Só uma gigantesca reviravolta, digna dos filmes do próprio Christopher Nolan, tira de Oppenheimer (2023) o Oscar de melhor filme na cerimônia deste domingo, 10 de março, no Teatro Dolby, em Los Angeles. A cada troféu prévio, a cinebiografia assinada pelo diretor inglês aumentou o favoritismo atribuído em 23 de janeiro, quando despontou como líder em indicações — são 13, contra as 11 de Pobres Criaturas — da 96ª premiação da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood.
Como o horário de verão dos Estados Unidos começa justamente no domingo, a festa tem início mais cedo que o habitual para nós: às 20h de Brasília. Mas o canal pago TNT e a plataforma de streaming Max (ex-HBO Max) abrem a transmissão ao vivo às 19h, com o tapete vermelho.
Nesta coluna, faço um balanço de como está a corrida em cada categoria dos longas-metragens e revelo para quem torço — em alguns casos, com zero chance de sucesso. Clique nos links se quiser saber mais sobre os filmes indicados.
Melhor filme
Indicados: Anatomia de uma Queda, Assassinos da Lua das Flores, Barbie, Ficção Americana, Maestro, Oppenheimer, Pobres Criaturas, Os Rejeitados, Vidas Passadas e Zona de Interesse
Oppenheimer tem tudo o que a Academia quer: respaldo da crítica, engajamento do público — com mais de US$ 950 milhões arrecadados, foi a terceira maior bilheteria de 2023, atrás apenas dos bilionários Barbie e Super Mario Bros: O Filme — e sintonia com o contexto político. Tanto com o dos Estados Unidos, sacudido pela tradicional polarização que antecede as eleições presidenciais, quanto o do mundo, assustado pelas guerras como Rússia contra Ucrânia e Israel versus Hamas. A trama sobre o físico considerado o pai da bomba atômica reconstitui um capítulo doloroso da história estadunidense: o bombardeio de Hiroshima, no Japão, em 6 de agosto de 1945, nos estertores da Segunda Guerra Mundial. Estima-se que morreram ent re 90 mil e 166 mil pessoas, a maioria civis, no ato da explosão ou por causa do efeito de queimaduras e do envenenamento radioativo.
A cinebiografia venceu praticamente todos os prêmios concedidos pela indústria cinematográfica (que vota no Oscar) ou pela crítica (que influencia). O principal deles foi o PGA Awards, da Associação dos Produtores dos EUA, no qual tinha os mesmos nove adversários da cerimônia deste domingo. Trata-se do grande termômetro para o Oscar de melhor filme: a escolha dessa entidade coincidiu com a da Academia de Hollywood em 24 das 34 edições já realizadas — e em cinco dos últimos seis anos, incluindo 2022, quando No Ritmo do Coração desbancou o outrora favorito Ataque dos Cães; só não deu dobradinha em 2020, quando, no Oscar, Parasita derrotou 1917.
Oppenheimer valeu a Nolan o prêmio do Sindicato dos Diretores dos EUA, o DGA Awards, e também recebeu o troféu de melhor elenco no SAG Awards, do Sindicato dos Atores, classe que, numericamente, tem o maior colégio eleitoral entre os 9.797 votantes do Oscar. Ganhou ainda o Bafta, o Globo de Ouro e o Critics Choice. Se deixar de vencer o Oscar, será por causa do complexo sistema de eleição (explicado nesta coluna aqui), o do voto preferencial, que pode beneficiar um filme mais mediano, mais palatável.
Meu voto: gosto de Oppenheimer, mas colocaria pelo menos quatro títulos acima na cédula de votação. Pela ordem, Zona de Interesse (que, ao dissociar imagem e som no retrato do cotidiano familiar do nazista comandante de Auschwitz, é o mais perturbador dos indicados e também o mais ressonante, por refletir sobre a banalidade do mal e nossa capacidade de sermos indiferentes à dor alheia), Assassinos da Lua das Flores, Vidas Passadas e Pobres Criaturas.
Direção
Indicados: Jonathan Glazer (Zona de Interesse), Yorgos Lanthimos (Pobres Criaturas), Christopher Nolan (Oppenheimer), Martin Scorsese (Assassinos da Lua das Flores) e Justine Triet (Anatomia de uma Queda)
Premiado pelo Sindicato dos Diretores dos EUA, Christopher Nolan já deve ter ensaiado seu discurso de agradecimento. Nas 51 edições do DGA Awards, houve dobradinha com o Oscar em 44 vezes. Há também um fator mais subjetivo: muitos dos votantes da Academia podem entender que chegou a hora de laurear o cineasta britânico de 53 anos que já havia sido indicado cinco vezes à estatueta dourada. A primeira foi como coautor do roteiro original de Amnésia (2000), escrito com seu irmão, Jonathan Nolan. Depois, como roteirista e coprodutor, ao lado de sua esposa, Emma Thomas, de A Origem (2010). E novamente como um dos produtores e também como diretor de Dunkirk (2017).
Meu voto: sou fã de Nolan, mas ficaria feliz com uma vitória de Glazer ou de Lanthimos, que fez o filme mais despudorado, ou ainda de Scorsese, por causa de seu epílogo surpreendente e autocrítico.
Ator
Indicados: Bradley Cooper (Maestro), Colman Domingo (Rustin), Paul Giamatti (Os Rejeitados), Cillian Murphy (Oppenheimer) e Jeffrey Wright (Ficção Americana)
Murphy ganhou o Bafta, o Globo de Ouro de ator em drama e o troféu do Sindicato dos Atores. Giamatti recebeu o Globo de Ouro de ator em comédia e o Critics Choice.
Meu voto: acho que Os Rejeitados depende mais da atuação de Giamatti — cativante em sua rabugice — do que Oppenheimer em relação a Murphy.
Atriz
Indicadas: Annette Bening (Nyad), Lily Gladstone (Assassinos da Lua das Flores), Sandra Hüller (Anatomia de uma Queda), Carey Mulligan (Maestro) e Emma Stone (Pobres Criaturas)
Talvez seja o duelo mais emocionante. Gladstone ganhou no Sindicato dos Atores e recebeu o Globo de Ouro de atriz em drama. Stone faturou o Bafta, o Globo de Ouro de atriz em comédia e o Critics Choice. Pesa a favor da primeira o fator diversidade étnica: é a primeira indígena indicada ao Oscar da categoria. E pesa contra a segunda já ter vencido por La La Land (2016).
Meu voto: Gladstone é o coração de Assassinos da Lua das Flores, mas Stone é o corpo inteiro de Pobres Criaturas. A atriz brilha no trabalho de evolução de sua personagem.
Ator coadjuvante
Indicados: Sterling K. Brown (Ficção Americana), Robert De Niro (Assassinos da Lua das Flores), Robert Downey Jr. (Oppenheimer), Ryan Gosling (Barbie) e Mark Ruffalo (Pobres Criaturas)
Lobo em pele de cordeiro em Oppenheimer, Downey é o favoritaço. Já levou o SAG Awards, o Bafta, o Globo de Ouro e o Critics Choice.
Meu voto: ficaria dividido. Gosling consegue transformar Barbie em um filme do Ken, e o octogenário De Niro tem sua melhor atuação dos últimos 20 anos.
Atriz coadjuvante
Indicadas: Emily Blunt (Oppenheimer), Danielle Brooks (A Cor Púrpura), America Ferrera (Barbie), Jodie Foster (Nyad) e Da’Vine Joy Randolph (Os Rejeitados)
Randolph, a cozinheira de luto pelo filho morto na Guerra do Vietnã, já deu a Os Rejeitados o troféu do Sindicato dos Atores, o Bafta, o Globo de Ouro e o Critics Choice.
Meu voto: abstenção. Foi um crime deixar de fora da lista Julianne Moore (Segredos de um Escândalo).
Roteiro original
Indicados: Anatomia de uma Queda, Maestro, Os Rejeitados, Segredos de um Escândalo e Vidas Passadas
A premiação do Sindicato dos Roteiristas só acontece em abril. No Bafta e no Globo de Ouro, deu Anatomia de uma Queda. No Critics Choice, Barbie — que no Oscar foi reclassificado para a categoria de roteiro adaptado.
Meu voto: Celine Song, de Vidas Passadas, que não é maniqueísta nem manipulativa no triângulo amoroso formado por uma escritora sul-coreana radicada em Nova York, o marido dela e homem que era seu namoradinho na pré-adolescência.
Roteiro adaptado
Indicados: Barbie, Ficção Americana, Oppenheimer, Pobres Criaturas e Zona de Interesse
Cord Jefferson já venceu o Bafta e o Critics Choice com Ficção Americana, que discute os estereótipos impostos a autores e personagens negros no mundo da cultura e do entretenimento nos EUA.
Meu voto: ficaria indeciso entre dois títulos que não podem ser mais diferentes um do outro: Barbie e Zona de Interesse.
Fotografia
Indicados: Assassinos da Lua das Flores, O Conde, Maestro, Oppenheimer e Pobres Criaturas
Hoyte van Hoytema, de Oppenheimer, faturou o troféu do Sindicato dos Diretores de Fotografia, o Bafta e o Critics Choice.
Meu voto: Robbie Ryan, que em Pobres Criaturas aumenta o clima de estranheza, com suas imagens esféricas e distorcidas, e a profundidade de campo — tudo a ver em um filme sobre uma protagonista que está descobrindo o mundo.
Edição
Indicados: Anatomia de uma Queda, Assassinos da Lua das Flores, Oppenheimer, Pobres Criaturas e Os Rejeitados
Jennifer Lame, de Oppenheimer, ganhou no Sindicato dos Editores em drama (Os Rejeitados faturou em comédia), o Bafta e o Critics Choice.
Meu voto: também premiaria Oppenheimer, pelo trabalho de conjugar três tempos narrativos e, por meio da montagem, ajudar o espectador a entrar na mente do protagonista.
Design de produção
Indicados: Assassinos da Lua das Flores, Barbie, Napoleão, Oppenheimer e Pobres Criaturas
O Sindicato dos Diretores de Arte premiou Oppenheimer (como filme de época) e Pobres Criaturas (filme de fantasia), que também venceu no Bafta. Barbie ganhou o Critics Choice.
Meu voto: a cenografia é fundamental tanto em Barbie quanto em Pobres Criaturas. Fico com o universo steampunk e fantasioso do segundo, trabalho de James Price, Shona Heath e Zsuzsa Mihalek.
Figurinos
Indicados: Assassinos da Lua das Flores, Barbie, Napoleão, Oppenheimer e Pobres Criaturas
O Sindicato dos Figurinistas laureou Barbie (como filme de fantasia ou ficção científica), que também levou o Critics Choice, e Pobres Criaturas (filme de época), que ganhou o Bafta.
Meu voto: por mais que Jacqueline Durran tenha materializado o mundo colorido da boneca em Barbie, em Pobres Criaturas os figurinos criados por Holly Waddington são como personagens à parte.
Maquiagem e cabelos
Indicados: Golda: A Mulher de uma Nação, Maestro, Oppenheimer, Pobres Criaturas e A Sociedade da Neve
O sindicato da categoria deu dois troféus para Maestro (e dois para Saltburn e um para Barbie, que nem foram indicados pela Academia de Hollywood). O Bafta premiou Pobres Criaturas.
Meu voto: em A Sociedade da Neve, Ana López-Puigcerver, David Martí e Montse Ribé fazem a gente acreditar que os atores passaram mesmo 72 dias perdidos nos Andes.
Som
Indicados: Maestro, Missão: Impossível 7, Oppenheimer, Resistência e Zona de Interesse
Oppenheimer recebeu dois prêmios do sindicato da categoria. Zona de Interesse venceu no Bafta.
Meu voto: sem sombra de dúvida, Johnnie Burn e Tarn Willers, por criarem uma atmosfera sonora assombradora em Zona de Interesse.
Música original
Indicados: Assassinos da Lua das Flores, Ficção Americana, Indiana Jones e a Relíquia do Destino, Oppenheimer e Pobres Criaturas
Ludwig Göransson já rendeu a Oppenheimer os troféus da sociedade de compositores e letristas, o Bafta, o Globo de Ouro e Critics Choice.
Meu voto: por mais impactante que seja a trilha de Oppenheimer, votaria no trabalho mais sutil de Robbie Robertson (1943-2023) em Assassinos da Lua das Flores. Sua música sublinha o tormento do protagonista.
Canção
Indicadas: The Fire Inside (de Flamin’ Hot), I’m Just Ken (de Barbie), It Never Went Away (de American Symphony), Wahzhazhe (de Assassinos da Lua das Flores) e What Was I Made For? (de Barbie)
O sindicato da categoria e o Globo de Ouro premiaram What Was I Made For?. I’m Just Ken venceu no Critics Choice.
Meu voto: disparado, o hilariante hino I’m Just Ken, composto por Mark Ronson e Andrew Wyatt e cantado por Ryan Gosling.
Efeitos visuais
Indicados: Godzilla Minus One, Guardiões da Galáxia Vol. 3, Missão: Impossível 7, Napoleão e Resistência
Resistência recebeu cinco prêmios do sindicato da categoria. No Bafta, deu Pobres Criaturas, e no Critics Choice, Oppenheimer (ambos não indicados).
Meu voto: raras vezes a tecnologia pareceu tão orgânica como em Resistência.
Filme internacional
Indicados: Dias Perfeitos (Japão), Eu, Capitão (Itália), A Sala dos Professores (Alemanha), A Sociedade da Neve (Espanha) e Zona de Interesse (Reino Unido)
O Globo de Ouro e o Critics Choice elegeram Anatomia de uma Queda, preterido pela França na escolha para o Oscar. No Bafta, venceu Zona de Interesse.
Meu voto: Zona de Interesse, de Jonathan Glazer. Mas Dias Perfeitos, de Wim Wenders, e A Sala dos Professores, de Ilker Çatak, também são excelentes.
Longa de animação
Indicados: Elementos, Homem-Aranha: Através do Aranhaverso, O Menino e a Garça, Meu Amigo Robô e Nimona
Homem-Aranha tem favoritismo, por ter vencido o prêmio da Associação dos Produtores e o Annie, o troféu específico das animações, além do Critics Choice. Mas O Menino e a Garça faturou o Bafta e o Globo de Ouro e conta com o fator Hayao Miyazaki: pode ser a despedida do mestre japonês, já oscarizado por A Viagem de Chihiro (2001).
Meu voto: Meu Amigo Robô, do espanhol Pablo Berger, uma história linda e sem diálogos sobre solidão, amizade e lealdade, ambientada na Nova York dos anos 1980 e estrelada por um cachorro e o robô que ele compra para lhe fazer companhia.
Documentário
Indicados: 20 Dias em Mariupol, Bobi Wine: The People’s President, A Memória Infinita, As 4 Filhas de Olfa e To Kill a Tiger
Bobi Wine foi premiado pela International Documentary Association, e 20 Dias em Mariupol venceu o Bafta e o troféu do Sindicato dos Diretores. A Associação dos Produtores laureou American Symphony, eliminado na semifinal do Oscar.
Meu voto: é a única categoria da qual não consegui ver todos os indicados. Tenho simpatia por Bobi Wine, que me contou uma história totalmente inédita para mim.