Três dos principais candidatos ao Oscar 2024 estão ambientados na Segunda Guerra Mundial: a cinebiografia Oppenheimer, campeã em indicações, o perturbador Zona de Interesse, favorito na categoria de filme internacional, e o japonês O Menino e a Garça, forte concorrente entre os longas de animação e em cartaz a partir desta quinta-feira (22) no Cinemark Barra, na Cinemateca Capitólio, no Cinesystem, no Espaço Bourbon Country e no GNC Iguatemi.
A coleção de troféus prévios inclui o Bafta, concedido no domingo passado (18) pela Academia Britânica, e o Globo de Ouro, da Associação de Imprensa Estrangeira em Hollywood. O maior rival é Homem-Aranha: Através do Aranhaverso (disponível na HBO Max), ganhador do Annie, o prêmio específico dos desenhos animado, e do Critics Choice, que congrega críticos estadunidenses e canadenses de rádio, TV e internet.
Completam a lista de indicadoa ao Oscar de animação Meu Amigo Robô (que a partir desta quinta estará em cartaz na Sala Norberto Lubisco), um belo e silencioso conto sobre solidão e lealdade; Nimona (Netflix), aventura LGBTQIA+ que virou sucesso de público, e Elementos (Disney+), um dos títulos mais esquecíveis da Pixar.
O Menino e a Garça pode ser o último filme de um mestre: Hayao Miyazaki, 83 anos, um dos fundadores do Studio Ghibli e diretor de Meu Amigo Totoro (1988), Princesa Mononoke (1997), o oscarizado A Viagem de Chihiro (2001), O Castelo Animado (2004) e Ponyo: Uma Amizade que Veio do Mar (2008) — todos disponíveis na Netflix. Ele já havia anunciado sua aposentadoria após Vidas ao Vento (2013), cansado por um trabalho feito à moda antiga — cada quadro é desenhado à mão. Mas a urgência criativa, a necessidade de criar algo para se sentir vivo levou Miyazaki à produção do novo longa-metragem, que demorou cerca de sete anos para ficar pronto, à base de um minuto por mês.
É uma espécie de testamento do cineasta, que mistura traços semiautobiográficos ao enredo de um romance publicado em 1937 por Genzaburo Yoshino, Kimitachi wa Dô Ikiru ka — que significa Como Vocês Vivem? e empresta o nome à animação (o título brasileiro traduz o do mercado em inglês, The Boy and the Heron). O início do filme evoca a infância de Miyazaki, marcado profundamente pelos bombardeios que obrigaram sua família a evacuar duas cidades durante a Segunda Guerra. Estamos em 1943, e a sirene alerta sobre um ataque aéreo. Uma bomba incendiária jogada sobre um hospital de Tóquio mata a mãe de Mahito Maki, um menino de 12 anos que é o protagonista da história. Como escreveu o crítico David Sims no site da revista estadunidense The Atlantic, é uma cena de "realidade chocante" para um diretor que, ao longo de seis décadas, "construiu uma reputação como mestre das imagens oníricas".
O Menino e a Garça também reúne vários elementos da obra de Miyazaki, como identificou minha filha mais velha, a Helena, 14 anos, fã das animações do Studio Ghibli: "Geralmente, esses filmes apresentam mundos mágicos que ajudam o protagonista a fugir ou a lidar com a sua realidade, inspiram a resolver seus problemas internos e externos". É o que acontece depois que o pai de Mahito se casa de novo e leva o filho para morar com a madrasta em uma casa no campo. O guri tem pesadelos recorrentes ligados à morte da mãe e não se sente nada confortável nessa formação familiar — tampouco na nova escola, onde sofre bullying. Então, ele conhece uma garça que o conduz a uma torre misteriosa, porta de entrada para uma jornada fantástica.
"Os filmes do Studio Ghibli", prossegue a Helena, "retratam a natureza como um refúgio. Esses cenários naturais também nos ajudam a escapar da nossa normalidade urbana e nos permitir embarcar na fantasia." A guerra, de forma direta ou alegórica, é outra marca do estúdio, vide O Túmulo dos Vagalumes (1988), de Isao Takahata, Porco Rosso (1992), O Castelo Animado e Da Colina Kokuriko (2011), de Gorô Miyazaki (filho de Hayao). A mensagem é sempre pacifista, valorizando a comunhão entre o mundo real e o mundo fantástico, ou seja, entre dois povos ou duas nações em conflito. A escolha de crianças como protagonistas é uma aposta no futuro.