País mais premiado no Oscar internacional, com 14 estatuetas — a última delas conquistada por A Grande Beleza (2013) —, a Itália está outra vez na disputa. Seu candidato é Eu, Capitão (Io Capitano, 2023), filme de Matteo Garrone em cartaz apenas na Sala Eduardo Hirtz e somente em um horário, o das 17h15min.
Garrone é cineasta de Gomorra (2008), sobre os bastidores da Camorra, a máfia de Nápoles, Reality: A Grande Ilusão (2012), Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes, e do Pinóquio (2019) estrelado por Roberto Benigni. Por Eu, Capitão, ele recebeu o Leão de Prata de melhor direção no Festival de Veneza, onde o filme mereceu 13 minutos de aplauso e também valeu ao adolescente senegalês Seydou Sarr o troféu Marcello Mastroianni de ator revelação.
Carismático, Sarr tem uma atuação realmente notável, conseguindo equilibrar medo, esperança, dor e resiliência. Mas as escolhas estéticas de Garrone são questionáveis. E as demoradas palmas em Veneza podem ser encaradas como uma expressão da culpa europeia por uma tragédia africana — ou pior: podem ser um reconhecimento ao papel de "salvador branco" exercido pelo diretor italiano ao retratar a odisseia de dois primos do Senegal que querem buscar uma vida melhor atravessando o Mar Mediterrâneo. Trata-se de uma jornada perigosíssima: segundo dados de 2023 da Organização Internacional para as Migrações, desde 2014 mais de 28 mil pessoas já desapareceram ou morreram nas águas que separam os dois continentes.
Eu, Capitão é baseado em uma ideia do próprio Matteo Garrone, que escreveu o roteiro com outros três italianos, a partir de histórias de imigração contadas por cinco africanos. O filme acompanha a saga de Seydou (interpretado por Seydou Sarr) e Moussa (Moustapha Fall), que, às escondidas da família, deixam Dakar, a capital do Senegal, rumo à Europa — sonho declarado no próprio corpo, vestido com camisetas de times como o Barcelona. A rota tomada não é aquela do operário personagem de Atlantique (2019), dirigido por Mati Diop: em vez de embarcarem em um navio clandestino no próprio Senegal para tentar alcançar as Ilhas Canárias, da Espanha, sob forte ameaça de naufrágio pelas características geográficas da costa oeste, os dois personagens vão seguir por terra, passando pelo Mali e pelo Níger até a Líbia, país banhado pelo Mediterrâneo. De lá, cruzariam o mar para chegar a Lampedusa, que integra o arquipélago italiano da Sicília.
No caminho, Seydou e Moussa terão de enfrentar desafios imensos, a começar pelo inclemente deserto do Saara — onde Eu, Capitão vai se permitir pelo menos um momento de mistura entre realidade e fantasia, com resultado dúbio: para uns, é sublime; para outros, um golpe sentimentalista. Há também predadores, todos humanos: policiais corruptos, milícias violentas, grupos escravistas.
Garrone pesa a mão, de modo a tornar Eu, Capitão, na minha opinião, o pior entre todos os indicados às principais estatuetas. Mais até do que Maestro, ladrão da vaga de Segredos de um Escândalo ou de Dias Perfeitos no Oscar de melhor filme. Porque a cinebiografia do regente e compositor Leonard Bernstein (1918-1990) dirigida e protagonizada por Bradley Cooper é só uma obra narcisista e exibicionista, desinteressada justamente da parte musical de seu protagonista.
Já Matteo Garrone explora a miséria e o sofrimento de seus personagens. Em algumas cenas, faz isso com certa vaidade e um embelezamento que me pareceu demasiado. Em outras, como as de tortura, aproxima-se do sadismo de títulos do terror, como a franquia Jogos Mortais e O Albergue. Em nome de uma suposta denúncia, o diretor italiano não toca na responsabilidade europeia pela herança nefasta da colonização ou por uma eventual participação da rede de tráfico humano, agride novamente as vítimas e, afora um que outro coadjuvante, também pinta o povo africano como bárbaro ou, na melhor das hipóteses, ingênuo.