre sua família, e a série de TV Hey Lady! (2020), além de ter adaptado o romance Alias Grace para a minissérie dirigida por Mary Harron em 2017.
Por uma combinação de motivos, Polley parou de atuar — seu último trabalho como atriz foi o filme Trigger, de 2010. Houve os filhos (tem três, nascidos a partir de 2012), o ativismo político (ela é ligada a partidos de esquerda no Canadá), o entendimento de que não consegue combinar direção e atuação e a decepção com a indústria cinematográfica, um cenário hostil para com mulheres.
Em um artigo no jornal The New York Times, ela falou sobre a breve reunião que, quando tinha 19 anos, teve com Harvey Weinstein — o produtor de vários filmes oscarizados que hoje está preso por causa de uma lista de crimes sexuais contra atrizes. Polley disse que "a maioria dos diretores são homens insensíveis" e compartilhou experiências humilhantes. Certa vez, mencionou a um produtor que uma cena de estupro não estava sendo tratada com sensibilidade, ao que ele respondeu: "Dakota Fanning fez uma cena de estupro quando tinha 12 anos, e ela está bem".
Exótica (1994)
O filme lançou o diretor Atom Egoyan no circuito internacional com a conquista do prêmio da crítica no Festival de Cannes. Exótica é o nome da boate de strip-tease localizada em Toronto e frequentada por uma série de personagens: o DJ Eric (Elias Koteas), sua ex-namorada Christina (Mia Kirshner), dançarina que fascina os clientes com seu ar colegial, e o auditor fiscal Francis (Bruce Greenwood), que demostra grande obsessão pela garota.
O que em princípio se apresenta como um círculo passional de desejo, ciúme e perversão — somado à enigmática relação de Francis com sua sobrinha adolescente (papel de Sarah Polley) — aos poucos desvia por caminho não menos traumático, que coloca esses personagens diante de uma tragédia ocorrida anos antes. Aí, Egoyan demonstra habilidade para manipular o ritmo dos flashbacks que costuram o enredo.
O Doce Amanhã (1997)
Filme seguinte na carreira de Atom Egoyan, tem algumas similaridades com Exótica, como a ciranda de personagens, o uso de flashbacks e a configuração da tragédia como uma metáfora da inescapável corrupção da infância e da juventude pelo mundo adulto.
Vencedor do Grande Prêmio do Júri em Cannes, O Doce Amanhã concorreu a dois Oscar: melhor direção e roteiro adaptado, assinado por Egoyan, que se baseou no romance homônimo escrito por Russell Banks e no conto de fadas O Flautista de Hamelin, dos Irmãos Grimm. Um acidente com ônibus escolar mata a maioria das crianças de pequena cidade da Colúmbia Britânica e provoca uma crise entre os cidadãos. Contratado para processar a empresa responsável, o advogado Mitchell Stephens (interpretado por Ian Holm) também é motivado pelo remorso que sente por sua relação tumultuada com a filha. Sarah Polley encarna uma das sobreviventes, Nicole Burnell, 15 anos, paralisada da cintura para baixo em consequência do acidente e perturbada pelo que vinha acontecendo em sua família antes do acidente.
Minha Vida Sem Mim (2003)
Se você soubesse hoje que iria morrer em breve, o que faria? A resposta a essa pergunta já foi desenvolvida em uma série de filmes, como Gritos e Sussurros (1973), Laços de Ternura (1983) e As Invasões Bárbaras (2003). Há sempre um acerto de contas com o passado, uma lista de coisas a fazer antes de partir, uma longa despedida entre quem vai e quem fica.
Minha Vida Sem Mim propõe uma variação sobre o tema. Esse drama rodado no Canadá pela diretora e roteirista espanhola Isabel Coixet conta a história de Ann (Sarah Polley), uma moça de 23 anos que leva uma vida não exatamente sonhada: mora num trailer estacionado no quintal da casa de sua amargurada mãe (a roqueira Deborah Harry) e faz faxina noturna em uma faculdade. Mas tem duas filhas que são uns amores e um marido — Don (Scott Speedman) — que, embora passe mais tempo desempregado do que trabalhando, é dedicado ao bem-estar da família.
Após um desmaio, Ann vai a um hospital público — onde toma um chá de banco enquanto realiza exames. A notícia de um tumor irreversível nos ovários é dada por um médico tremendamente humano — o experiente doutor Thompson não consegue ter a frieza de olhar nos olhos de um paciente que está para morrer.
É nessa cena que Minha Vida Sem Mim começa a conduzir o público para uma vereda incomum. Haverá pela frente momentos dolorosos, a lista de coisas a fazer encerra clichês ("Fazer amor com outro homem", "Visitar meu pai na prisão"...), algumas situações parecerão inverossímeis. Mas a maneira como Ann encara sua condição difere do costumeiro. Com o rosto, Sarah Polley vai do egocentrismo à doçura, do horror à sensualidade — sem nunca pedir a pena do interlocutor ou do espectador.
Ao escolher pelo sigilo — nem mesmo seu marido sabe da iminência de sua morte —, Ann acaba por presentear com a vida as pessoas ao seu redor (que inclui personagens encarnados por atores como Mark Ruffalo, Maria de Medeiros e Amanda Plummer). Uma vida em que a plenitude manifesta-se nos atos mais singelos, como dizer todos os dias para suas filhas: "Eu te amo".