Acaba de estrear no Max — ex-HBO Max — Reencarnação (Birth, 2004), o segundo longa-metragem do cineasta britânico Jonathan Glazer, o mesmo de Zona de Interesse (2023), que neste domingo (10) concorre em cinco categorias do Oscar: melhor filme, direção, roteiro adaptado, som e longa internacional. São dois filmaços.
Aliás, recomendo todos os filmes de Glazer. No intenso Sexy Beast (2000, indisponível no streaming), Ben Kingsley interpreta um verborrágico e obsessivo gângster britânico disposto a tirar da aposentadoria na Espanha o ladrão vivido por Ray Winstone. Na ficção científica Sob a Pele (2013, também no menu do Max), Scarlett Johansson encarna um ser provavelmente de outro planeta que passa a interagir com homens solitários na Escócia.
Geralmente, o diretor proporciona cenas a um só templo contemplativas e incômodas. Em Reencarnação, por exemplo, o rosto de Nicole Kidman enche a tela, e o espectador perde a noção do tempo. A personagem da atriz, Anna, acaba de chegar a um concerto, com o noivo, Joseph (Danny Huston). Atrasados, os dois se acomodam nas poltronas, e então a câmera fixa-se na silenciosa explosão de sentimentos da protagonista — semelhante àquela do ator Koji Yakusho em Dias Perfeitos (2023), rival japonês de Zona de Interesse no Oscar internacional.
Na trama, a protagonista, às vésperas do casamento, recebe a visita de um guri de 10 anos (Cameron Bright) que se apresenta como a reencarnação de seu primeiro marido, Sean, morto subitamente 10 anos antes. Híbrido de suspense psicológico e drama sobrenatural, Reencarnação conta com excelentes atuações — além de Kidman e de Huston, destaca-se Lauren Bacall (1924-2014), como a mãe de Anna.
O filme foi escrito por Glazer, Milo Addica (coautor de A Última Ceia, pelo qual disputou o Oscar de roteiro original) e o francês Jean-Claude Carrière, célebre colaborador do cineasta Luis Buñuel. Enxergam-se em Reencarnação traços de Buñuel, como a atmosfera surreal, a obsessão pela morte, o surrealismo, a sensualidade mórbida, o olhar descrente ao possível viés religioso da história. Há ainda referências a Alfred Hitchcock (como nos violinos da música composta por Alexandre Desplat) e, mais visíveis ainda, ao clássico do horror O Bebê de Rosemary (1968), de Roman Polanski: Nicole Kidman ostenta um corte de cabelo curto como o de Mia Farrow, a ambientação no aristocrático Upper East Side, em Nova York, remete ao cenário gótico do edifício Dakota e, como Rosemary, Anna não consegue fazer ninguém acreditar nela — para a protagonista, o menino Sean é mesmo seu marido morto.
Jonathan Glazer explora a relação entre os dois sem escândalos — a cena em que Anna divide a banheira com Sean não merecia a agitação causada no Festival de Veneza de 2004. O filme lança mão de outros artifícios para perturbar o público. Exemplo: o uso em certas passagens de uma trilha sonora abafada, que parece prestes a estourar. Falando em rompante, uma das grandes cenas é aquela em que Joseph explode de ciúme, quando os familiares do casal — e o pequeno Sean — estão reunidos para ouvir a Marcha Nupcial de Mendelssohn, em arranjo de leveza quase jocosa (contraponto ao peso e ao desconforto da ocasião).
Eis um filme magnífico na criação de um clima de mistério, que só não é perfeito porque cede à tentação de oferecer explicações.