A vitória de No Ritmo do Coração no Oscar de melhor filme foi comemorada por muitos e lamentada por outros tantos.
Eu admito: se fosse integrante da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, teria votado em Ataque dos Cães para receber, na noite de domingo (27), o principal prêmio da cerimônia realizada no Dolby Theatre, em Los Angeles.
Acho o faroeste tardio e desconstrutivo da diretora Jane Campion superior em qualidade cinematográfica e com mais ressonância do que CODA (o título original do drama sobre a família de surdos). Forma e conteúdo se combinam: para tratar do atrito e da atração entre personagens ambíguos, para abordar desejos reprimidos e masculinidade tóxica, Ataque dos Cães mostra-se um filme extremamente tátil, pleno de silêncios e de interditos, marcado por olhares às vezes furtivos, às vezes eloquentes.
No Ritmo do Coração tem, sim, uma narrativa mais convencional. Mas é absolutamente eficiente na comunicação com o público. Aliás, como lembrou no discurso de agradecimento o ator Troy Kotsur, vencedor do Oscar de coadjuvante no papel do pai ora turrão, ora terno, o filme é justamente sobre comunicação. Nas palavras de Kotsur, a diretora e roteirista Siân Heder conseguiu criar a ponte entre o mundo dos surdos (do qual ele faz parte) e o mundo dos ouvintes (do qual ela faz parte).
Criar pode ser um verbo exagerado, pois No Ritmo do Coração é baseado em outro filme, o francês A Família Bélier (2014). Só por colocar em prática uma refilmagem — e de uma obra tão recente —, Heder já despertou queixas. Mas o preconceito maior parece ser contra o caráter emocional. Contra a capacidade que No Ritmo do Coração tem de nos tocar, de nos engajar e de nos fazer chorar, às vezes sem sabermos se de tristeza ou de alegria.
Por que rejeitamos a emoção? Talvez porque revele nossa fragilidade. Nossa pequenez como seres humanos que, como os personagens de No Ritmo do Coração, querem ser acolhidos e compreendidos, querem poder sonhar e buscar a realização desses sonhos. Parafraseando o pai encarnado por Troy Kotsur em cena, "Vai" — deixe-se arrepiar pelo que a vida tem de mais precioso: a conexão com os outros.
No Ritmo do Coração está em cartaz no Amazon Prime Video.