Só 42 pessoas assistiram, mas o protagonista do filme A Festa Nunca Termina (24 Hour Party People, 2002), de Michael Winterbottom, afirma que o primeiro show dos londrinos Sex Pistols em Manchester mudou para sempre a história do rock.
— Na Santa Ceia, eram apenas 12 — compara. — Treze com Jesus.
Em cartaz na plataforma MGM (que pode ser acessada via Amazon Prime Video), o filme toma a vida do repórter e apresentador de TV Tony Wilson (interpretado pelo comediante Steve Coogan), fundador da gravadora Factory e do clube noturno Hacienda, para retratar a agitada e influente cena musical de Manchester, de 1976 aos anos 1990. Quatro episódios são capitais: o surgimento do Joy Division (que após o suicídio do vocalista Ian Curtis viraria New Order), a mistura de talento e drogas do grupo Happy Mondays e o auge e a queda da Factory e do Hacienda.
O elenco inclui alguns atores britânicos que depois se tornariam mais conhecidos: Sean Harris dá vida a Ian Curtis, Paddy Considine faz Rob Gretton, empresário do Joy Division e do New Order, John Simm encarna Bernard Sumner, Andy Serkis interpreta o produtor Martin Hannett, e Simon Pegg tem um pequeno papel como um jornalista. Tudo é mostrado em uma alternância de drama e comédia, pontuada por trechos de músicas, clipes e shows (reais ou reconstituídos).
Exibido na mostra competitiva de Cannes, A Festa Nunca Termina é um título que destoa um pouco da trajetória de Michael Winterbottom, 60 anos, que concorreu no mesmo festival francês com Bem-Vindo a Sarajevo (1997), sobre jornalistas na Guerra da Bósnia; venceu o Festival de Berlim de 2003 com Neste Mundo, sobre dois adolescentes afegãos que fogem para a Europa; e recebeu, desse certame alemão, o Urso de Prata por O Caminho para Guantánamo (2006), obra semidocumental sobre três jovens britânicos de ascendência paquistanesa (um deles interpretado por Riz Ahmed, indicado ao Oscar em 2021 por O Som do Silêncio) que são presos no Afeganistão em 2001, durante a reação dos Estados Unidos ao 11 de Setembro, e enviados para a base militar na Baía de Guantánamo.
Por outro lado, há parentesco com outros de seus longas, como 9 Canções (2004), um romance cheio de sexo que celebra oito bandas, como Primal Scream, Franz Ferdinand e Black Rebel Motorcycle Club, e a tetralogia cômica formada por Uma Viagem Excêntrica (The Trip, 2010), Uma Viagem para a Itália (2014), Uma Viagem para a Espanha (2017) e Uma Viagem para a Grécia (2020) e estrelada por Steve Coogan e Rob Brydon, que também atua em A Festa Nunca Termina.
Um filho de Manchester, Winterbottom fez A Festa Nunca Termina com câmeras digitais e fotografia do holandês Robby Müller, de Dançando no Escuro — daí a cara de documentário e a textura crua, quebrada pelo tom sombrio das cenas com o Joy Division e pelo colorido psicodélico do ônibus do Happy Mondays. O filme, contudo, está longe de ser um documentário (tampouco é didático), porque, como Tony diz, citando uma boutade do jornalismo, publica não a verdade, mas a lenda. Traz a visão nada imparcial de um personagem e tanto: Tony se leva a sério demais, veste terno e gravata e cita Plutarco e William Blake, mas também é suscetível ao glamour do clássico trinômio sexo, drogas & rock'n'roll. Exibe as extravagâncias do produtor que desmonta a bateria do Joy Division para colocá-la no teto e define Bez (sujeito que não faz nada além de dançar) como a química dos Mondays — talvez por suprir de maconha, cocaína e anfetaminas o vocalista Shaun Ryder. E Tony também conversa com o público, desde a abertura, mostrando o caráter irreverente do filme — à certa altura, menciona uma cena cortada, mas que "provavelmente estará no DVD".