Espanha, França, Inglaterra e Itália estão entre os destinos que os viajantes brasileiros buscavam nas férias de julho, trocando o inverno no nosso país pelo verão europeu. Por enquanto, isso não é mais permitido: o Brasil ficou fora da lista de nações autorizadas a fazer turismo no Velho Continente. Sendo assim, o negócio é visitar a distância – por exemplo, por meio de filmes, como os destacados aqui.
Uma Viagem para a Espanha
Por Marcelo Perrone
Michael Winterbottom é um cineasta britânico que assina bons filmes, como A Festa Nunca Termina e Código 46, e tem bastante intimidade com a cultura pop e o cinema documental – neste gênero, Caminho para Guantánamo lhe valeu o troféu de melhor direção no Festival de Berlim, compartilhado com seu parceiro no projeto, Mat Whitecross.
Embaralhando (mais) documentário e (um tantinho) de ficção, o diretor vem apresentando desde 2010 a série The Trip, longas-metragens exibidos nos cinemas e na BBC que podem ser enquadrados tanto no documental filme de viagem e turismo quanto no ficcional road movie. Neles, Winterbottom e dois amigos, os atores e humoristas Steve Coogan e Rob Brydon, saem a percorrer países sem um roteiro pré-definido, destacando pelo caminho delícias gastronômicas, cultura local e paisagens deslumbrantes – Coogan e Rob Brydon vivem eles mesmos na jornada.
Começaram pela Inglaterra, em Uma Viagem Excêntrica (2010), seguiram com Viagem para Itália (2014) e chegaram a Uma Viagem para a Espanha (2017), único título disponível em streaming no Brasil (Now, Apple TV e Vivo Play). A receita nesse último é a mesma, mas com pitadas a mais de reflexões da dupla sobre suas vidas e carreiras e um foco mais acentuado na gastronomia (Coogan está com a missão de escrever sobre pratos típicos e bons restaurantes). Percorrem regiões como País Basco, Aragão, Rioja, Castela-La Mancha e Andaluzia.
Os segmentos cômicos, com imitações de personalidades e considerações sobre temas diversos, seguem o tom que será melhor apreciado por aqueles mais íntimos da mordacidade consagrada pela escola de humor britânica que formou de Monty Python a Ricky Gervais. Quando os turistas posam com as vestes de Dom Quixote e Sancho Pança, Coogan e Brydon, simbolicamente, ilustram a dinâmica de protagonista e coadjuvante na série.
A parceria já tem um novo capítulo, The Trip to Greece, lançada em março agora direto na TV e na internet e anunciada como "uma viagem de Troia a Ítaca seguindo os passos de Ulisses".
Londres, Paris e Roma por Woody Allen
Por Daniel Feix
Woody Allen sempre filmou Nova York com uma paixão capaz de fazer da cidade, mais do que um mero cenário, um elemento dramático importante para suas histórias. A ida à Europa, a partir de Match Point (2005), filmado na Inglaterra, mudou essa perspectiva, trazendo imagens que carregam outro tipo de afeto: o de um admirador que "olha de fora" – e é capaz de transferir ao espectador essa admiração.
Seja nas tramas de crime e castigo (O Sonho de Cassandra, de 2007, filmado no Reino Unido), nas comédias românticas (Vicky Cristina Barcelona, 2008, na Catalunha) ou escrachadas (Para Roma com Amor, 2012, na capital italiana), a Europa filmada por Woody Allen surge na tela de um jeito quase idealizado, tendo ressaltadas suas belezas particulares – cafés charmosos, ruelas construídas séculos atrás, a modernidade a partir da apropriação de ambientes históricos. Não por acaso, ele com frequência situa as histórias em momentos do passado, com especial sucesso ao falar da belle époque francesa em Meia-noite em Paris (2011).
Como Allen vai ao encontro do que costuma seduzir os viajantes, não é raro que seus filmes provoquem no público uma pulsão por visitar os cenários registrados. Daí se explica, também, por que governos locais chegaram a travar "batalhas" de incentivos para receber seus projetos, o que só cessou com a pressão após as denúncias de que o cineasta teria cometido atos de abuso sexual.
A fase parecia terminada quando ele emendou, nos EUA, Homem Irracional (2015), Café Society (2016), Roda Gigante (2017) e Um Dia de Chuva em Nova York (2019), mas seu novo longa-metragem, o ainda inédito (e sem título em português) Rifkin's Festival, foi rodado em outra região espanhola até então não desbravada por Allen – o País Basco. Essa visita é particularmente auspiciosa: das outras vezes em que saiu dos grandes centros e foi aos idílicos interiores europeus, Allen trouxe olhares dos mais admirados às paisagens inglesas, espanholas e francesas (a lembrar, Magia ao Luar, de 2014, tem belas imagens da Côte d'Azur, no sul do país). Aguardemos.