Lembro como se fosse hoje da primeira vez que vi Amnésia (Memento, 2000), filme de Christopher Nolan recém adicionado ao menu da plataforma MUBI (também pode ser visto no Looke).
O assombro e o encantamento aconteceram desde a cena de abertura do longa-metragem indicado aos Oscar de roteiro original (assinado pelo cineasta e seu irmão, Jonathan Nolan) e de melhor edição (Dody Dorn). Uma mão sacode uma foto Polaroid, mas, em vez de aparecer a imagem, ela vai desaparecendo. Em seguida, a foto é sugada para dentro da máquina; de um corpo estendido no chão, o sangue reflui; e a bala retrocede da cabeça do morto para o revólver empunhado pelo fotógrafo.
O homem que vai matar é o ex-agente de seguros Leonard Shelby (Guy Pearce). O homem que vai morrer é Teddy (Joe Pantoliano), que se diz amigo de Leonard, mas guarda segredos.
Teddy pode ser o culpado pelo estupro e assassinato da esposa de Leonard, tempos atrás. Na noite da tragédia, Leonard foi golpeado na cabeça, virando vítima de uma rara desordem cerebral: é incapaz de formar recordações novas. Desconfiado de todos e traído pela própria memória, Leonard só sobrevive graças às fotos em Polaroid que tira das pessoas e dos lugares, às notas que escreve à mão nessas imagens e em papéis e às tatuagens que faz pelo corpo, o arquivo vivo da morte da mulher. E Leonard só vive para vingá-la. "Como posso lembrar de esquecer você?", ele se pergunta. "Como cicatrizar se eu não sinto o tempo?"
A narrativa é intercalada por cenas em que, num quarto de motel, Leonard conversa ao telefone sobre sua "condição", como ele chama, e sobre Sammy Jankis (Stephen Tobolowsky, sempre um bom coadjuvante), outro homem com perda de memória. Essas sequências são filmadas em preto e branco, reforçando a aproximação de Amnésia com o cinema noir dos anos 1940 — como era característico do estilo, aqui também há uma mulher bonita e misteriosa, a garçonete Natalie (Carrie-Anne Moss).
A mágica de Amnésia é misturar o tema — a natureza fabril e flexível da memória — à estrutura (na qual, como de hábito, Christopher Nolan manipula o tempo). Após cada cena, o diretor mostra o que ocorreu ligeiramente antes. As surpresas para o público vicejam não no futuro, mas no passado: a trama é contada do fim para o começo. A sensação é de que estamos recuperando as lembranças aos poucos, até finalmente enxergamos o quadro completo.