As viagens em tempos de covid-19
Beto Conte*
As experiências in loco sempre foram a essência do conceito "Você sempre volta diferente de uma viagem" que embasa as vivências interculturais conduzidas há 32 anos por mim no STB Trip & Travel.
Neste momento de pandemia, postergamos planos de desvendar "ao vivo" a diversidade natural e cultural de nosso fascinante planeta, mas continuamos saciando nossa ânsia pelo novo e diferente mergulhando através de livros, filmes e viagens virtuais pelo mundo.
Quando criança, era através das histórias de Sherazade das Mil e uma Noites que me transportava à magia do Oriente, e as aventuras de A Volta ao Mundo em 80 Dias, de Júlio Verne, me levaram a tantas terras distantes. A curiosidade por conhecer povos e culturas fez de Indiana Jones meu herói juvenil — que combinava o arqueólogo conhecedor de civilizações remotas com o aventureiro destemido.
Acabei tendo uma formação bem ocidental com High School nos Estados Unidos, me formando em engenharia civil e arquitetura na UFRGS, com especialização na Suíça. Mas foi durante um ano sabático na Ásia de meus sonhos infantis que dei uma guinada na minha vida profissional e mergulhei no mundo transformador das viagens. Desde então, "viver viagens" virou meu prazeroso trabalho, do qual curto todas as etapas — a preparação, a viagem em si e a sensação de cumplicidade com o destino que permanece muito tempo depois do retorno. Várias décadas e 139 países depois, esse acervo de vivências ficam como um imprint na minha história de vida e na forma de ver melhor o mundo.
Sempre gostei de preparar meus roteiros, muito antes de ser profissional nesta área. Acho muito bom já ir se transportando a outras terras e realidades através dos livros, filmes, blogs e o manancial de informações que o mundo digital nos oportuniza. Hoje em dia, na preparação de cada um dos Grand Tours — as viagens de imersão cultural que acompanho várias vezes por ano — viajo virtualmente pelo destino por muitos meses.
Agora que o mundo parou, enquanto aguardamos para fazermos parte do próximo episódio vamos preparando a trama. Aproveitei para organizar as fotos, filmes e relatos das minhas melhores viagens na série de lives Beto no Mundo, em que exploro em 30 episódios a diversidade natural e cultural do planeta. É possível conferir a gravação dos episódios já ocorridos e se inscrever para os próximos que apresento via zoom toda segunda-feira, às 19h, no triptravel.com.br/eventos. Entre os destinos apresentados, alguns extremos como os círculos polares Ártico e Antártico, viagens emblemáticas como o Transiberiano e instigantes regiões como Cáucaso e Península Balcânica.
Quando for liberado o distanciamento social, pesquisas demonstram, é que as viagens serão retomadas, inicialmente, como escapadas de final de semana dentro do mesmo Estado. A equipe Trip & Travel está focada nesse momento na seleção de hotéis e roteiros diferenciados no Rio Grande do Sul que ofereçam experiências junto à natureza, como o Estribo de Santo Antonio da Patrulha e o Tedesco Eco Park, em São Francisco de Paula.
Enquanto houver restrições de entrada de brasileiros nos Estados Unidos, na Europa e em outros países, enquanto houver o receio quanto a voos longos, conexões em grandes hubs internacionais e eventuais exigências de quarentena ao chegarmos, a tendência é explorar as belezas e a diversidade nacionais — desde nossos parques, para ecoturismo, até o lazer em nossos 8 mil quilômetros de costa marítima. Como em outros períodos em que a alta do dólar desestimulava viagens ao Exterior, entendo que nos próximos 12 meses aproveitaremos mais o Brasil. Após o nosso inverno, conseguimos vislumbrar viagens regionais em grupo. Já temos wine trips programadas para a Campanha Gaúcha em setembro e para a região de São Joaquim (SC) em outubro.
O tipo de acomodação também deve se ajustar aos novos tempos, com a preferência por pousadas e hotéis pequenos, de menor interação com outros hospedes. Os resorts, tão práticos para atender expectativas das diferentes faixas etárias familiares, devem trabalhar com ocupação limitada para evitar aglomeração.
Os modos de locomoção já mudaram do ônibus para carro próprio ou vans com ocupação menor. As viagens devem ser com pessoas conhecidas — família ou amigos — das quais se conheça o histórico de cuidados com o distanciamento social, exposição da atividade profissional ou região pelas quais circulam.
A forma de viajar também vai se ajustar, com tendência por grupos menores, longe do turismo de massa. Estaremos cada vez mais conectados e informados sobre as condições dos destinos desejados.
O turismo internacional em grande escala só deve voltar em 2021, quando não existirem mais restrições legais nem quarentena, as companhias aéreas estiverem com suas malhas aéreas restauradas e os hotéis e serviços estiverem funcionando. Vislumbrando esse cenário, transferimos todos os nossos Grand Tours para 2021, quando estaremos desbravando o Ártico e Ásia Central, além de viagens culturais pela Europa e musicais pelos EUA.
*Diretor do STB Trip & Travel, já percorreu 139 países nos cinco continentes
Pelo verdadeiro sentido de viajar
Tiago Halewicz*
No final de fevereiro deste ano, quando embarquei em um voo no aeroporto de Marrakesh (Marrocos) para iniciar o retorno ao Brasil, jamais pensei que seria a minha última viagem de 2020. Na chegada em Madri, onde faria uma conexão para São Paulo, um mundo que eu até então não conhecia começava a tomar forma. Os passos anônimos de rostos por trás de máscaras, mais numerosos do que o comum, anunciavam o início de uma nova era, como se o silêncio e a cautela rompessem a atmosfera festiva de outrora. Instintivamente, pessoas substituíam abraços apertados, beijos e cumprimentos de mão — ritos de celebração de final de uma viagem bem sucedida — por um olhar solidário de agradecimento, à distância.
E assim, como num passe de mágica, tudo mudou.
Há no mínimo 10 anos, viajar é grande parte das minhas atribuições profissionais. Empresto o meu olhar àqueles que desejam conhecer novas culturas, transcender o próprio espaço e viver experiências genuínas em um programa de turismo com curadoria.
Iniciei minha trajetória nesse campo utilizando meu conhecimento como músico e a paixão ancestral pela Polônia em um roteiro intitulado Caminhos de Chopin, uma viagem de Varsóvia a Paris dedicada à memória do compositor mais celebrado do século 19. Foram muitas as incursões ao mundo do piano romântico antes de a estrada do conhecimento me levar a Islândia, Irã, Japão, Coreia do Sul, Jordânia, Israel, Marrocos, Zâmbia e também a lugares mais tradicionais do Velho Continente e das Américas.
Mas turismo de qualidade não se faz apenas com erudição de um humanista. É necessário fundamento técnico, credibilidade, respaldo de uma agência de viagens dedicada, bons fornecedores e apoio de uma equipe local, tudo em sinergia para oferecer o contexto ideal, onde o aprendizado e a segurança possam agir como protagonistas. Afinal de contas, é isso que faz de uma viagem uma experiência plena e alimenta o desejo de seguir descobrindo o mundo.
Em março deste ano, vimos o mercado do turismo entrar em uma das maiores crises da história. Fronteiras fechadas, companhias aéreas praticamente inoperantes, hotéis, museus e restaurantes de portas cerradas adiaram sonhos para conter a velocidade de uma pandemia. Não havia alternativa para salvar as nossas vidas: o mundo virou quatro paredes.
Para os mais afortunados, livros, computadores e smartphones se converteram em grandes aliados em um momento cujas únicas fronteiras que podemos cruzar são aquelas da nossa existência. E essas são as mais difíceis, porém necessárias para que possamos olhar o que tem do outro lado de uma maneira diferente, mais atenta, solidária e consciente. Agora todos somos responsáveis pela vida do outro, o que poderia ser regra desde muito tempo.
A ciência caminha a passos largos para que possamos voltar à rotina, possivelmente em 2021. Contudo, precisamos ser solidários com essa arte para retomar a vida lá fora, reabrir o comércio, gerar empregos, circular pelas ruas, abraçar familiares, amigos e, no meu caso, preparar os grupos e voltar a viajar. Não tenho dúvida de que voltaremos a viajar. Inicialmente de forma mais tímida, em velocidade mais baixa e com cautela. Cabe a nós reconstruirmos o mundo para que no futuro não tenhamos que pagar uma conta tão alta.
Sempre fiz planos a longo prazo. O turismo requer essa paciência, planejamento, segurança e cautela a cada passo dado. São muitos tentáculos para compor o produto ideal, de acordo com o perfil de quem desejamos atender.
Desde que passei a trabalhar em home office, venho refletindo sobre como será a reinvenção desse mercado, um setor dinâmico e muito aquecido nas duas últimas décadas. Em determinadas situações, o volume de visitantes levou cidades ao colapso, exauriu infraestruturas, exacerbou níveis de poluição, de produção de resíduos e despertou a ira de moradores. Agora que temos esse arrefecimento, precisamos fazer o dever de casa e voltar os olhos a um turismo menos predatório, valorizando iniciativas mais sustentáveis.
Vamos buscar destinos menos óbvios, valorizar os pequenos grupos, serviços personalizados e, na medida do possível, substituir grandes redes hoteleiras por alternativas menores, aquelas que não negligenciam medidas de higiene e capacidade de ocupação. Vamos andar mais a pé, realizar atividades ao ar livre, frequentar pequenos museus, pois eles também têm muito a nos ensinar. Haverá menos compras, menos bagagem e ficaremos mais tempo em cada lugar, evitando muitos deslocamentos, aeroportos ou estações de trem.
O momento é de descomplicar para que possamos despir os adereços e buscarmos o verdadeiro sentido da palavra "viagem". Todos nós temos que refletir como podemos sair ganhando com tudo isso.
*Diretor cultural da Casamundi Cultura