O anúncio dos concorrentes ao Oscar 2024 aumentou o favoritismo de Oppenheimer. Disponível para aluguel nas plataformas digitais, o épico de Christopher Nolan sobre o pai da bomba atômica recebeu 13 indicações da Academia de Hollywood: melhor filme, direção, ator (Cillian Murphy), atriz coadjuvante (Emily Blunt), ator coadjuvante (Robert Downey Jr.), roteiro adaptado (assinado pelo próprio Nolan), fotografia (Hoyte van Hoytema), edição (Jennifer Lame), design de produção (Ruth De Jong e Claire Kaufman), figurino (Ellen Mirojnick), maquiagem e cabelos (Luisa Abel), som e música original (Ludwig Göransson). Logo atrás, com 11, está Pobres Criaturas, de Yorgos Lanthimos, que estreia nos cinemas em 1º de fevereiro. Assassinos da Lua das Flores, de Martin Scorsese, tem 10, e Barbie, de Greta Gerwig, oito.
Oppenheimer tem uma série de credenciais para sonhar alto na 96ª cerimônia de premiação, marcada para o dia 10 de março, no Dolby Theatre, em Los Angeles. Para começar, já conquistou importantes troféus prévios. Foram cinco no Globo de Ouro, concedido pela Associação de Imprensa Estrangeira em Hollywood, e oito no Critics Choice, que reúne críticos de internet, rádio e TV dos Estados Unidos e do Canadá. Também disputará, em 18 de fevereiro, 13 Baftas, da Academia Britânica, e, em 24 de fevereiro, quatro categorias do SAG Awards (do Sindicato dos Atores dos EUA), incluindo melhor elenco.
O contexto político do país, sacudido pela tradicional polarização que antecede as eleições presidenciais, e do mundo — assustado pelas guerras como Rússia contra Ucrânia e Israel versus Hamas — também empresta relevância a Oppenheimer. A exemplo de Assassinos da Lua das Flores, que narra o massacre de indígenas Osage no Oklahoma dos anos 1920, o filme de Christopher Nolan reconstitui um capítulo doloroso da história estadunidense: o bombardeio de Hiroshima, no Japão, em 6 de agosto de 1945, nos estertores da Segunda Guerra Mundial. Estima-se que morreram entre 90 mil e 166 mil pessoas, a maioria civis, no ato da explosão ou por causa do efeito de queimaduras e do envenenamento radioativo.
Mas na comparação com o título dirigido por Scorsese, Oppenheimer tem dois trunfos. O primeiro é matemático: ao arrecadar US$ 952,9 milhões, foi a terceira maior bilheteria de 2023, atrás apenas de Barbie (US$ 1,4 bilhão) e Super Mario Bros.: O Filme (US$ 1,3 bilhão). Assassinos da Lua das Flores faturou somente US$ 156,3 milhões. A Academia tem a rara oportunidade de laurear um filme que fez sucesso de crítica e também de público.
O segundo trunfo é mais subjetivo. Embora seja um pecado que Martin Scorsese, 81 anos, só tenha recebido um Oscar — o de melhor direção, por Os Infiltrados (2006) — em sua longa carreira, com outras 13 indicações graças a obras como Touro Indomável (1980), Os Bons Companheiros (1990), O Lobo de Wall Street (2013) e O Irlandês (2019), muitos dos cerca de 9,5 mil votantes podem entender que chegou a hora de premiar Christopher Nolan, britânico de 53 anos que já havia sido indicado cinco vezes ao Oscar. A primeira foi como coautor do roteiro original de Amnésia (2000), escrito com seu irmão, Jonathan Nolan. Depois, como roteirista e coprodutor, ao lado de sua esposa, Emma Thomas, de A Origem (2010). E novamente como um dos produtores e também como diretor de Dunkirk (2017).
Por falar em votantes, o sistema eleitoral do Oscar de melhor filme tende a beneficiar Oppenheimer na briga com seu perseguidor mais direto no número de indicações. No chamado voto preferencial, cada membro da Academia deve ranquear os 10 indicados, do primeiro ao último. Caso um dos títulos consiga alcançar mais do que 50% dos votos como número 1, automaticamente ganha a estatueta. Mas isso é extremamente difícil de acontecer, então o processo envolve redistribuição dos votos e eliminação de candidatos, até surgir um consenso. Resumidamente, impera o gosto médio, ou seja: Pobres Criaturas pode angariar uma legião de simpatizantes, mas, por causa de suas muitas cenas de nudez e sexo, provavelmente ficará nas últimas posições nas cédulas do eleitorado mais conservador.
O irônico é que Oppenheimer tem a primeira cena de sexo nos 12 longas-metragens de Christopher Nolan. Com orçamento de US$ 100 milhões e mais de 70 atores no elenco, é também o de maior duração em sua filmografia: três horas. E, de modo inédito, o cineasta escreveu um roteiro na primeira pessoa para mergulhar no íntimo do físico estadunidense J. Robert Oppenheimer (1906-1967) durante sua turbulenta trajetória.
O personagem é brilhantemente interpretado pelo ator irlandês Cillian Murphy, em sua sexta colaboração com Nolan, depois da trilogia do Batman (2005-2012), de A Origem e de Dunkirk. O diretor baseou-se numa biografia premiada com o Pulitzer, Oppenheimer: O Triunfo e a Tragédia do Prometeu Americano, de Kai Bird e Martin J. Sherwin. Trata-se de um homem que queria deixar de fazer um trabalho tão abstrato e tão distante ("o que acontece com as estrelas quando morrem?") para efetivamente causar impacto na vida das pessoas e no planeta.
Quando terminou o script, o cineasta enviou o seguinte pedido ao supervisor de efeitos visuais Andrew Jackson: "Temos de encontrar uma maneira de entrar na cabeça desse cara. Temos de ver o mundo como ele o vê, temos de ver os átomos se movendo, temos de ver como ele imagina as ondas de energia, o mundo quântico. E então temos de ver como isso se traduz no teste Trinity (o pioneiro experimento com arma nuclear da história, realizado pelos Estados Unidos em 16 de julho de 1945, no deserto de Los Alamos, no Novo México). Temos de sentir o perigo, sentir a ameaça. Vamos fazer todas essas coisas, mas sem nada de computação gráfica" — como de costume em sua carreira, mas sem, obviamente, detonar uma bomba de verdade.
Também como de hábito nas obras de Nolan, o filme não segue uma estrutura linear. Temos, basicamente, três tempos narrativos. Dois deles são retratados com cores pelo diretor de fotografia holandês Hoyte Van Hoytema, parceiro do diretor desde Interestelar (2014): é a história contada pela perspectiva de Oppenheimer, o que inclui momentos de imaginação do protagonista e de inventividade visual do diretor. Como quando, durante um discurso ufanista para militares e cidadãos estadunidenses após a explosão atômica em Hiroshima, o personagem vislumbra as consequências devastadoras e duradouras do chamado Projeto Manhattan, programa do governo estadunidense que, durante a Segunda Guerra, buscava montar uma bomba nuclear antes dos nazistas — missão que envolveu US$ 2 bilhões, três anos de trabalho e 4 mil pessoas.
Um dos períodos vistos pelo olhar de Oppenheimer é 1954. Enquanto é interrogado pela Comissão de Energia Atômica estadunidense, que ameaça revogar o acesso do físico a informações confidenciais e despojá-lo de sua influência política direta, por causa de suas manifestações contra o desenvolvimento de um arsenal nuclear e de suas relações com pessoas ligadas ao Partido Comunista (eram os tempos da Guerra Fria entre EUA e URSS), ele rememora sua juventude, seus anseios, seus estudos, seus amores e os passos que levaram ao bombardeio do Japão.
Acompanhamos os encontros com físicos como Albert Einstein (Tom Conti) e Niels Bohr (Kenneth Branagh); os relacionamentos com mulheres como a psiquiatra Jean Tatlock (Florence Pugh, subaproveitada) e a bióloga Katherine Puening, a Kitty (Emily Blunt); a formação da equipe do Projeto Manhattan, sob a liderança do tenente-general Leslie Groves (Matt Damon, com uma ironia canastrona que casou bem com o papel); e a célebre, curta e malfadada reunião com o presidente Harry S. Truman (Gary Oldman, desfrutando cada segundo em cena), já depois da rendição japonesa na Segunda Guerra Mundial.
O terceiro tempo narrativo tem imagens em preto e branco para evidenciar, nas palavras do cineasta, que as cenas são objetivas. O personagem central é o empresário e almirante Lewis Strauss, encarnado por Robert Downey Jr. com um misto de sobriedade e malícia que poderá valer o Oscar de ator coadjuvante. Figura chave no programa nuclear, ele passa por uma sabatina no Senado, em 1959, para confirmar sua nomeação como secretário de Comércio dos EUA. Na pauta, estão suas relações com Oppenheimer e a corrida armamentista contra os soviéticos.
Apesar de ser uma cinebiografia centrada em um personagem e ambientada no passado, Oppenheimer tem a ambição de falar da humanidade como um todo e de dilemas muito contemporâneos. Por um lado, seu protagonista nos lembra como somos complexos e contraditórios: Oppenheimer é egocêntrico, mas também é atormentado por dúvidas e inseguranças (será que a bomba vai trazer a paz — mesmo que pelo medo — que ele imagina?); é um cientista, mas também é um sujeito passional; é um gênio, mas também é ingênuo ("Como esse homem que viu tanta coisa pôde ser tão cego?", afirma Strauss).
Por outro lado, Nolan disse esperar que seu filme sirva de alerta para as empresas de tecnologia. "Quando falo com os principais pesquisadores no campo da inteligência artificial (IA), eles dizem que estão em seu momento Oppenheimer", declarou o diretor. "Eles estão olhando para a história para tentar responder: 'Quais são as responsabilidades dos cientistas que desenvolvem novas tecnologias que podem ter consequências não intencionais?'."
Uma ambição de Nolan, a de tentar tornar acessíveis ao grande público conceitos complexos — vide Interestelar, que trata de teoria da relatividade, buraco de minhoca (uma deformação do espaço-tempo que permitiria viagens intergalácticas) e quinta dimensão —, acaba jogando contra em Oppenheimer. Se no início o excesso de personagens, linhas narrativas e termos da física quântica e a montagem fragmentada da editora Jennifer Lame são um desafio para o espectador, logo surge o pendor do cineasta para ser explicativo e reiterativo. Por exemplo, a citação dos créditos de abertura, que compara J. Robert Oppenheimer a Prometeu (o deus da mitologia grega condenado à tortura eterna por ter roubado o fogo e dado aos mortais), será retomada mais adiante por Niels Bohr. O mesmo acontece com os versos de um poema épico indiano lido por Oppenheimer para Jean Tatlock, "E agora me tornei a Morte / Destruidor de mundos", repetido pelo protagonista à luz da bomba atômica. É como se o diretor não confiasse na capacidade do público de prestar atenção, reter informações, entender analogias, metáforas, simbolismos. Essa desconfiança se reflete na trilha sonora composta pelo sueco Ludwig Göransson, que é ora empolgante, ora perturbadora, mas também é onipresente e intrusiva no seu papel de guia emocional.
Por fim, como Oppenheimer é um filme de Christopher Nolan, não poderia faltar a ambição de surpreender o espectador. Mesmo sendo baseada em fatos históricos e documentados, a trama conta com pelo menos uma reviravolta.