Dois cinemas de Porto Alegre estão exibindo um dos melhores filmes do ano: A Noite do Dia 12 (La Nuit du 12, 2022), policial francês sobre feminicídio em cartaz no Espaço Bourbon Country, às 14h e às 18h30min, e na Sala Paulo Amorim, às 15h e às 19h.
Trata-se do grande ganhador da mais recente edição do César, o prêmio da Academia Francesa. Foram seis troféus: melhor filme, direção (Dominik Moll, que já havia vencido a mesma categoria por Harry Chegou para Ajudar, em 2001), ator coadjuvante (Bouli Lanners), ator revelação (Bastien Bouillon), roteiro adaptado e som.
Escrito por Moll e Gilles Marchand, A Noite do Dia 12 é baseado em uma das histórias reais contadas no livro 18.3: Une année à la PJ (2020) pela roteirista e escritora Pauline Guéna, que acompanhou por um ano uma equipe de polícia de Versalhes. O caso escolhido foi o de uma jovem incendiada quando voltava para casa — solucionar o crime se tornou a obsessão de um dos detetives.
— Alguns mortos ficam conosco para sempre. Tudo o que fazemos é por eles — dirá uma personagem do filme.
A história se passa em Grenoble, no sudeste da França, onde, na noite de 12 de outubro de 2016, Clara Royer, 21 anos, é assassinada por um homem mascarado, que acendeu um isqueiro após encharcá-la com gasolina — a cena e o seu desdobramento, que inclui a descoberta do corpo e a hora de informar os pais da moça, são impactantes e dolorosos, convém avisar. Recém promovido a capitão, Yohan Vivès (papel de Bastien Bouillion) comanda a investigação, tendo a seu lado policiais como o veterano Marceau (Bouli Lanners), tão erudito quanto irascível. Logo surge o primeiro desafio: existem vários suspeitos, porque Clara tinha vários ex-namorados (ou coisa parecida).
A sinopse pode induzir o espectador a imaginar um típico filme policial de caça ao assassino, mas A Noite do Dia 12 evita os clichês e as liberdades artísticas do gênero. Há um realismo feito ora de excitação, ora de frustração, ora de momentos graves, ora de conversas corriqueiras. Para tanto, contribuiu tanto o livro de Guéna quanto a imersão de Moll na rotina da polícia de Grenoble: "Passar um tempo com eles me permitiu ser mais preciso e verdadeiro no tom do filme, conseguindo assim evitar uma espetacularização falsa do trabalho ou a busca por artificialismos", contou o diretor. "Isso me permitiu estar mais próximo do lado humano, o desconforto e a paixão que pode guiar os investigadores."
Dominik Moll é hábil em traduzir visualmente o estado psicológico de Yohan. Quase todas as noites, mais como escape do estresse do que um passatempo ou esporte, o policial leva sua bicicleta de corrida para uma pista oval, onde dá voltas intermináveis embaladas pela bela e envolvente música composta por Olivier Marguerit. É um símbolo simultâneo da obsessão do protagonista e do lugar nenhum em que se encontra a investigação.
Há uma série de obstáculos, a começar pela culpabilização da vítima pelo próprio Yohan, como denuncia a melhor amiga de Clara, Nanie (Pauline Serieys, em rápida mas comovente participação):
— Você fica perguntando o que ela fazia com os outros. Ela foi morta só porque era uma garota!
A naturalização da violência contra a mulher é evidenciada, por exemplo, na letra do rap escrito por um dos suspeitos, que inclui a ameaça de carbonizar Clara.
— É só um rap — retruca o sujeito.
— Palavras importam! — explode Marceau.
Talvez outra barreira, aponta a policial Nadia (Mouna Soualem), seja o fato de que a maioria dos crimes é cometido por homens, e são homens, em sua maioria, que investigam esses crimes. Nesse sentido, também é muito simbólica a cena em que Yohan e Nadia fazem tocaia para tentar capturar um dos suspeitos: ele está adormecido, ela está alerta.