Que o massacre midiático não anule o principal: Barbie (2023), em cartaz a partir desta quinta-feira (20) nos cinemas, é mesmo o filme do ano. Não necessariamente o melhor, mas o título inspirado na trajetória da famosa boneca criada em 1959, dirigido por Greta Gerwig e estrelado por Margot Robbie e Ryan Gosling justifica o status de fenômeno. Deve ser um sucesso de bilheteria e ser indicado a prêmios como o Oscar.
Barbie é mais um avanço na carreira da atriz e cineasta estadunidense Gerwig, 39 anos. Não faz muito tempo, seu nome estava ligado ao cinema alternativo e de baixíssimo custo (como Nights and Weekends, longa-metragem de 2008 que ela estrelou e codirigiu, com US$ 15 mil de orçamento). Por Lady Bird: A Hora de Voar (2016), feito com US$ 10 milhões, se tornou uma das raríssimas mulheres — são apenas sete em quase 100 anos... — indicadas ao Oscar de direção (também concorreu ao troféu de roteiro original). Ela dispôs de US$ 40 milhões para adaptar o clássico de Louisa May Alcott em Adoráveis Mulheres (2019), que disputou a estatueta dourada de melhor filme e valeu sua terceira indicação ao prêmio da Academia de Hollywood (como roteirista).
Agora, Gerwig entrou para o time das superproduções: bancado pela Warner, Barbie custou US$ 145 milhões. Mas é um raro tipo de superprodução: não tem um herói masculino e, mais do que isso, tem um discurso feminista. E ainda que traga o logotipo da Mattel nos créditos de abertura, nem a empresa fabricante da boneca escapa das críticas nesta sátira escrita pela diretora com o seu companheiro, o cineasta Noah Baumbach, que também já competiu três vezes no Oscar: melhor roteiro original, por A Lula e a Baleia (2005), e melhor filme e roteiro original, por História de um Casamento (2019).
Trata-se de uma mistura deliciosa de comédia, aventura, musical, drama com bastante crítica social e uma pitada de romance. Na trama, todas as Barbies vivem na Barbielândia, um mundo fantástico de plástico e em cor de rosa onde as mulheres é que têm protagonismo — são ganhadoras do Prêmio Nobel e há inclusive uma presidente negra, encarnada por Issa Rae. Ao entrar numa crise existencial, começando a pensar em morte e em celulite, a protagonista vivida por Margot Robbie (concorrente ao Oscar de melhor atriz por Eu, Tonya e de melhor coadjuvante por O Escândalo) descobre que precisa ir para o mundo real, para encontrar a criança que brinca com ela. O Ken (Ryan Gosling, indicado ao Oscar de melhor ator por Half Nelson e La La Land) apaixonado por ela vai junto, e aí os dois percebem que, do lado de cá, há um patriarcado: são os homens que mandam e as mulheres são constantemente assediadas e menosprezadas.
Cabe ao espectador descobrir as consequências e a resolução dos conflitos. Mas, para o leitor que não se incomoda com um pouco de spoiler, listei 10 momentos de Barbie que merecem um 10.
1o momentos de "Barbie" que são nota 10
1) As citações e referências
Vão desde 2001: Uma Odisseia no Espaço (1968), clássica ficção científica de Stanley Kubrick parodiado na abertura, a O Show de Truman (1998), drama de Peter Weir em que o protagonista também sai de uma utopia para encarar o mundo real. Greta Gerwig listou como influências O Mágico de Oz (1939), O Céu Pode Esperar (1978) e Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos (1988), entre outros títulos. Vale acrescentar as piadas que envolvem O Poderoso Chefão (1972) e Liga da Justiça de Zack Snyder (2021).
2) A cenografia e o figurino
É a materialização, em escala humana e em muitos tons de rosa, das casas e dos adereços do mundo Barbie, o que inclui duríssimas ondas de plástico e um cachorro que solta cocô pelo caminho. Um desafio é contar quantas vezes Margot Robbie troca de roupa durante o filme.
3) Quando Barbie descobre o mundo real
É um choque para a personagem de Margot Robbie ter a consciência de que está sendo observada — ou pior: objetificada. Com "conotação de violência", como ela frisa.
4) Quando Ken descobre o mundo real
É (perversamente) engraçada a sequência em que o personagem de Ryan Gosling se dá conta de que os homens estão no comando e no centro de tudo.
5) A piada sobre a beleza da Margot Robbie
Durante a crise de Barbie, a narradora do filme, na voz de Helen Mirren (oscarizada por A Rainha), manda um recado aos produtores de Barbie: a atriz australiana é bonita demais para encarnar uma personagem que não mais se sente bonita.
6) O número musical do Ryan Gosling
É a coroação de um dos melhores desempenhos do ator canadense, que talvez se destaque mais do que a protagonista por estar livre para atuar majoritariamente no registro cômico. Vide a letra de I'm Just Ken: "'Cause I'm just Ken / Anywhere else I'd be a ten / Is it my destiny to live and die a life of blonde fragility? (Porque eu sou apenas Ken / Em qualquer outro lugar eu seria um dez / É meu destino viver e morrer uma vida de fragilidade loira?)". E a coreografia em si, com um coletivo de Kens (estão no elenco Simu Liu e Kinglsey Ben-Adir, entre outros) também é muito divertida, inventiva e surpreendente.
7) O monólogo de America Ferrera
A atriz californiana vencedora do Emmy pela protagonista da série Ugly Betty (2006-2010) faz o papel de Gloria, uma empregada da Mattel e mãe de uma adolescente que despreza a boneca. A certa altura, a personagem faz um discurso antológico sobre a pressão de ser mulher, sempre sob o escrutínio da sociedade e em conflito consigo mesmas, a respeito de temas que vão do cuidado com o corpo ao ambiente de trabalho. É um monólogo que já desperta especulações sobre o Oscar de atriz coadjuvante — e que serve como um complemento àquele proferido em História de um Casamento, no contexto dos divórcios, por Laura Dern, que acabou conquistando a estatueta da categoria.
8) Esta definição
"Namorada casual de longo prazo à distância." (O sonho de muitos Kens!)
9) Esta frase
"Nós, mães, ficamos no nosso lugar para que nossas filhas olhem para trás e vejam como foram longe."
10) Esta música
Dua Lipa empolga com Dance the Night, mas é Billie Eilish que arrebata com What Was I Made For?. Introspectiva e melancólica, surge como uma provável candidata ao Oscar de melhor canção original (que a cantora já ganhou, em 2022, por No Time to Die, tema de 007: Sem Tempo para Morrer).
Bônus
O comercial falso da Barbie Depressão. É genial e assustadoramente hilariante ao flagrar o comportamento de não poucas mulheres.