Por coincidência, estrearam nesta quinta-feira (7) nos cinemas de Porto Alegre dois filmes que estão entre os principais esnobados pelo Oscar, com cerimônia de premiação marcada para este domingo (10): Garra de Ferro (The Iron Claw, 2023) e Todos Nós Desconhecidos (All of Us Strangers, 2023). Ambos têm virtudes que poderiam ter sido reconhecidas pela Academia de Hollywood, mas acabaram completamente ignorados.
Em cartaz no Cinemark Barra, no Espaço Bourbon Country e no GNC Praia de Belas, Garra de Ferro foi escrito e dirigido pelo canadense-estadunidense Sean Durkin, cineasta dos elogiados Martha Marcy May Marlene (2011) e O Refúgio (2020). É a cinebiografia de uma família que fez história na luta livre, uma mistura de esporte e entretenimento muito popular nos Estados Unidos — e que, de certa forma, espelha a violência fingida do próprio cinema.
Rico na sua reconstituição de época — as décadas de 1970 e 1980 —, o filme acompanha a chamada maldição dos Von Erich. O pai, Fritz (interpretado por Holt McCallany, de Infiltrado), teve cinco filhos com a esposa, Doris (Maura Tierney): Jack Jr., que morreu ainda criança, Kevin (Zac Efron), campeão dos pesos-pesados no Texas, David (Harris Dickinson, de Triângulo da Tristeza), que também luta, Kerry (Jeremy Allen White, da série O Urso), aspirante a uma vaga olímpica no lançamento de disco, e Mike (Stanley Simons), que na verdade quer ter uma banda de rock.
A garra de ferro do título se refere a um golpe que Fritz aplicava nos seus adversários, mas logo fica claro seu outro sentido: o pai é tirânico com os filhos, a ponto de manter um ranking do afeto (ou algum sentimento parecido). O que começa como um animado filme sobre os bastidores da luta livre pouco a pouco se revela uma tragédia familiar eivada pela masculinidade tóxica.
No Oscar, Garra de Ferro poderia ter sido indicado nas categorias de roteiro original, fotografia (Mátyás Erdély), ator coadjuvante (Jeremy Allen White) e, principalmente, melhor ator. Zac Efron vem procurando se distanciar dos tempos de ídolo da trilogia musical High School Musical (2006-2008). Depois de encarnar, por exemplo, um dos mais célebres assassinos seriais dos EUA, no filme Ted Bundy: A Irresistível Face do Mal (2019), agora ele surge marombadaço. Mas o excesso de músculos não tolhe sua sensibilidade: seu desempenho é tocante como o filho que deseja seguir os passos do pai, mas seguidamente é preterido.
Ao contrário de Garra de Ferro, ausente de todas as premiações prévias do Oscar, Todos Nós Desconhecidos pelo menos concorreu a alguns troféus. O filme com direção e roteiro do inglês Andrew Haigh, autor de 45 Anos (2015), disputou o Critics Choice de roteiro adaptado — é baseado no romance Strangers (1987), do escritor japonês Taichi Yamada (1934-2023), mas se passa em Londres. Célebre no papel do padre bonitão do seriado Fleabag (2016-2019), Andrew Scott competiu pelo Globo de Ouro de melhor ator em drama. E houve ainda seis indicações ao Bafta, da Academia Britânica, quatro ao Gotham, dedicado a produções com baixo orçamento, e três ao Independent Spirit Awards.
Na trama, Andrew Scott interpreta Adam, um roteirista que leva uma vida pacata e monótona em seu apartamento. Durante um teste de alarme no condomínio, ele acaba conhecendo um vizinho, Harry, papel de Paul Mescal, indicado ao Oscar de melhor ator por Aftersun (2022). À medida que o romance entre os dois avança, Adam regride no tempo: começa a visitar a casa de sua infância e conversar com os pais (personagens de Jamie Bell e Claire Foy). Não é spoiler o que vem a seguir, pois basta comparar as idades de Bell, 37 anos, e Foy, 39, com a de Scott, 47: os pais de Adam morreram muito tempo atrás.
Filme bonito e contido (ainda que guarde uma surpresa para o espectador) sobre trauma, luto e solidão, Todos Nós Desconhecidos tem como destaques o quarteto do elenco — em especial, Scott e Mescal — e a direção de fotografia de Jamie Ramsay. Com a inestimável contribuição do editor Jonathan Alberts e das escolhas musicais (que vão das composições de Emilie Levienaise-Farrouch a canções oitentistas de Pet Shop Boys, Fine Young Cannibals e Frankie Goes to Hollyood), ele dá uma aparência etérea e onírica ao filme em cartaz no Espaço Bourbon Country, no GNC Iguatemi e no GNC Moinhos.